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Estado de Minas ENTRELINHAS

Bolsonaro desconhece pandemia que mata diariamente no Brasil

Desafiar o novo coronavírus se tornou uma espécie de obsessão para o presidente da República, que se comporta como quem adquiriu imunidade contra a doença


postado em 12/04/2020 04:00 / atualizado em 12/04/2020 07:47

Presidente tem saído às ruas com frequência e vai ao comércio para estimular proprietários e consumidores a manterem uma vida normal, em meio à gravidade da doença respiratória no mundo(foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Presidente tem saído às ruas com frequência e vai ao comércio para estimular proprietários e consumidores a manterem uma vida normal, em meio à gravidade da doença respiratória no mundo (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

 No livro O revólver que sempre dispara (Casa Amarela), Emanuel Ferraz Vespucci analisa as causas, os comportamentos e as consequências para a saúde de diversas dependências químicas, inclusive o alcoolismo e o tabagismo. É um livro despido de preconceito e, do ponto de vista clínico, como não poderia deixar de ser, serve de referência para os que lidam com o problema: usuários em busca de tratamento, seus familiares e terapeutas. O livro explica de maneira clara como as diversas drogas causam dependência física e psicológica, os problemas que acarretam e as maneiras de enfrentá-los, sem moralismo. A perda de controle sobre o álcool, a cocaína, o crack, a maconha, morfina, calmantes, inibidores de apetite e outros psicotrópicos é um problema muito mais amplo do que se imagina.

 

A dependência funciona como uma roleta russa, ou seja, em algum momento a bala que está no cilindro do revólver será disparada, na medida em que o sujeito arrisca mais uma vez. Ou seja, o acaso tem um limite, quanto maior a frequência, maior a probabilidade de ocorrência. Traduzindo, por causa da dependência, algo grave acontecerá na vida da pessoa, pode ser um acidente de carro, a perda do emprego, um surto psicótico, um infarto. Muito raramente o dependente consegue enfrentar o problema sozinho, sem ajuda de parentes e amigos, um profissional da área ou grupos de ajuda mútua. O sujeito se torna escravo da dependência e não percebe como ela interfere no seu comportamento, sob todos os aspectos, a ponto de muitas vezes se achar um super-homem, para no dia mergulhar na depressão.

 

'Bolsonaro age como um jogador compulsivo, o que não deixa de ser uma dependência, sem levar em conta que a maioria das pessoas não estão preparadas para lidar com o aleatório'

O que interessa aqui é a analogia da roleta-russa, ou seja, do revólver que sempre dispara. Durante a epidemia de COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), por causa do risco de contaminação, sair de casa é uma espécie de roleta russa, mesmo que pessoa utilize máscaras e luvas. Acontece que o presidente da República — com o objetivo declarado de desmoralizar a política de distanciamento social preconizada pelas autoridades médicas, inclusive seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e responsabilizar governadores e prefeitos pela recessão econômica — resolveu sair às ruas com frequência e, nesses passeios, frequentar o comércio local para estimular proprietários e consumidores a manterem uma vida normal. Bolsonaro desconhece uma epidemia que está matando mais de 100 pessoas por dia no Brasil, o equivalente a um desastre de grandes proporções.

 

Desafiar o novo coronavírus se tornou uma espécie de obsessão para o presidente da República, que se comporta como quem adquiriu imunidade contra a doença, como acontece com aqueles que já foram contaminados, se recuperaram e adquiriram anticorpos ou que, por qualquer outra razão, têm um sistema imunológico mais robusto, geralmente os mais jovens. Não se sabe se o presidente da República está imunizado, ele se recusa a revelar os resultados dos exames que fez. Bolsonaro age como um jogador compulsivo, o que não deixa de ser uma dependência, sem levar em conta que a maioria das pessoas não estão preparadas para lidar com o aleatório.

 

Teoria do caos

 

É aí que chegamos ao O andar do bêbado, o instigante livro do físico Leonard Mlodinow, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, sobre o acaso na vida das pessoas, ou melhor, sobre como funciona a aleatoriedade. O novo coronavírus se multiplica como um “Efeito Borboleta”, descoberto em 1960, pelo matemático Edward Lorenz, base para a Teoria do Caos. Mostra como pequenas alterações nas condições iniciais de grandes sistemas podem gerar transformações drásticas e significativas.

 

Lorenz, que também era meteorologista, realizava cálculos relacionados à padrões climáticos num computador. Em vez de colocar 0,000001, conforme fez na primeira vez, ele colocou 0,0001, alterando completamente o resultado da simulação, como se o bater de asas de uma borboleta na Austrália provocasse um furacão no Caribe. Foi o que aconteceu com o coronavírus na Alemanha e na Coreia do Sul, países que melhor monitoraram a epidemia e conseguiram mantê-la sobre controle, com testes em massa e hospitalização dos contaminados. No primeiro caso, bastou que uma pessoa contaminada usasse o saleiro num almoço de família para a epidemia se propagar; no segundo, um único paciente, de 30 casos confirmados, escapou do isolamento e disseminou a doença.

 

Na Sexta-feira da Paixão contabilizamos 1.056 mortes e 19.638 casos confirmados, 44 dias após o primeiro caso registrado no país e 24 dias após o registro da primeira morte. São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e Amazonas estão em risco de colapso do sistema de saúde pública. Numa hora em que o país precisa de coesão social e alinhamento das políticas de combate ao novo coronavírus, para evitar o colapso do sistema de saúde, Bolsonaro aposta na autoimunizaçao e num medicamento de eficácia limitada, a hidroxicloroquina, para evitar as mortes, e prega a retomada imediata das atividades econômicas, com adoção do chamado isolamento seletivo ou vertical. Essas apostas foram feitas em outros países, como os Estados Unidos, Inglaterra e Japão, e fracassaram. Com mais de 500 mil infectados, nesta semana santa, os EUA registraram mais de 2 mil mortes em 24 horas.

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