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Estado de Minas

Crise faz aumentar número de pessoas sem ânimo para procurar recolocação no mercado de trabalho

Com prolongamento da recessão, trabalhadores perdem o ânimo ou desistem de ir em busca de nova ocupação. Desemprego alto agrava situação e há dificuldade até para fazer bicos


postado em 16/10/2016 07:00 / atualizado em 16/10/2016 08:09

Ernani Vitor Rosa, porteiro e jardineiro desempregado(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Ernani Vitor Rosa, porteiro e jardineiro desempregado (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Com o olhar apreensivo, que mira o vazio, o jardineiro Ernani Vitor Rosa, de 48 anos, explica o seu desalento. Ele faz parte de um grupo de brasileiros que não aparecem nos dados do desemprego e que os pesquisadores chamam de “oculto”, indicador formado por aqueles trabalhadores que ganham a vida com o “trabalho precário” e também pelos “desalentados”, grupo que desistiu de sair à procura de um emprego. Durante 13 anos, Ernani foi porteiro no estádio do Mineirão. É com certo orgulho que ele explica que por três anos também cuidou dos jardins da Vallourec, de onde foi dispensado em 2014. A busca pelo trabalho se tornou tão árdua, que nos últimos tempos o jardineiro deixou de sair à procura de uma colocação.

Em números absolutos, o percentual de brasileiros como Ernani cresceu nos últimos 12 meses e agora já corresponde a 20% do total de trabalhadores que formam a taxa de desempregados do país. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese), somente em cinco regiões metropolitanas pesquisadas, 608 mil trabalhadores estavam desempregados em agosto (levantamento mais recente) por desalento ou trabalho de extrema precariedade, 26% a mais que o mesmo período do ano anterior. Esse universo representava 19,34% dos 3,143 milhões de desempregados nas áreas metropolitanas do Distrito Federal, Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e São Paulo, em agosto.

Números divulgados quinta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelaram que havia em todo o país, no segundo trimestre deste ano, 22,7 milhões de brasileiros desocupados (11,6 milhões), subocupados por insuficiência de horas trabalhadas (4,8 milhões) e na força de trabalho potencial (6,2 milhões). Os dados da PNAD Contínua revelam que 13,6% dos 166,3 milhões de brasileiros em idade produtiva (com 14 anos ou mais de idade) estavam fora do mercado formal de trabalho.

Sobrevivendo de pequenos bicos, que não chegam a ser suficientes para quitar as despesas básicas, a esperança de Ernani Rosa é que qualquer dia o telefone toque, marcando uma entrevista em resposta aos inúmeros currículos que ele espalhou por diversas empresas e condomínios. O desemprego oculto é um lado escuro do mercado de trabalho em crise. Como explica o economista Róridan Duarte, representante do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG) no Conselho Federal de Economia (Cofecom), a pressão do indicador é um dos efeitos do prolongamento da crise, que se fortalece quando a recessão se alonga e se aprofunda no tempo. No Brasil, esse lado ruim do mercado de trabalho começou a ganhar força em 2016, segundo a pesquisa do Dieese.

Ernani Rosa não procura trabalho há mais de um mês, mas antes disso ele enfrentou a busca por meses e meses a fio, distribuiu currículos e se cadastrou no Sine, sem retorno. “Faço bicos, mas até isso está difícil. O que mais quero é um emprego de carteira assinada. Quando aparece algum serviço eu pego, mas recebo pouco, R$ 50, R$ 100. Tenho experiência em portaria e em jardinagem. Queria muito um emprego.”

Como Ernani, Francielle Natália Costa, de 30, também faz parte dos “desalentados.” Ela deixou de procurar trabalho porque tem quatro filhos pequenos. A dificuldade de conseguir uma creche para as crianças mais novas, de 1  e 7 anos, se juntou ao mau humor do mercado de trabalho. A esperança de Francielle é que o mercado abra vagas com a proximidade do Natal. Afinal essa é uma época que sempre faz a confiança melhorar. “No fim do mês vou voltar a procurar emprego. Hoje, o que mais quero é trabalhar.” Para Francielle o mercado se tornou exigente demais, o que dificulta a vida para quem tem pouca qualificação. “Tenho ensino médio completo, experiência como auxiliar administrativo, telemarketing e vendedora, mas não tenho os cursos de qualificação que as empresas costumam pedir.”, observa. Buscar vaga custa caro

Disponibilidade, persistência, experiência e qualificação são requisitos conhecidos de quem busca um emprego. Mas para se alcançar uma vaga, com remuneração de um salário mínimo ou pouco mais, também é preciso ter dinheiro. Na Grande BH, sair de casa para buscar um trabalho pode custar até R$ 40 por dia.

Francielle Natália vai voltar a procurar trabalho, mas para isso vai precisar de pelo menos R$ 35 para sair de casa e ir até o Centro de Belo Horizonte(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Francielle Natália vai voltar a procurar trabalho, mas para isso vai precisar de pelo menos R$ 35 para sair de casa e ir até o Centro de Belo Horizonte (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

A dona de casa Francielle Natália Costa mora no limite de Belo Horizonte com Contagem. No fim do mês ela vai voltar a procurar trabalho e já começou a economizar algum dinheiro. Ela explica que ir até o Centro da cidade, para fazer um cadastro no Sine, por exemplo, ou atender uma entrevista de trabalho, custa caro. No caso da dona de casa são cerca de R$ 15 gastos com passagens, mais R$ 20 de diária para quem olha suas crianças e outros R$ 3 a R$ 5 de alimentação. “Às vezes, as filas demoram bem. Mesmo que a gente não coma nada, como já fiz várias vezes, preciso de pelo menos R$ 35 para sair de casa, o que é difícil quando a gente está sem emprego”, explica ela.

O economista Róridan Duarte, representante de Minas no Conselho Federal de Economia (Cofecon), diz que uma das características do aprofundamento da crise é tornar o mercado de trabalho mais áspero também na chamada ocupação precária, já que aumenta a concorrência até para aqueles que fazem bicos de baixa remuneração.

Dienison Soares passou a buscar serviço perto do local onde mora para diminuir os custos(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Dienison Soares passou a buscar serviço perto do local onde mora para diminuir os custos (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Dienison Soares, de 22 anos, conta que consegue sair de Contagem e ir ao Centro de Belo Horizonte distribuir currículos, com R$ 20, mas ultimamente não tem procurado trabalho longe de casa por falta de recursos. Sem emprego fixo, ele faz bicos puxando carrinhos na Ceasa e recebe de R$ 20 a R$ 30 por dia de atividade. “Depois que faço as despesas de casa uso o troco para imprimir currículos. Pago R$ 2 por cada um.”

Onde Dienison mora algumas jovens vizinhas acreditam, sem dúvidas, que ele deveria tentar a sorte como modelo, já que tem boa estampa. Elas chegam a questionar se a reportagem veio trazer o convite de alguma agência de modelos. Já Dienison, um pouco desanimado com o mercado de trabalho, conta que a última vez que distribuiu currículos deixou os papéis em empresas próximas de casa. A medida reduz o seu custo, mas também as oportunidades. Ele procura uma colocação há mais de um ano e ainda não recebeu retorno. “Posso trabalhar como servente, estoquista, atendente, mas no momento está muito difícil assinar a carteira. As exigências são muitas.”

Desemprego oculto
A falta de recursos para procurar trabalho é um dos fatores do desemprego oculto, que é formado por dois grupos de brasileiros. Os desalentados, que depois de um tempo sem conseguir um emprego formal interromperam a busca, seja por desânimo ou por não ter recursos para permanecer firmes na procura, ou até por circunstâncias fortuitas, como as mães que não contam com creches. Em agosto, esses trabalhadores, segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Dieese, não saíram de casa para procurar trabalho, embora precisem, desejem e tenham disponibilidade para assumir uma vaga formal. Outra condição desse grupo é ter procurado trabalho por pelo menos 15 dias nos últimos 12 meses. O outro dado que forma o indicador vem do trabalho precário, definido por aqueles trabalhadores que têm jornada casual, incerta, sem horário ou remuneração definida.

Fernando Duca, economista do Dieese em Minas, explica que com o agravamento da crise e o crescimento da desocupação total, o desemprego oculto começou a crescer em número absoluto de pessoas. Ele aponta que o trabalho precário aparece mais rápido. O indicador começou a chamar a atenção a partir do segundo trimestre de 2015, já o desalento é um dado mais recente, que tomou corpo a partir do início de 2016. Duca explica que o desemprego oculto aparece com mais força em regiões que apresentam estruturas mais frágeis do mercado de trabalho.

A retomada da esperança para os desalentados está na recuperação do mercado de trabalho formal, ligado à saída da recessão e à volta do país ao crescimento econômico. Segundo Fernando Duca, o desemprego oculto tem uma dinâmica semelhante do desemprego total, ou aberto, o que pode ser um alento. “O desemprego oculto tende a cair mais rápido que o desemprego total”, aponta. Um dos motivos está ligado ao fato de esses trabalhadores já estarem incluídos em um mercado de trabalho informal.


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