(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

O elo entre judeus e yanomamis

Preservar a memória e ampliar o diálogo, para além do Holocausto é, no mínimo, compreender que todas as formas de dor humana devem ser acolhidas e tratadas


31/01/2023 06:00 - atualizado 31/01/2023 11:31

Indígenas
Retrocessos nos árduos direitos às terras do povo Yanomami foram transformados em situação de extermínio (foto: MICHAEL DANTAS / AFP)
Em 20 de janeiro do ano corrente, a plataforma de jornalismo Sumaúma – nome de uma das maiores árvores encontradas na Amazônia – trouxe, para todo o País, a mais recente tragédia do povo Yanomami: a morte (sub)estimada de 570 crianças dessa etnia, no período entre 2019 e 2022. Uma semana após a denúncia do Sumaúma, em 27/01, comemorou-se o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Entre os povos yanomami e judeu existem alguns representantes cujas histórias se entrelaçam.
 
Claudia Andajur é judia nascida na Suíça e migrante para os Estados Unidos, para onde conseguiu escapar dos horrores da Segunda Guerra Mundial – o pai e toda a família morreram em um campo de concentração. Em 1955, Claudia muda-se para São Paulo e, na década de 70, começa a conviver com o povo Yanomami. É de Claudia Andajur uma instalação, em Inhotim, com mais de 400 fotografias registrando aquela etnia. 
Davi Kopenawa é xamã, o mais conhecido líder do povo Yanomami, escritor, fundador da Associação Hutukara – responsável pela promoção de ações em defesa das terras indígenas – e membro colaborador da Academia Brasileira de Ciências. Por meio da Hutukara, Davi já conseguiu grandes feitos como, por exemplo, recuperar amostras de sangue do povo Yanomami que estavam sob posse de cientistas norte-americanos. 

Claudia e Davi conheceram-se quando ela foi em expedição à Amazônia, nos idos de 1970. Nessa época, a fotógrafa tinha por volta de 40 anos de idade e o indígena, 15. Ali começaram uma relação que os acompanha até os dias de hoje. Enquanto ele se tornou o xamã e líder da etnia, Cláudia foi a grande defensora da demarcação das terras Yanomami, bem como das garantias de seus direitos.
 
A história da relação entre ambos pode ser assistida em “Gyuri”, filme disponível em várias plataformas de streaming. Gyuri é um ótimo exercício para que cidadãos brasileiros recuperem ou construam empatia pelos povos originários e pelas relações humanitárias entre as pessoas de qualquer grupo, raça, opção sexual, religiosa etc. 
Na reportagem de Sumaúma, de 20 de janeiro, dois dados sintéticos merecem destaque:

(i) entre 2019 e 2022, o percentual de crianças yanomamis, monitorada pelo governo federal, caiu de 90% para 75% - estima-se que, pelo menos 876 crianças deixaram de ser acompanhadas, nesse período;
(ii) e os polos de saúde que faziam atendimento médico aos indígenas yanomamis foram fechados por 13 vezes, desde 2021, por ação dos garimpeiros ilegais que tomaram posse de parte do território dessa etnia. 
 
Na data de 27 de janeiro, três evidências estatísticas sobre o neonazismo também merecem destaque. De acordo com a plataforma Contar para viver, estudo promovido pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Congresso Judaico Mundial apontou que, no Brasil:

(i) 49% das publicações sobre holocausto, divulgadas pela rede social Telegram, negavam ou distorciam os fatos sobre o tema;
(ii) o número de células neonazistas passou de 72 para 1.117, entre 2015 e 2022, representando crescimento de 1.451%, em 7 anos;
(iii) e o número de casos de apologia ao nazismo passou de 20 para mais de 100, entre 2018 e 2020.  
O elo entre Claudia Andajur e Davi Kopenawa encontra forte similaridade entre três judeus sobreviventes ao Holocausto – Gabriel Waldman, Ruth Sprung Tarasantchi e Joshua Strull – e, respectivamente, três brasileiros vítimas de violência e intolerância – Odivaldo da Silva (Neno), Naiá Tupinambá e André Baliera. 
 
A campanha “Viver para contar, contar para viver” foi responsável pela criação de três vídeos com os judeus e brasileiros acima mencionados. Trata-se de iniciativa da UNESCO conjuntamente com a Confederação Israelita do Brasil e o Museu do Holocausto (Curitiba, Brasil) e amplia o debate sobre a necessidade de se preservar a memória contra toda e qualquer forma de discriminação e violência humanas.  
O ano de 2023 iniciou com desafios humanitários diversos. A ideia de não esquecer, de preservar a memória e ampliar o diálogo para além do Holocausto é, no mínimo, compreender que todas as formas de dor humana devem ser acolhidas e tratadas. Deparar-se com a situação de morte dos povos originários é voltar no tempo, perceber e evidenciar que nada tem sido garantido ou preservado de seus direitos (ironicamente adquiridos). 
 
Retrocessos nos árduos direitos às terras do povo Yanomami foram transformados em situação de extermínio. Atos neonazistas em vertiginosa expansão suscitaram, entre os sobreviventes do Holocausto, temor que seus sofrimentos fossem esquecidos. 2023 começou nos lembrando de não nos esquecermos.

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)