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Estado de Minas

Planos funerários têm benefícios irregulares

Para atrair mais clientes, empresas oferecem cartões que dão desconto em consultas médicas e odontológicas. Prática é condenada pelo Conselho de Medicina e pela ANS


postado em 04/11/2013 06:00 / atualizado em 04/11/2013 07:20

 Desconfiada, Maria do Carmo esconde o rosto ao exibir cartão de desconto da funerária da qual é cliente (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
Desconfiada, Maria do Carmo esconde o rosto ao exibir cartão de desconto da funerária da qual é cliente (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)

Velório, urna, coroa de flores e cartões de desconto para consulta com médicos, dentistas e exames laboratoriais. Para não perder o freguês em um mercado competitivo que depende da fidelidade mensal do cliente, as empresas ligadas a planos funerários estão recheando seus serviços básicos com ofertas que extrapolam a natureza do negócio, mas engrossam o rol de vantagens ao consumidor. Os cartões de descontos estão de tal forma disseminados no setor que o difícil é encontrar um plano funerário que não anuncie o produto em sua página virtual. Em um mercado sem regulamentação ou fiscalização que delimite o campo de ação das empresas, os planos criam o próprio modo de operação. O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) já se posicionaram de forma contrária à prática, que cresce na capital e no interior.

Desde sábado o Estado de Minas mostra em reportagens a força do setor funerário, que movimenta R$ 3,5 bilhões por ano no país, empurrados pelas classes C, D e E. Os cartões de desconto com forte apelo social ajudam a crescer esse bolo. “Esses planinhos de desconto ajudam bastante. Tem muita gente que não tem convênio médico e contrata o plano funerário só para ter desconto na consulta”, traduz uma vendedora do setor que prefere não se identificar.

A reportagem do EM constatou que tanto na capital quanto no interior os cartões funcionam com descontos que podem chegar a 60%. Em Belo Horizonte, por exemplo, a consulta com um médico pediatra custa, com o cartão de desconto, entre R$ 45 e R$ 60. Geralmente, os planos têm convênios com clínicas e a marcação de consulta é relativamente rápida, pode ser feita até para o dia seguinte.

A dona de casa Maria do Carmo Pereira, de 51 anos, é cliente de um plano funerário há dois anos. Ela foi atraída pela possibilidade de ter descontos no atendimento médico para pessoas da família. “A minha mãe é idosa e sempre precisa de consultas e exames médicos”, afirma a dona de casa, que paga em torno de R$ 40 pela mensalidade do convênio. Ela conta que já teve um plano de saúde, mas agora usa o cartão de descontos. Desconfiada, ela exibe o cartão para foto, mas prefere não mostrar o rosto.

Riscos
Hermann Alexandre von Tiesenhausen, do Conselho Federal de Medicina (CFM)  em Minas, explica que o médico é eticamente proibido de realizar consultas por meio do cartão de descontos. Ele ressalta que o cartão não é uma reserva de mercado, mas ao contrário, causa um desequilíbrio com a prática de concorrência desleal, já que os preços são cobrados abaixo da média do setor. Mas o ponto mais importante, segundo o conselheiro, é que a prática constitui risco assistencial grave para os usuários.

Ao contrário do atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) ou nos planos de saúde, o cartão de consulta não oferece o serviço completo e por isso se traduz em exercício mercantilista da profissão. Segundo o conselheiro, caso o paciente precise prolongar seu atendimento não vai conseguir, porque a rede é limitada. “O principal foco de atenção do médico é o paciente. O médico deve agir também de forma preventiva, para evitar que a saúde de seu paciente seja prejudicada”.

Maurício Costa, presidente da Associação Brasileira do Setor de Informações Funerárias (Abrasif) explica que a associação tem como bandeira a regulamentação do segmento. “Esperamos que isso ocorra até meados do ano que vem, com a aprovação do projeto de lei (PL 7.888, de 2010).” Segundo ele, o setor é 99% dominado pela iniciativa privada, mas ainda assim não há regras claras. A lei deve definir o que é atribuição do setor, colocando fim a conflitos, como o cartão para consultas médicas associado a um plando funerário.

Pendências


Outro ponto importante destacado por Costa são as reservas técnicas que dão segurança ao consumidor e que hoje não existem nos planos funerários. “Quando for regulamentada, a lei deverá estipular quem vai fiscalizar o setor, e qual a reserva a ser constituída pelas empresas. Possivelmente, com essas exigências o segmento ficará mais organizado, mas as prestações para planos funerários também devem encarecer”, comenta. Segundo a Abrasif, como não existem regras para o seguimento a associação não tem um posicionamento sobre o tema. “A responsabilidade é de cada um”, reforça Costa. Ele diz que não há informações precisas de quantos usuários fazem parte do sistema hoje. Faltam ainda normas para pontos importantes como o reajuste anual e por faixa etária.

Epaminondas dos Santos contratou o plano para se resguardar e dar tranquilidade à mulher, Ana Maria (foto: Wesley Danilo Evangelista / Esp. EM )
Epaminondas dos Santos contratou o plano para se resguardar e dar tranquilidade à mulher, Ana Maria (foto: Wesley Danilo Evangelista / Esp. EM )
Garantias são limitadas

O coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa, garante que os consumidores dos planos funerários não estão em terra de ninguém. Apesar de o setor não ser regulamentado, Barbosa afirma que existe uma clara e inconstestável relação de consumo, e portanto esses usuários estão resguardados pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e podem acionar tanto o Procon quanto o judiciário, em caso de descumprimento do contrato por parte das empresas.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) defende uma regulamentação para os cartões de consulta. Joana Cruz, advogada do instituto, diz que pesquisa da entidade constatou a existência da prática do cartão de descontos no país. “Acreditamos que a Agência Nacional de Saúde (ANS) deveria regular esses cartões, já que eles estão incluídos no escopo da saúde”, afirma Joana.

De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), quando há denúncias os médicos ligados ao cartão de desconto são comunicados da irregularidade. Após o alerta, há abertura de sindicância e processo que pode render de advertência a cassação do registro para exercício profissional. Em nota, a ANS diz que desaconselha o uso do cartão de desconto. “O cartão não apresenta as garantias assistenciais mínimas exigidas pela legislação, deixando o consumidor vulnerável nas situações de maior risco, exatamente aquelas em que o custo da assistência médica pode chegar a valores muito elevados.”

Enquanto nada é definido, o aposentado Epaminondas José dos Santos, de 74 anos, de Montes Claros, diz que contratou o plano funeral para se resguardar. “Quando eu faltar, não quero deixar despesas para os meus filhos.” O plano contratado pelo aposentado oferece as vantagens de atendimento médico com desconto para ele, para a mulher, Ana Maria dos Santos, de 66, e para os filhos. (MC e LR)


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