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Estado de Minas ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

O diálogo entre ONU e Vaticano: a solidariedade no contexto antropoceno

Que relatórios como o da ONU/Pnud e campanhas como a do Vaticano tomem mais espaço na mídia e na mente da sociedade, dopada em frente a uma tela de BBB


15/02/2022 06:00 - atualizado 18/02/2022 14:53

Pessoas dando as mãos
Solidariedade, empoderamento e proteção são conceitos que vão na contramão do individualismo exacerbado (foto: Pixabay)
Antropoceno é um conceito criado para designar o novo humano e tem sido adotado no contexto do impacto que as ações do ser humano promovem sobre o meio ambiente. Não por coincidência, antropoceno tem estado no centro dos debates e reflexões das conferências do clima, dos encontros do World Economic Forum e em lista infindável de movimentos e organizações voltados para a sustentabilidade. Não há como discutir os rumos das sociedades e os programas governamentais sem ter o conceito de antropoceno no centro dos debates. 
 
Em 1994, a Organização das Nações Unidas (ONU) buscou migrar o debate de segurança territorial, trazido pela herança do pós-guerra, para o de proteção (segurança) pessoal. Em 2003, Sadako Ogata e Amartya Sen apresentam nova definição incluindo proteção e empoderamento como garantias da segurança humana no sentido das necessidades básicas, integridade física e dignidade humana. 
 
Na última terça, 08/2, a ONU/Pnud lança o Relatório especial intitulado “New threats to human security in the Anthropocene - Demanding greater solidarity” (Novas ameaças à segurança humana no Antropoceno – Demandando maior solidariedade, em tradução livre) incluindo a solidariedade às estratégias de proteção e empoderamento dos indivíduos e comunidades, dentro do contexto de antropoceno. 
 
Como entender o antropoceno dentro do tripé solidariedade, proteção e empoderamento? Acredito estar aí o “pulo do gato” desse novo documento. O relatório especial da ONU/Pnud trata das ameaças à segurança humana promovidas pelas próprias ações humanas.  E o que é mais curioso: evidencia que as percepções de segurança humana não estão relacionadas aos níveis de desenvolvimento das Nações. Mesmo nos países de maior renda, menos de vinte e cinco por cento da população sente-se segura. 
 
Solidariedade, empoderamento e proteção são conceitos que vão na contramão do individualismo exacerbado promovido pelo capitalismo e agravado pela globalização, por vultosos fluxos financeiros e comerciais, acúmulos de riqueza, disparidades de renda e diferentes acessos às oportunidades. É algo que transcende à percepção de bem-estar social individual. A solidariedadefaz sentido existir à medida em que os indivíduos têm a compreensão e o reconhecimento de que a segurança humana deve ir além da segurança individual e de suas comunidades.
 
Assim, só faz sentido falar em solidariedade à medida em que os indivíduos tomam consciência de que a riqueza e as disparidades entre Nações se dão às custas de danosos impactos ambientais traçados por políticas que culminam em maiores  disparidades de renda, aumento da pobreza, fome e vulnerabilidades sociais de toda sorte; à medida em que percebem que o jogo de geração e acúmulo de riquezas pessoais e empresarias é ganho às custas da destruição ambiental e da geração de insegurança humana; à medida em que compreendem que o encadeamento da crise climática desemboca no aumento da desnutrição e da insegurança alimentar de bilhões de seres humanos. 
 
No contexto do antropoceno, o tripé solidariedade-proteção-empoderamento torna-se a edificação de uma estrutura mais robusta no entendimento e combate das ações que vêm escancarando as mais diversas formas de insegurança humana, hoje ainda mais exacerbadas por meio das tecnologias digitais, conflitos de violência – guerras, êxodos etc. -, desigualdades e sistemas de saúde inacessíveis a todos. 
 
A pandemia do Covid-19 foi a “cereja do bolo” no acirramento das questões mais graves dentro do contexto antropoceno. Se antes da pandemia a discussão climática já vinha se acirrando, com seu advento, questões sanitárias, climáticas, sociais e econômicas misturaram-se, de tão forma, que discutir os rumos das sociedades não faz mais sentido sem a total compreensão da interdependência entre tais questões. 
 
Neste ano, o tema da Campanha da Fraternidade é “Fraternidade e Educação” e seu lema é “Fala com sabedoria, ensina com amor”. Esse tema dialoga diretamente com o novo contexto antropoceno e o tripé solidariedade-proteção-empoderamento trazido pelo relatório especial da ONU. Dialoga diretamente com os resultados da primeira etapa do Censo Escolar 2021, divulgado em fins de janeiro último.  
 
Os dados da primeira etapa do Censo Escolar 2021 são capazes de evidenciar algo muito mais importante que a perda de anos de escolaridade: a inépcia do setor público. Os resultados mais gritantes do Censo Escolar foram:
- 1) a completa ausência de aulas, em 2020, sobretudo nas escolas municipais, que respondem por 97% dos primeiros anos do ensino fundamental;
- 2) e a quase inexistência de tecnologia para os alunos dessa mesma rede pública de ensino – 2% das escolas municipais disponibilizaram acesso gratuito ou subsidiado à internet em domicílio. 
 
O ano de 2022 está tornando-se oportunidade única para a sociedade brasileira exigir de seus candidatos aos governos federal e estaduais programas que realmente apresentem o mínimo de reflexão sobre como tratar seus graves problemas sociais, com políticas capazes de promover grau mínimo de pertencimento para invisíveis, desalentados, desempregados ou subempregados; assim como, para os mais de um milhão e meio de crianças e jovens que não foram matriculados, em 2021, nas escolas; para os necessitados dos serviços de saúde pública; e para os que veem-se ameaçados por diversas formas de violência. 
 
A Campanha da Fraternidade coloca a educação no centro das questões sociais e traz a necessidade de solidariedade para com crianças e jovens violentamente afetados pela pandemia. Abre diálogo direto com o queo relatório especial da ONU instiga. 
 
2022 é o ano para a sociedade brasileira não dar brecha a falas que banalizam ou fazem apologia ao nazismo, à tortura, à não vacinação e a qualquer tipo de negacionismo ou gesto que nos torne menos solidários, menos protegidos e menos empoderados. Que relatórios como o da ONU/Pnud e campanhas como a do Vaticano tomem mais espaço na mídia e na mente de uma sociedade que parece dopada em frente a uma tela de BBB. 

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