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Estado de Minas Coluna

Este nosso olhar

Vivendo a rotina preocupados com o próprio conforto, deixamos de pregar o amor, a alegria, o otimismo. Mas o convite continua de pé: pregai


11/10/2020 04:00 - atualizado 10/10/2020 15:24


Nesse setembro que deixamos para trás, a Igreja comemorou o mês da Bíblia, o livro que chegou até nós por um trabalho de preservar a história iniciado com Moisés.

Na Antiguidade, cabia aos escribas a tarefa de fazer novas cópias de rolos do Antigo Testamento, com uma preocupação tão grande à fidelidade do texto que no final de cada seção do livro o escriba contava as linhas, palavras e letras do original e comparava com sua cópia. Ainda assim, por vezes cometiam erros. Calcula-se que a média era de um erro para cada 1.580 letras.

Já os monges copistas na Idade Média (séculos 5 a 15) acreditavam que ao copiar os livros estariam prestando um serviço a Deus. Trabalhavam no maior desconforto, às vezes escrevendo sobre os joelhos pela ausência de aquecimento e luz adequados.

Por causa do alto custo dos pergaminhos, textos de menor interesse foram apagados ou raspados para ceder lugar a outros com maior demanda – o copista reescrevia por cima do texto excluído.

Hoje, sofisticadas técnicas de recuperação permitem descobrir as marcas "apagadas" dos manuscritos, revelando textos inéditos. Aqueles monges, sem saber, preservaram no mesmo pergaminho dois ou mais textos.

Hoje, quem vai à Terra Santa e visita as cavernas de Qumran encontra manuscritos escritos pelos essênios entre 150 a.C e 68 d.C referentes a quase todo o AT, escondidos dentro de vasos de cerâmica espalhados pelas cavernas como forma de preservar a herança religiosa e cultural deles. Em 1947, um grupo de beduínos os encontrou.

Com raios X e infravermelho, pesquisadores buscaram a resposta por anos: como sobreviveram os pergaminhos do Mar Morto?. Ano passado, a revelação: uma a uma, as três camadas do manuscrito, de 0,1 milímetro, foram dissecadas. Uma camada de pele de animais, seguida por uma cobertura de colágeno e, na última, uma mescla de sal em elevadas concentrações com minerais ajudou a proteger os papiros da ação corrosiva do tempo.

Agora estamos em outubro, e a Igreja do Brasil comemora o mês das Missões, lembrando as últimas palavras de Jesus aos discípulos antes da Paixão: “Ide, e pregai a todas as gentes”.

Atualmente, a obrigação do uso das máscaras tem incomodado muitas pessoas. Algumas reclamam falta de ar, outras que não escutam bem, outras sentem cansaço se falam mais. E se esquecem que enquanto se preocupam com a tira de pano que cobre a boca e o nariz, é no olhar que está a missão que nos cabe neste dia a dia.

Vivendo a rotina preocupados com o próprio conforto, deixamos de pregar o amor, a alegria, o otimismo. Mas o convite continua de pé: pregai. Se os olhos são o que sobram nesse rosto mascarado, eles que entrem em ação.

Nada de olhar perdido no horizonte de uma paz que julgamos inalcançável. Nada de deixar para quando tudo isso acabar. A história é fluxo contínuo, não surgiu da pureza de nossas pretensões.

Neste período complicado em que vivemos, o medo imperando e a raiva transbordando, a “resignação virtuosa”, defendida por filósofos como Sêneca não quer dizer desesperança, pois também é virtude enfrentar a desventura como um teste, como é virtude viver de acordo com a sabedoria dos que nos precederam. Tudo que está debaixo do sol um dia vai passar, como sempre passou.

Deixemos a terra e vamos para a beira da praia acompanhar padre Antônio Vieira em seu longo sermão de Santo Antônio: “Se o sal não salga é porque os pregadores não pregam a verdadeira doutrina ou a terra não se deixa salgar”.

Vivendo no meio de uma realidade desagradável, não podemos nos abater pela sensação de impotência. Escribas, monges copistas e essênios não se entregaram e em meio a tantas dificuldades ainda se preocuparam em deixar uma herança, e não um ônus, para as próximas gerações.

Foram sal da terra e sal do mar (ainda em padre Vieira). Hora de ignorar as vozes pessimistas e ouvir mais os santos que almejam a salvação. Hora de entrar em missão. Para que um dia os sinos também dobrem por nós.

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