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Estado de Minas COLUNA DO PAULO RABELLO

A Esperança do Povo

A impressão de perda geral de confiança é clara quando vemos o Congresso Nacional mal debruçado sobre apenas uma reforma, a tributária


12/08/2023 04:00 - atualizado 12/08/2023 07:13
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O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, diz que o debate sobre reforma tributária 'está maduro e tem que ser agora''
O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, diz que o debate sobre reforma tributária "está maduro e tem que ser agora"' (foto: Ed Alves/CB/D.A.Press - 23/6/23)

A captura do sentimento social é essencial no trabalho de publicitários e marqueteiros, além de orientar a comunicação dos políticos com suas bases eleitorais. Entender onde estão e para onde vão as percepções coletivas do povo não é, contudo, a praia exclusiva dos profissionais da comunicação e da política. Os artistas também espelham os sentimentos de uma época. O artista fala pela tela de um quadro, pela história contada num filme, pela prosa ou pelo verso, assim como na música. Um desses sentimentos coletivos é o grau de esperança do povo. Consultando esta expressão na internet – que nos informa tudo – encontramos a composição de Carlos Alais e Valito, Esperança do Povo, gravada em 2004, no CD Leitão à Pururuca, pela resiliente dupla de octogenários paulistas, Lourenço e Lourival. Na música, a penúltima estrofe nos acorda do sonho: “Entra ano e sai ano / Caminhamos só de ré / Na melhora do Brasil / Já perdemos nossa fé.”

Este parecia ser o sentimento social lá pelo ano de 2004, quando saiu o CD da dupla sertaneja. Desde então, muito pouco parece haver mudado, senão pelos ralos cabelos brancos de uma geração de líderes envelhecidos, mas aferrada ao poder. Enquanto as tecnologias disponíveis evoluíram espantosamente, a gestão dos governos, que deveria refletir as esperanças do povo, permanece estagnada, para ser generoso na avaliação. Também pudera. A gestão do interesse social pela máquina política é feita por uma pirâmide de poderosos e seus prepostos, como são os ministros das 37 pastas nomeados pelo presidente da República, os secretários de estados e municípios, apontados por governadores e prefeitos, as “Casas de Leis” que aninham os eleitos pelo voto popular e os órgãos de Justiça, que detêm o monopólio da palavra final no País. O imenso aparato dos milhões de pessoas participantes da governança dos interesses da população é o que chamamos de Estado brasileiro. Interpretando o refrão cantado por Lourenço e Lourival, diria que a máquina do Estado brasileiro é hoje uma péssima tradutora dos efetivos interesses do povo. O aparelho do Estado nos custa, anualmente, mais de três trilhões de reais – um terço de tudo que produzimos no País – sem qualquer verificação sobre o grau de eficiência desses gastos trilionários, a começar pelos gordos salários pagos a esses “servidores do Estado”, cuja qualidade de trabalho jamais é conferida ou avaliada em qualquer instância ou órgão público. Não admira, portanto, que a esperança do povo se dissipe nas filas intermináveis do Sisreg (o cruel sistema de acesso à saúde pública), nas renegociações sucessivas de dívidas impagáveis junto a bancos e financeiras, pela população crucificada por juros, quando não pela bala perdida nos confrontos de sangrenta inutilidade, rotina dos bairros populares e comunidades.

O IPEC (ex-Ibope) publicou, mês passado, mais um resultado nacional de sua pesquisa ICS, o Índice de Confiança Social, levantado ano a ano desde 2009. Na fotografia comparativa, desde a primeira década dos anos 2000, é nítida a perda de convicção do brasileiro em si mesmo, em seu círculo de amizades e vizinhos, até na própria família. O ICS é um índice fácil de entender pois varia como uma nota de escola, de zero a cem. Em zero, a confiança medida é nenhuma. Em cem, é “muita” ou absoluta confiança. Na faixa de 60, apenas “alguma” confiança e, na faixa de 30, “quase nenhuma” confiança. Consultando a pesquisa ICS em julho de 2023, e olhando para trás, desde 2009, há resultados surpreendentes. A confiança do brasileiro na própria família, antes na faixa de 90 (confiança quase absoluta) se deteriorou até 81 em 2023. E a confiança nos outros brasileiros em geral vem caindo de 60 (“alguma” confiança) para 53 este ano. Entre as instituições de governo, o brasileiro ainda prefere apelar para os bombeiros (ICS de 87), para a Polícia Federal (ICS de 70) ou entrar numa igreja e rezar (ICS 70). A estrutura política do País continua mal e andando de lado, embora já tenha estado pior, pela medida do ICS, quando passamos pelo vale da morte da grande recessão de 2014 a 2017. O governo federal e a figura do presidente da República (este, antes apelidado de “a esperança do povo”) mal conseguem um ICS na faixa de 50, ou seja, uma confiança desconfiada, enquanto o Congresso e os partidos políticos merecem não mais do que índices de 40 e 34, respectivamente, portanto quase nenhuma confiança.

Na perspectiva do tempo e no confronto com as situações de momento, a interessante pesquisa do IPEC sobre “confiança” ainda nos daria mais do que um dedo de prosa. Mas o recado geral, na mirada retrospectiva de mais de uma década, indica que a esperança do povo vai morrendo com a perda de confiança do brasileiro em relação a si mesmo, a seu círculo mais próximo, às autoridades e aos serviços gerais do País em que vive. A impressão de perda geral de confiança é clara quando vemos o Congresso Nacional mal debruçado sobre apenas uma reforma, a tributária, embora até agora jejuno de dados básicos e estudos oficiais para se orientar como reformar os impostos, enquanto o governo caminha para o final do primeiro de seus quatro anos de mandato, ainda sem projeto definido, sem teto de gastos e sem qualquer regra de controle de eficiência em suas ações e políticas. O exemplo que vem de cima não é nada bom. E não é de hoje, nem somente dos atuais gestores. Resta apelar ao conselho de Lourenço e Lourival, que assim finalizam sua Esperança do Povo: “Ninguém consegue tirar / O país dessa maré / A esperança do povo / É o Homem de Nazaré”.


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