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Estado de Minas ENTRE LINHAS

Políticas externa e interna não são assimétricas

É preciso distanciamento. A primeira comparação deve ser entre o projeto "iliberal" do desgoverno que tínhamos e o novo governo, democrático e civil


12/02/2023 04:00 - atualizado 12/02/2023 07:18

A viagem de Lula aos Estados Unidos
A viagem de Lula aos Estados Unidos consolidou a aliança de Lula com o presidente democrata Joe Biden (foto: Andrew Caballero-Reynolds)

“Adeus, senhor presidente”, do ex-ministro de Planejamento chileno Carlos Matus, é um romance-ensaio inspirado no governo de Salvador Allende, que assumiu o poder com grandes expectativas de mudança e foi destituído no sangrento golpe de estado do general Augusto Pinochet. Na ficção, o protagonista é um ex-presidente que fracassou e seu consolo é que o sucessor também está fracassando, em meio a reuniões ministeriais surreais e até uma tentativa frustrada de golpe militar. Sindicalistas, políticos de esquerda e de direita, empresários, tecnocratas, acadêmicos, idealistas, jornalistas, amigos corruptos tecem a trama, em meio à polêmica sobre como equilibrar as finanças e estimular o crescimento.

Em outra obra – “O líder sem estado-maior” –, Matus faz uma critica profunda aos governantes latino-americanos, na qual compara seus imponentes e frágeis gabinetes a uma “jaula de cristal”, na qual o presidente se isola e se torna prisioneiro de uma pequena corte. “Um homem sem vida privada, sempre na vitrine da opinião pública, obrigado a representar um papel que não tem horário. Não pode aparecer ante os cidadãos que representa e dirige como realmente é, nem transparecer seu estado de ânimo.”

“O governante sente-se satisfeito com seu gabinete: nem sente que precisaria melhorá-lo, nem saberia como fazê-lo porque o desacerto está no comando”, descreve. Na tentativa de realizar o impossível, continua Matus, “deteriora a governabilidade do sistema e não aprende, porque não sabe que não sabe. Encontra-se entorpecido por uma prática que acredita dominar, mas que na realidade o domina. Acumula experiência, mas não adquire perícia; tem o direito de governar, sem ter a capacidade para governar. Nesse caso, pode ser que seu período eficaz de governo resulte nulo, pela impossibilidade de combinar, ao mesmo tempo, o poder para fazer e a capacidade cognitiva para fazer”.

Com menos de 50 dias de mandato, é muito cedo para um diagnóstico sobre o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nessa direção. Entretanto, a “jaula de cristal” parece em construção. Velhos companheiros do presidente da República, sobreviventes da crise ética, do colapso do governo Dilma Rousseff e do tsunami eleitoral de 2018 que levou o ex-presidente Jair Bolsonaro ao poder, avaliam que Lula não tem um estado-maior. Aparentemente, não o deseja, embora não falte gente capaz na sua equipe de governo. Até agora, Lula não cometeu nenhum erro grave, mas a repetição de pequenos erros também desgasta.

É preciso distanciamento dos interesses imediatos para uma boa avaliação do processo em curso. A primeira comparação deve ser entre o desgoverno que tínhamos, com um projeto político “iliberal”, e o novo governo, democrático e civil. A mudança de rumo foi de 160 graus, do desmonte das políticas públicas e do permanente conflito institucional, para o resgate dos direitos humanos e uma relação de equilíbrio e harmonia entre os Poderes. Entretanto, com apenas uma semana de governo, Lula se viu diante de uma tentativa de golpe de Estado, cuja face mais visível foram a invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), em 8 de janeiro. A resposta democrática civil foi a demonstração de força das nossas instituições políticas; e a solidariedade internacional nos reposicionou no Ocidente.

Cadeias globais

Políticas externa e interna não são assimétricas. A viagem de Lula aos Estados Unidos consolidou sua aliança com o presidente democrata Joe Biden em torno da defesa da democracia e da questão ambiental. Retirou o Brasil da rota dos regimes “iliberais” do Oriente, mas isso não significa a superação das contradições e conflitos da globalização, nem supera as dificuldades da nossa inserção e nas novas cadeias de produção global. Nosso principal parceiro comercial não são mais os Estados Unidos, é a China. Parceiros comerciais mais competitivos dominaram o nosso mercado e deslocaram a produção brasileira de mercados tradicionais de nossas exportações industriais, como a América Latina. Esse é o grande cenário.

A China emerge como grande potência do Oriente e emula com o Ocidente. Os países do G-7 há 30 anos tinham cerca de 70% da renda mundial, mas hoje possuem algo em torno de 45% ou menos. Esse deslocamento de renda se deveu à fragmentação da produção e à expansão de cadeias globais de valor. Além da China, mais cinco países em desenvolvimento se beneficiaram fartamente desse processo: Coreia do Sul, Índia, México, Polônia e Tailândia. O Brasil ficou à margem, desperdiçou o ciclo de commodities ao aumentar o consumo sem ampliar seus investimentos. Tentou adensar cadeias locais antes de se integrar ao dinâmico processo de formação de cadeias globais e fracassou.

O discurso de Biden sobre o “Estado da Nação” aponta aos Estados Unidos o caminho da reverticalização de suas cadeias de produção. Isso oferece mais ou menos oportunidades ao Brasil? Em vez de questionar a integração, precisamos estudar como nos inserir nas novas cadeias globais da indústria 4.0 e transitar para a economia verde, por meio e na democracia, explorando a formação de cadeias de valor regionais, a nova tendência da globalização. É preciso um novo consenso nacional.

Muito se discute a questão dos juros altos e o desencontro entre a política econômica e a monetária. Lula se depara com a ameaça de recessão e a emergência da situação social no país, cujos exemplos extremos são 40 mil moradores de rua na cidade de São Paulo, a nossa maior e mais rica metrópole, e o genocídio dos yanomamis em Roraima, na Amazônia. O governo estuda três medidas para ativar a economia: a elevação do salário mínimo, a mudança na tabela do Imposto de Renda, e a rolagem das dívidas de 80 milhões de cidadãos insolventes. São medidas emergenciais, focadas nos brasileiros que mais precisam do governo, porém recolocam em discussão a relação entre equilíbrio fiscal e gasto público.

Em tempo: volto depois do carnaval.




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