(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

O novo normal não cairá do céu; exigirá novo pacto social

Nessa 'esteira da inflexão', ninguém será poupado. Salvaremo-nos se formos capazes de restabelecermos pactos críveis. A economia não avança sem a política


24/08/2021 06:00 - atualizado 24/08/2021 07:33

None
(foto: Pixabay)
Na esteira da incerteza sobre os rumos da economia mundial, ante os desafios ainda presentes da COVID-19, no mínimo duas questões atingem diretamente o Brasil: a primeira, diz respeito a como nos estruturarmos para o novo normal e, a segunda, a como repensarmos nosso patamar tecnológico e nossa inserção mundial. Ambas estão interligadas por um denominador comum: a capacidade dos agentes econômicos refazerem o pacto social que contemple o bem-estar social e a democracia.

No início da pandemia do COVID-19, houve uma "onda de otimismo" de que o vírus mudaria o ser humano e o mundo. Ainda é cedo para dizer se, de fato, estaremos, em um futuro não muito distante, melhores como pessoas e sociedade. As economias mais avançadas e cientes da magnitude do problema partiram rapidamente para alianças público-privadas com cientistas, laboratórios e governos trabalhando em operação de guerra pela preservação da vida, mas novos desafios têm sido postos e os anos que se avizinham prometem ser duros.

As economias periféricas, tratando a situação da pandemia como "problema alheio", quando muito copiando o que os países mais avançados vinham fazendo, deram provas de falta de visão e articulação. Nada disso serviu, até o momento, para as periféricas entenderem o tamanho do imbróglio. O Brasil, ainda de forma conturbada e desordenada, avança em sua vacinação, mas ainda peca na falta de articulação entre governos federal, estadual e municipal e, sobretudo, mantém-se omisso na definição de políticas de combate aos 14,6 milhões de desempregos.

Israel, primeiro país do mundo a vacinar em massa sua população - lembrando que lá também há a turma dos negacionistas e antivacinas! -, começa a criar medidas no combate à quarta onda do COVID-19, deflagrada com a chega da variante delta. Os Estados Unidos já caminham, embora mais timidamente, na mesma direção. A variante delta está disseminada por toda parte e o vírus continua arrastando a guerra por mais tempo. Na Europa, medidas distintas já sinalizam que os governos pretendem retomar alguns controles.

Os últimos indicadores da economia chinesa trazem alerta de desaquecimento e são reforçados por problemas sanitários e portuários. Situado ao sul de Xangai, o porto de Ningbo-Zhoushan, terceiro maior do mundo em movimentação de contêineres, está parcialmente fechado e, por conseguinte, tem provocado o escoamento dos navios para outros portos do país e suscitado risco de que esse fluxo retido, ou mesmo o contágio do vírus, possa afetar outros portos mundo afora.

A reportagem "Variante delta faz empresas adiarem o retorno aos escritórios", publicada pelo jornal Valor Econômico em de 20 de agosto, mostra com detalhes como expressivas economias do mundo estão criando novas regras e adiando o retorno presencial ao trabalho, à exceção de Hong Kong, onde praticamente tudo se "normalizou". Na região do Vale do Silício, onde se localizam as grandes empresas de tecnologia americanas, o retorno gradual ao trabalho está sendo adiado para outubro ou início do próximo ano.

A maioria dos estados e municípios brasileiros começou a flexibilizar suas regras de distanciamento social e abertura de atividades em geral. O novo normal ainda está em fase de construção, mas já é fato que trabalhos híbridos, em muitos segmentos econômicos, vieram para ficar. Pesquisas recentes da consultoria McKinsey indicam que nem mesmo as economias mais desenvolvidas estão seguras de como se dará a transição para o que podemos considerar o novo normal. O modelo híbrido, ainda carente de teste e validação, precisa garantir culturas institucionais, motivar engajamento e preservar talentos.

É inegável que ninguém sairá igual desse processo, e as instituições precisarão refletir essa mudança e se redesenharem. Nessa "esteira da inflexão", ninguém será poupado. Salvaremo-nos se formos capazes de reestabelecermos pactos críveis. A economia não avança sem a política. Os pactos entre governos e sociedade só acontecem, de forma democrática, se os indivíduos acreditarem que são verossímeis.

Para além dos pactos, os setores produtivos têm papel determinante na perpetuação do que prospera para muitos ou poucos. Porém, poderosos grupos econômicos são capazes de dar as cartas ou influenciar o processo decisório. Se nossa indústria tornou-se periférica é, sem sombra de dúvida, porque assim o quis mediante benesses que garantiriam ganhos de curto prazo. Nenhuma mudança tecnológica ocorre sem a construção das bases que a garantem e lhe dão solidez. O Brasil não construiu essas bases.

Pior do que não construirmos as bases para garantirmos nossa inserção mundial para além do agronegócio, é nos colocarmos cada vez mais na condição periférica mundial. A indústria é a grande responsável pelo avanço das economias. O projeto de Biden é restaurar o poderio americano ocupado pelo chinês, investindo na indústria. No Brasil, a cultura industrial protecionista vive, atualmente, o preço de seu obsoletismo acompanhado da falta de mão de obra que lhe permita tecnologicamente avançar.

Inédito, o recém-divulgado relatório da OCDE, "Educação no Brasil - uma perspectiva internacional", realizado com colaboração das instituições Sonho Grande e Todos pela Educação e apoio de diversos especialistas, deveria ser livro de cabeceira do atual governo, em específico, do ministro da educação. Para além de explicar com detalhes a estrutura do sistema educacional brasileiro, com ênfase na educação básica, avalia os desafios de qualidade e equidade ao acesso educacional e seus desdobramentos com a COVID-19.

Em tempos de guerra, cai bem a frase atemporal, dita em 500 a.C., do general chinês Sun Tzu: "Se sábio, o comandante é capaz de reconhecer a mudança de circunstâncias e agir oportunamente". Vivemos em um país que, desde 2016, tem se modulado por grave crise política e polarização, servidas principalmente para que parte dos agentes econômicos - leiam-se empresas e consumidores - desacreditem na possibilidade de renovação de seus pactos e contratos. A quem tem servido o agravamento das tensões entre os poderes que deveriam, em última instância, preocupar-se em garantir e promover o bem-estar social e a democracia?

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)