Para algumas pessoas confinadas, o banheiro se tornou o único local dentro de casa onde se tem a possibilidade de ficar a sós. De chorar sem levantar suspeitas ou preocupações nos demais, de comemorar ou lamentar algo que ainda não quer dividir com o restante da casa, de deitar um pouquinho e ficar assim parado pensando em nada sem chamar a atenção e ter que se explicar.
Até outro dia, tínhamos a rua para fazer isso. O andar ao léu, o banco da igreja até para os nada religiosos, ou o da praça sempre serviram para esse fim, além dos óbvios que lhes competem.
Pensar com seus botões de maneira despretensiosa e sem pressa ou ainda o meio-fio, o ponto do ônibus, qualquer lugar nos servia para conversar sem falar nada que fosse audível, sem ter um interlocutor ou alguém para interromper o raciocínio ou o nada em mente. Lugares onde se podia colocar uns óculos escuros capazes de esconder as lágrimas ou pouco se importar, pois não era necessário dar satisfação a quem estivesse pouco se lixando para o que se passava.
“No banheiro eu fico em paz”, ouvi de uma mulher, “até porque é o único cômodo em minha casa que tem chave e as pessoas não desconfiam se eu trancar a porta. É o máximo que consigo de intimidade”. Agora obrigada a dividir a casa com o sogro e a sogra, com quem nunca se deu bem, porque “seria desumano deixá-los vivendo sozinhos em meio a esta pandemia”, sempre que se sente sufocada ela corre para lá.
Já ganhou fama de ser excessivamente higiênica, pois muitas vezes liga o chuveiro a fim de justificar ficar trancada lá dentro por muito tempo. Quanta ironia! Quem diria que o cômodo considerado mais contaminado da casa fosse se tornar um belo refúgio em tempos de álcool em gel e muita água e sabão.
Lembro-me de que quando criança não podia ver minha mãe chorando que, antes mesmo de saber as razões daquelas lágrimas, eu também começava a chorar. Não suportava vê-la sofrendo; afinal, se ela estava mal, o mundo para mim estaria ainda pior. Se ela não estava dando conta, o que seria de mim?
Agora, nos vemos obrigados a dividir espaços e sentimentos com mais frequência e pessoas. Talvez esse seja um dos treinamentos nos propostos pela pandemia, num momento em que estávamos caminhando para uma maior introspecção alimentada pela necessidade de aparentar ser alguém que não éramos e ao mesmo tempo não estávamos conseguindo sustentar.