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Estado de Minas BRASIL S/A

A voz rouca das urnas

Maioria votou no 1º turno para mudar isso que está aí, não bem para eleger este ou aquele


09/10/2022 08:45 - atualizado 09/10/2022 08:50

Bolsonaro e Lula
Os candidatos à presidência da República Jair Bolsonaro (PL) e Luiz INácio Lula da Silva (PT) (foto: Evaristo Sá e Carl de Souza / AFP)

Antônio Machado

 

Lula terminou o primeiro turno com 6,1 milhões de votos a mais que Bolsonaro e a 1,8 milhão para dispensar o tira-teima enfrentando um governante fortalecido no último ano de seu mandato graças às ações eleitoreiras que, em situação normal, o Congresso não aprovaria.


As condições objetivas jamais favoreceram o candidato que saiu da prisão para enfrentar um governante disposto a fazer o diabo para se reeleger sem temer obstáculos institucionais, como um processo de impeachment devido à sua conduta na pandemia, e há mais de uma centena de pedidos neste sentido na gaveta do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, ou o poder da Procuradoria Geral da República (PGR) de Augusto Aras para requerer ao STF a abertura de inquérito.


Quatro anos de pancadaria nos ministros da Corte Suprema de algum modo tornaram seus onze togados mais cautelosos do que se espera da independência entre os três poderes – o Executivo, o Judiciário, representado pelo STF, e o Congresso, como instrui a Constituição.


A PGR também se mostrou omissa: ignorou malfeitos presidenciais e contestou no STF inquéritos abertos de ofício devidos exatamente à sua omissão para investigar fake news supostamente divulgadas por assessores presidenciais e interferências na Polícia Federal, razão de o ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro se demitir do Ministério da Justiça, mas hoje senador eleito pelo Paraná apoiando Bolsonaro.

O relativo distanciamento da direção da Câmara, sob o comando de Rodrigo Maia nos dois primeiros anos de Bolsonaro, se desfez com a eleição de Lira, fiador da promessa de criação de um terceiro nível de emenda parlamentar, esta do relator-geral da Lei Orçamentária Anual (LOA), adicionado às emendas individuais (previstas na carta constitucional) e de bancadas (instituídas por lei ordinária).


É o tal “orçamento secreto”, usado para dirigir verbas de impostos para municípios a critério do relator, mas na prática do presidente da Câmara e em menor grau da direção do Senado, sem que se saiba o autor da emenda e a razão do repasse. Foi questionada por partidos de oposição ao STF. Distribuída à ministra Rosa Weber, presidente da corte, a ação espera entrar em julgamento.


A reeleição do presidente e de aliados entre os partidos do que se ajustou chamar, erradamente, de “centrão” se inspira na rebelião de Trump nos EUA. Lá não deu certo. Aqui se vai ver no dia 30.

 

O que explica o 2º turno

Este conjunto de excepcionalidades, agravado este ano com o calote de precatórios, os gastos bancados com dívida para fingir submissão ao teto de gastos orçamentários inserido na Constituição em 2016, o anúncio de despesas, como o bônus provisório de R$ 600 do Auxílio Brasil, quando já estava em vigor a restrição eleitoral, explica o segundo turno... E a artificialidade das eleições ao Congresso.


A própria distensão relativa do ambiente psicossocial não é evento estrutural. Tome-se a inflação: desinflou graças à redução do ICMS sobre combustíveis, gás, luz e telefonia – uma sangria dos fundos que estados e municípios destinam à saúde e educação e que o SFT mandou a União ressarcir os entes regionais já no ano que vem.


A redução do desemprego vem do crescimento econômico inflado pelas medidas de estímulo ao consumo, como antecipação aos aposentados do 13º, maior leniência no acesso ao crédito consignado e, sobretudo, os R$ 200 acrescidos ao atual Bolsa Família apenas até fim do ano.


O comum a tais medidas é a sua limitação ao período eleitoral, num flagrante da intenção de compra de voto não desautorizada pelo TSE talvez porque seus dois últimos presidentes e o atual foram alvo de intenso ataque dos bolsonaristas e por privilegiarem a demonstração da segurança da urna eletrônica e da apuração, vistas com suspeição pelas Forças Armadas e o general ministro da Defesa. Aliás, cadê o relatório da auditoria paralela dos votos exigida ao TSE? O TCU fez a sua, com igual metodologia das FAs, e nada apurou de irregular.


Outra vez, o roteiro de Trump, que falava em fraude eleitoral bem antes da eleição nos EUA, como se fez aqui, com a diferença de que lá foi desautorizado pelos militares e serviços de inteligência.

 

Influências sub-reptícias

Mais que o sentimento antipetista, que é real junto à classe média de São Paulo e regiões do agroexportador, o que induziu os votos de candidatos ao Congresso e de alguns governadores foi o repasse sem escrutínio da lei e da democracia dos fundos do orçamento secreto.


Ele favoreceu grupos organizados, como os colecionadores de armas, os candidatos neopentecostais, os representantes das polícias, mas, sobretudo, aqueles para os quais a política é profissão e um ativo transmitido por gerações em família. A extrema-direita cristã e de oportunidade que forma a base fiel de Bolsonaro não cresceu tanto quanto alardeiam os analistas de poltrona dos programas de TV.


O que avançou foi a política profissional do tal centrão. O apoio dessa gente ao presidente eleito vem de negociações mercantis, não de programas. No caso atual, está tudo junto e misturado a tal ponto que, em plena temporada eleitoral, o governo bloqueia dinheiros da saúde para comprar remédios contra aids, câncer, hepatites virais, a educação suspende o fluxo dos gastos correntes de universidades e institutos federais. Para quê? Para liberar o pagamento de emendas.


Não só para Lira e os seus. Para quem tem a caneta para liberar ou trancar na boca do cofre o dinheiro do eleitor usado para o eleitor acreditar que está votando sem nenhuma influência sub-reptícia.

 

País rico e desorientado

Se as manobras à sombra do eleitor vão funcionar, vai saber-se só na noite do dia 30. Mas muitas coisas já são sabidas. A primeira é que o futuro governante, talvez o próprio incumbente, vai encontrar contas públicas arrasadas e aliados no Congresso e nos estados sem nenhuma trava ética ou legal para exigir, não pedir, muito mais.


Como a toda força corresponde outra igual e oposta, a falência dos partidos de centro e centro-direita, caso do PSDB e do Dem (o velho PFL), engolidos pela extrema-direita bolsonarista, terá sequelas. A principal poderá levar o grupo organizado pelos empenhados em fazer viável uma “terceira via”, por ora ao lado de Lula para preservar a democracia, a tentar criar um centro democrático progressista.


Certo é que estamos num baita enrosco. A tecnologia, como diz Paul Donovan, economista inglês do suísso UBS, está mudando a forma como trabalhamos, onde trabalhamos, o que fazemos, como consumimos, onde consumimos e o que consumimos. Nada será igual, cenários sem pegada de globetrotters estão ultrapassados, e muito predador saliva só de pensar no banquete de um país tão rico e tão desorientado.

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