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Estado de Minas GEOPOLÍTICA

O lado obscuro da Copa do Mundo do Catar

Denúncias de corrupção, práticas trabalhistas abusivas, descompromisso ecológico, desrespeito aos direitos civis e a conivência da FIFA tiram o brilho da Copa


21/11/2022 06:00 - atualizado 21/11/2022 07:54

Copa no Catar
Todavia, o dinheiro sempre fala mais alto, mesmo quando envolve decisões muito controversas (foto: David GANNON / AFP )
Desde 1978, quando a Argentina, em pleno regime militar do General Videla, sediou a Copa do Mundo,  as escolhas dos dois últimos países-sedes do evento não causam tanta polêmica. 

O anúncio, em 2010, das nações-sede do maior evento do futebol mundial – Rússia e Catar- foi marcado por uma série de suspeitas de ilegalidade. A concessão foi alvo de processos questionáveis sobre os dois países, envolvendo volumes assombrosos de dinheiro para a compra de votos que garantiram o direito de sediar a competição. 

Era notório que a Rússia, o país organizador do evento em 2018, não era nenhuma grande representação de governo que respeita os direitos humanos e territoriais. Houve até a possibilidade de um boicote esportivo por parte de algumas nações, principalmente, entre os europeus, após a anexação da Península da Crimeia (2014). Esse possível boicote, entretanto, não teve muito sucesso e todos os times vitoriosos nas seletivas estiveram presentes. 

Isso não impediu uma sanção diplomática de diversas lideranças mundiais e a recomendação de nações africanas aos seus jogadores para não irem ao país, devido aos numerosos casos de racismo registrados nos anos anteriores ao evento. Isso levou a FIFA a implementar procedimentos que poderiam levar até à paralisação da partida pelo árbitro, em caso de constatação de insulto racista ou discriminatório, desde 2017.

Todavia, o dinheiro sempre fala mais alto, mesmo quando envolve decisões muito controversas. Tal fato não poupa nem os patrocinadores bilionários. As grandes empresas patrocinadoras, como  Nike e  Adidas, são acusadas por organizações  não governamentais (ONGs) de produzirem seus artigos a custos baixíssimos, em países mais baratos que a China, pois garantem lucros estratosféricos a essas empresas. Tudo isso “em nome do esporte”.
 

A 22ª Copa do Mundo de Futebol,  iniciada ontem, em Doha, capital do Catar, foi marcada por suspeitas de corrupção, espionagem, lobby e propinas, desde o anúncio há 12 anos: foi o que derrubou o principal adversário, os EUA, numa votação de 14 a 8 votos favorável ao minúsculo território, sem tradição no esporte, desprovido de rios e lagos, mas riquíssimo em petróleo.

A situação, atualmente, foi agravada pelas condições dos trabalhadores imigrantes que construíram os estádios no emirado,  apontada como gravíssima.  O pequenino estado de 11,5 mil km² (Tarumirim-MG, cidade natal da colunista, tem mais de 731 mil km²) construiu oito estádios ultramodernos, de 40 mil a 80 mil lugares, totalmente climatizados devido ao calor severo, mesmo no árido outono, estação inédita em que ocorrerá o torneio.   

Os gastos de energia, mesmo que parte seja de fonte solar, gerarão impactos ambientais bem expressivos, contrariando todas as recomendações dos órgãos ambientais globais, principalmente ao findar da 27ª Conferência das Partes (COP 27), no Egito, na última semana. 
 

Estima-se que milhões de toneladas de CO2 serão emitidas (segundo a ONG Carbon Market Watch serão mais de 3,6 milhões de toneladas de CO2, superior às últimas edições do evento) devido ao sistema de ar-condicionado dos gigantescos estádios, que serão acionados quando as temperaturas atingirem patamares mais elevados. Somam -se a isso  os voos diários, um a cada dez minutos,, provenientes dos países vizinhos, especialmente de Dubai, onde a maioria estimada de mais de um milhão de torcedores deve ficar hospedada, em parte, por causa da liberação do consumo de álcool e mais opções de lazer.

O país, com frequência, é criticado internacionalmente pelas pesadas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs), produzindo cerca de 50 toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano (é o maior emissor per capita de CO2 do mundo). As promessas ambientais feitas no passado não devem se concretizar. A limpeza da imagem externa não deve se concretizar.

Quanto aos trabalhadores, o alerta havia sido feito, desde 2013, pelo jornal inglês The Guardian, que previa a morte de mais de 4 mil operários (números  hoje  difíceis de comprovar pela não clareza da causa da maioria das mortes  ocorridas nesse período) até a conclusão das obras, devido às condições de exploração similares à escravidão moderna. 

A investigação do periódico indicava que os principais alvos eram os trabalhadores estrangeiros, em especial de nepaleses, correspondentes a 40% dos operários imigrantes nos campos de obras. 
 

Essa mão de obra foi exposta a trabalhos forçados, em condições térmicas superiores a 50° C no verão, quando o país se transforma numa fornalha a céu aberto, sem água potável, dormindo ao meio-dia em quartos de hotel insalubres, vítimas de doenças, quase nunca reconhecidas para não gerar indenizações aos empregadores. Relatos e denúncias dos operários, trabalhando mais de 12 horas sem alimentos, eram corriqueiros, mas ignorados. Suspensão dos salários para evitar fugas eram recorrentes, sob a justificativa de pagamento dos empréstimos feitos, com taxas exorbitantes, para a longa viagem do topo do Himalaia às terras desérticas do Golfo Pérsico. 

Tudo isso com o quase total aval das autoridades do Catar, uma vez que as leis trabalhistas sofreram pequenas mudanças. Uma delas foi o desmantelamento tardio (2020) da Kafala, um sistema de tutela da lei islâmica, que sujeita o trabalhador a um “patrocinador”, e este permite pouca mobilidade ao operário e favorece trabalhos forçados. 
As investigações mais amplas nunca foram realizadas para punir os responsáveis pelas precárias condições trabalhistas, mesmo com a instalação, após as delações, de um escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Doha, desde 2017. 

Dessa forma, praticamente, tudo o que for visualizado nos grandes empreendimentos que  sediarão as equipes e os jogos da Copa do Mundo de 2022, estará, de alguma forma, manchado de sangue das pequenas mãos asiáticas.

Além das questões trabalhistas, o país muçulmano é conhecido por leis severas, que tornam proibidas, entre outras coisas, a homossexualidade. Quando Joseph Blatter, ex-presidente da FIFA, foi questionado sobre esse fato, a resposta foi: “acho que os torcedores gays deveriam se abster de atividades sexuais”. Esse tipo de  resposta  não será comentada, mas expõe o lado sombrio da força esportiva, pela a despreocupação com o desrespeito aos direitos civis praticados no pequeno território, em especial aos grupos LGBTQIA . 

Espera-se que a tradicional hospitalidade dos povos árabes seja mantida durante os 28 dias dos jogos e que a forma de vida da esfera privada não seja um obstáculo ao espetáculo que o público, geralmente, promove nesse período.

Um fato claro da resistência externa é a ausência de vários artistas internacionais na abertura do evento, como Rod Stewart, Shakira, Dua Lipa ,entre outros, que recusaram sua participação, como forma de protesto pelas denúncias que envolvem o país-sede.

Mas tudo isso parece ser inútil quanto a uma discussão mais politizada. Apenas nos uniformes de alguns times, a maioria europeus, haverá alguma demonstração de protesto. Nenhuma das trinta e duas federações presentes, nenhum jogador ou mesmo uma ONG defendeu um boicote amplo, como ocorreu durante as “Olimpíadas de Inverno em Beijing-China”, no início deste ano. 

Há sempre dois pesos e duas medidas, e essa não é uma preocupação da FIFA. O que importa são lucros, e estes serão altíssimos. Assim, molda-se a sociedade. O “show” deve continuar. 

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