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Estado de Minas GUERRA NA UCRÂNIA

Ao Ocidente, faltou 'combinar com os russos': neutralidade é arma da China

Neutralidade da China é a grande arma e, em cenário cheio de incertezas, o país asiático apresenta-se como grande potência capaz de mediar o pôr fim ao conflito


22/03/2022 06:00 - atualizado 22/03/2022 07:36

Rússia e China
Em quatro de fevereiro, vale lembrar, Xi Jiping e Vladimir Putin assinaram acordo de expansão que sinalizava "Nova Era de Relações Internacionais entre as duas Nações" (foto: How Hwee Young/AFP)
Os movimentos geopolíticos ocorridos desde os anos 80 do século passado chegam, no início de 2022, ameaçando tudo aquilo que a globalização tem propiciado em termos de trocas e expansões, em todos os campos. O envolvimento direto das nações europeias e norte-americana e a "neutralidade" dos demais integrantes do bloco que constitui os BRICS - Brasil, Índia, China e África do Sul -, na guerra entre Rússia e Ucrânia diz muito sobre as articulações em curso, embora deixem muitas incertezas pairando no ar. Na busca pela pacificação, China apresenta-se como a grande potência capaz de mediar e pôr fim ao conflito.

No último sábado, 20/3, o vice-Ministro das Relações Internacionais da China Le Yucheng afirmou que "as sanções contra a Rússia estão se tornando mais e mais ultrajantes e que os cidadãos russos estão sendo privados de seus ativos mantidos no exterior, sem motivo". O Ministro ainda reforçou que as sanções, além de não resolverem os problemas, só prejudicam o povo, impactam os sistemas econômico e financeiro e pioram a economia mundial.

Em concordância com Le Yucheng, o professor emérito de política econômica da Universidade de Warwich, Robert Skidelsky, e também ex-conselheiro da companhia privada russa de óleo e gás PJSC Russneft, afirma que o objetivo das sanções econômicas é impor o fim da guerra por meio de custos inaceitáveis por parte da Rússia. Skidelsky apresenta-se cético com as sanções, acredita que as chances de êxito dos países do Ocidente são baixas e que os custos para a globalização e a economia mundial serão muito elevados.

É cada vez maior o número de manifestações de especialistas fazendo contraponto ao inicial uníssono discurso do Ocidente no que diz respeito aos interesses norte-americanos e europeus e às estratégias (aplaudidas) para pôr fim ao conflito. John Mearsheimer, reconhecido como um dos maiores influenciadores das relações internacionais no mundo, culpa os Estados Unidos pela crise na Ucrânia em seu canal do Youtube e na publicação desta semana da revista New Yorker.

Wolfgang Streeck, renomado sociólogo especialista em política econômica e diretor emérito da Universidade de Colônia (Alemanha), publicou, em início de março, extenso e minucioso artigo intitulado Fog of War (Névoa da Guerra, em tradução livre) sobre a natureza geopolítica do atual conflito Ucrânia-Rússia e seus possíveis impactos acerca do rearranjo de forças entre o Ocidente e o Oriente.

Um dos pontos do autor é que aquela que parecia ser uma improvável aliança entre China e Rússia está mais próxima e ainda poderá trazer consequência, não esperada, de uma nova guerra, talvez não mais fria entre o bloco Europa-Estados Unidos, em perda de poder, e o bloco China-Rússia e outros parceiros econômicos, com potencial ascendente. Em quatro de fevereiro, vale lembrar, Xi Jiping e Vladimir Putin assinaram acordo de expansão que sinalizava "Nova Era de Relações Internacionais entre as duas Nações".

A China caminha firmemente e dá sinais claros de que seu segundo grande salto em termos de esforços para reformas estruturais - o primeiro foi no final dos anos de 1990 -, não deve ser contido pelas tentativas de retaliações norte-americanas. Nenhum país foi tão favorecido pela globalização como a China. Soube "fazer da transferência de custos do Ocidente seu ganho de expertise no Oriente".

Zhang Jun, diretor do Centro de Estudos Econômicos de Shanghai, acredita que os Planos de Cinco Anos da China têm mostrado que sua estratégia de expansão da infraestrutura tecnológica digital será virtuosa. China já estabeleceu 1,4 milhão de estações 5G - equivalente a 60% do total mundial -, sendo 46% construídas somente no ano passado. Esse é um dos sinais fortes de sua endogeneização tecnológica e 
conseguinte avanço do desenvolvimento econômico.

Aparentemente, pela percepção de que o posicionamento da China em nada tem favorecido a aliança EUA-Europa, quatro especialistas publicaram, nesse final de semana, na plataforma do Project Syndicate, "carta aberta à China" clamando por sua intervenção pacífica para a resolução da Guerra na Ucrânia. Stephen S. Roach e Odd Arne Westad, ambos da Universidade de Yale, Sergei Guriev, ex-economista-chefe do Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento e Paul De Grauwe, da London School of Economics consideram a China o único país capaz de exercer alguma influência sobre a Rússia.

A China segue seus Cinco Princípios de Coexistência Pacífica - respeito mútuo pela integridade e soberania territorial uns dos outros; não agressão mútua; não interferência mútua nos assuntos internos uns dos outros; igualdade e benefício mútuo; coexistência pacífica - o que a
legitima ainda mais neste momento.

Os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica nunca fizeram parte das estratégias das grandes potências da Guerra Fria. Em onze de setembro de 2001, o mundo ocidental aterrorizou-se com imagens da queda das torres gêmeas. A resposta americana foi o início à Guerra no Afeganistão, que contou com forte apoio do povo americano e expressivo silêncio do resto do Ocidente. Mas a Guerra no Afeganistão tem raízes bem mais antigas. O movimento americano naquele país iniciou-se em 1979, quando o país ainda vivia sob governo comunista e foi invadido por tropas da união soviética.

Àquela época, os americanos começaram a financiar as chamadas forças contrarrevolucionárias que, entre suas expressivas lideranças, tinham a figura de Bin Laden como convidado e treinado pelos norte-americanos para lutar contra a União Soviética. Os desdobramentos para a Guerra no Iraque e a devastação daquele país não cabem no contexto dessa análise, mas não podem deixar de ser mencionados, sob pena de não refletirmos sobre o novelo que se desenrola das ameaças que regem as relações entre Ocidente e Oriente e, mais especificamente, da Guerra Fria.

A recém-retirada das tropas americanas do Afeganistão ocorreram em contexto de continuidade da violência, do caos social e da precariedade econômica. O custo humanitário de uma guerra parece não entrar na conta dos detentores do poder. Para além desse que deveria ser o principal custo, os efeitos socioeconômicos e políticos levam, nos casos em que há, de fato, empenho e investimento, anos ou décadas para o restabelecimento das nações.

Na atual Guerra na Ucrânia, os Estados Unidos talvez estejam superestimando sua força ao esquecer que, antes dessa sangria começar, quem "combinou com os russos" foi a China - essa mesma que segue seus Cinco Princípios de Coexistência Pacífica há quase 68 anos.

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