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Olhar poético

'Nuvens são nuvens em qualquer lugar do planeta. O que muda são os cenários e o olhar de cada observador, que, nesse grupo, é chamado de narrador visual'


postado em 17/05/2020 04:00

Caçadores de nuvens. Recebi o convite para participar de um grupo com esse nome nas redes sociais. Entre tantas outras ofertas, que passam em brancas nuvens (não resisti ao trocadilho), fui atraída pela singularidade do título. Na minha cabeça, a primeira palavra é o oposto da segunda. O substantivo caçador não combina com nuvens inocentes, coitadinhas. Ocorre o mesmo com o livro Caçadores de pipas, que soa igualmente antagônico e poético. Por associação, pensei que se tratasse de um blog literário, mas acabei descobrindo que a proposta do site era mais literal.

 

Para pertencer ao grupo, que conta com quase 25 mil seguidores de diversos países, é necessário preencher uma ficha de cadastro. Pelo jeito, é algo sério, diferente do conceito de nuvem que trago da infância. Criança, eu me deitava de costas no gramado e brincava de formatar carneirinhos, ursos de pelúcia e dumbos, carregados pelo vento. Quando crescesse, eu teria o meu próprio colchão de nuvens, além do travesseiro feito de algodão.

 

Viajava nos pensamentos, enquanto aguardava o aval dos moderadores do Caçadores de Nuvens. Minutos depois, sai a resposta. Aprovada. Passo a pertencer à comunidade de adultos que se reúnem no privado para compartilhar fotografias de nuvens, cada cena mais bela do que a outra. São flagrantes de nuvens de diversas partes do mundo pairando sobre castelos escoceses, lençóis maranhenses, pontes de Amsterdã.

 

O objeto central das fotos não varia, é claro. Nuvens são nuvens em qualquer lugar do planeta. O que muda são os cenários e o olhar de cada observador, que, nesse grupo, é chamado de narrador visual. E com razão. Não adianta sair romanticamente por aí procurando nuvens perdidas, pairando no ar. Para serem publicados, nas categorias Cúmulos ou Nimbos, os registros devem ter qualidade acima da média, usando câmeras profissionais, rebatedores e lentes.

 

Dá um trabalho danado capturar paisagens, principalmente à noite. Já tentou fotografar a Lua com o seu celular? Eclipses? Estrelas? É quase impossível. Em geral, os aparelhos móveis são incapazes de captar a profundidade do nosso campo de visão, a intensidade da luz e a mesma paleta de cores impressas na retina.

 

Para tirar dúvidas de ordem técnica, pesquiso na internet o termo ‘fotografias de noite estrelada’. Bingo! Descubro que também existem os Caçadores da Lua, com propósitos semelhantes. Será que existem outros grupos desse tipo? Encontro Caçadores de Pôr do Sol, que, a meu ver, confunde-se um pouco com o de nuvens. São esses, por enquanto. Falta inventar os caçadores de montanhas, árvores, borboletas.

 

Na última viagem a Gramado, no Rio Grande do Sul, tornei-me uma espécie de Diana das flores. Peguei a mania de documentar a aparência das pétalas, delicadas, pinceladas a mão. A tarefa foi simples. O clima nas serras gaúchas favorece o aparecimento de verdadeiras floras, tanto naturais quanto cultivadas, nos parques e jardins dos hotéis e residências particulares. Cheguei a ficar enjoada de tanto ver hortênsias.

 

Admito que é mais simples registrar flores do que sair a campo, sem rumo, perseguindo nuvens passageiras (novamente, não pude evitar). Já experimentou sair da Redação com a encomenda de conseguir uma boa matéria sobre tempestades? É incrível, mas a chuva quase sempre chega antes do carro de reportagem.

 

Mais recentemente, com o fenômeno da multiplicação dos celulares, cliques de populares inundam jornais, portais e tevês, aos borbotões. No passado, porém, raios e trovoadas provocavam arrepios nos jornalistas dos cadernos de cidades e gerais. Diz a lenda que, em desespero, certa vez um editor ordenou à repórter iniciante: “Siga aquela nuvem!”.

 

Se pudesse voltar no tempo, anterior à pandemia, iria me oferecer como voluntária para cumprir a missão do chefe. Era só pedir. Com prazer, pularia a cerca elétrica, ultrapassava a marca dos metros quadrados de casa, fugiria do meu quadrado.

 

Até pagaria para sair às ruas agora, nesse exato momento, já. Feliz da vida, caçaria nuvens, árvores, sol e lua, estrelas ou planetas. Iria pisar na grama, passear com os cachorros, correr em volta dos canteiros da Liberdade, ir além do meu quintal.

 

Pode acreditar, há de chegar o fim da quarentena. Então, vamos nos esquecer de levar as máscaras, ignorar ameaças de multa, desconhecer o sentido de lockdown. Matar as saudades de nossos belos horizontes.

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