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Estado de Minas Comportamento

Bem resolvido

'Coragem invejável de assumir a verdade'


07/02/2021 04:00

(foto: Pixabay)
(foto: Pixabay)

 
A filha adolescente, pouco antes de sair de casa em direção à escola, discutiu com a mãe e, ao bater a porta, vozeirou: “Eu queria que você morresse!”. Quis o destino que a mãe sofresse um acidente vascular cerebral que a levasse subitamente ainda antes de a filha encerrar as aulas daquele dia.
 
Não preciso dizer o quadro desolador que tomou conta da adolescente e, mesmo tendo acontecido há muitos anos, o quanto essa lembrança ainda deve pesar em sua memória. Quem de nós, no auge de um ataque de nervos, não desejou, sem de fato querer, apagar o outro, principalmente quando se é jovem e imaturo?
 
Temos acompanhado muitos desfechos tristes nos últimos meses. Pessoas que viviam em pé de guerra, mais por implicância barata que por incompatibilidade propriamente dita, que ao precisar internar os alvos preferidos de suas flechas, se veem envoltas de um sentimento de culpa avassalador. “E se ele for entubado? E se ele morrer? Nem terei tido tempo de me despedir e a última impressão que ele vai levar de mim é de que eu não gostava dele, sendo que eu gostava muito.”
 
A questão que pega é exatamente a forma como construímos nossas relações e as mantemos. Atritos pontuais e temporários, bem intercalados com períodos duradores de paz, mantêm qualquer relação saudável e, no caso de mortes prematuras (do tipo que não dá nem chance de se despedir) não pesam como culpa. São mais fáceis de ser processados e digeridos por quem fica (e creio também que por quem vai).  A perda é sempre mais palatável quando movimenta um número maior de lembranças positivas que negativas.
 
Conheço uma senhora que viveu muitos anos com um marido tirano. Por um longo tempo, dividiram a mesma casa, onde haviam criado os dois filhos, porém cada um para seu canto, até que ele caiu de cama e passou a precisar de cuidados especiais. Ela, ainda dotada de capacidade física para socorrê-lo, esteve ao lado dele o tempo todo, sem reclamar da sorte ou cobrar, mesmo que subliminarmente, toda aquela atenção.
 
Quando ele morreu, não fez nenhum esforço para esconder o alívio que sentiu em não lhe ter mais a companhia. “Fiz o que pude para que ele tivesse qualidade de vida possível na doença. Fiz por amor cristão; afinal, foi o pai de meus filhos, o que não quer dizer que eu deva transparecer tristeza pela morte dele. No fundo, estou achando bom, pois enfim me sinto livre.”
 
Para uma sociedade que funciona muito à base de culpa, sacrifício, lamento e, consequentemente, de muita provocação, essa atitude pode parecer grotesca e ruidosa, mas não passa de uma coragem invejável de falar e assumir a verdade em relação ao que se faz e ao que se sente.

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