Acabo de ver um vídeo de Alexandre Kalil, da época em que exercia o cargo mais importante de Minas, do Brasil e do mundo. O ex-presidente do Atlético ironizava a torcida do Galo, que estava a protestar na sua porta: “Cantam o hino quando o time cai e fazem protesto quando estão em quinto no Brasileiro”. Cantar a nossa Marselhesa no final daquele Atlético e Vasco, em 2005, foi prova irrefutável da fidelidade canina, a bem dizer, galinácea – e a despeito de qualquer gavião, restou esclarecido quem é de fato a verdadeira Fiel.
Protestar enquanto o time disputa o título do campeonato, bem, isso me lembra o povo na rua contra a gasolina a R$ 2, os infantes a reivindicar o dólar baixo e o direito de ir à Disney, o pobre contra o Bolsa-Família. Todo mundo tem o direito de protestar, não há dúvidas – o risco é terminar atendido em suas demandas.
E, atenção: NOTÍCIAS DO HOSPÍCIO Urgente! Torcida protesta porque goleiro não é capaz de produzir milagres! Integrantes de torcida organizada estão inconformados com escalação de jogador supostamente desabilitado para a função de santo. Esposa do jogador, esta, sim, uma santa, foi atacada pelos fiéis.
Em sua última partida, no entanto, o arqueiro teria supostamente produzido um milagre ao defender bola à queima-roupa, mas sobre isso não há consenso – pode ter sido apenas sorte, o que não conta pontos no processo de canonização. Como o reconhecimento de milagres é uma premissa da Igreja Católica, novos protestos devem ocorrer na porta do Vaticano. A mensagem ao papa Francisco é clara: ou joga por amor ou joga por terror.
Até que o goleiro consiga sua inscrição no BID de Deus, e santificado seja o seu nome, torcedores revoltados exigem sua pronta substituição pelo reserva profissional formado na escola Fábio de Costas – onde passou a faculdade inteira, o ensino médio e o fundamental como bom aluno: sentado no banco. O novo ídolo já ergueu as mãos para o céu e mostrou o 6 a 1, mas isso não vem ao caso. Um é preto, o outro é branco. Preto sai, branco fica.
Sampaoli herdou uma equipe que tinha o Zé Welison e que acabara de ser eliminada pelo Afogados da Ingazeira, cujo herói não é um simples goleiro, mas o Goleiro que Joga de Boné à Noite. Dez meses e uma pandemia depois, ocupa a quarta posição do Brasileiro, a cinco pontos do líder, com chances reais de levantar a taça. Em tempo recorde, fez time e elenco.
Mas o torcedor revoltado não gosta do Sampaoli, o Sampaoli não fala com o jardineiro da Cidade do Galo. O torcedor inconformado dorme sonhando com o Cuca e acorda querendo o Abelão. Vai acabar buscando o Mancini no aeroporto.
Não adianta explicar, porque ele não vai entender: o negócio é blindar o Sampaoli desse tipo de interno do nosso manicômio, ainda mais quando em surto coletivo. Aproveitemos que um gringo, em alguma medida, encontra-se, coitado, lost in translation. Se há protestos, digam a ele que é contra o Bolsonaro, ou contra a vacina, tanto faz, tudo é possível no Brasil psicodélico. Mandaram tomar no c*? Sim, é uma palavra de incentivo – estão dizendo que vai ter bola na casinha. E por aí vai.
Amanhã, caso vença o Fortaleza, o Galo seguirá na perseguição ao título, à espera do tropeço que virá (EU ACRE-DI-TO!). Everson e esposa serão poupados da fogueira pela Santa Inquisição. Se houver um tropeço – toc, toc, toc –, sugiro férias antecipadas a Sampaoli e sua comissão, além do Everson e sua consorte. Rafael assume, o interino dirige (saudade do Marcelo Oliveira, né, meu filho?). Pelo menos seria a realização de um sonho – ou de alguns. Aí, quando a gente fizer o gol, podemos voltar àquele saudoso grito das arquibancadas: “AH! EU TÔ MALUCÔ! AH! EU TÔ MALUCÔ!”.
Que São Victor nos livre e guarde! Vamo Galo, pelo amor de Deus!