(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas TURBULÊNCIA INTERNACIONAL

Entrevista - Economista Marcos Troyjo fala ao EM sobre "outra globalização"


postado em 15/09/2013 06:00 / atualizado em 15/09/2013 07:35

"Aquilo que se imaginava que era um consenso, marcadamente depois da queda do muro de Berlim (1989), se mostrou com muitas fissuras" - Marcos Troyjo (foto: Beto Magalhaes/EM/D.A Press)

Enquanto degustava um café no restaurante de um hotel em Belo Horizonte, o cientista político e economista Marcos Troyjo, diretor na Columbia University do BRICLab (um centro sobre Brasil, Rússia, Índia e China), avaliou que a atual recessão mundial, cujo ponto crítico ocorreu em 2008, com a quebra do Banco Lehmann Brothers (EUA), trouxe o risco da "desglobalização". A crise financeira freou o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) das grandes nações. Entre as emergentes, a China precisou alterar seu modelo econômico. Mas, conforme prevêm vários especialistas, o país asiático fechará o ano de 2023 como a maior economia do planeta, desbancando os Estados Unidos. "A última vez que um país ultrapassou o que estava na primeira posição foi em 1871, quando os EUA superaram a Inglaterra", disse Troyjo, que também é professor do Ibmec e do Instituto Millenium. E o que o Brasil tem a aprender com a China? Muitas coisas, como explica o economistas nesta entrevista concedida  com exclusividade ao Estado de Minas.

Como o senhor avalia os 25 anos da globalização?

A globalização foi muito profunda. Havia muito entusiasmo. Até do ponto de vista da construção de uma nova Organização das Nações Unidas (ONU), de se chegar a um grande acordo comercial multilateral. Quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) foi criada (em 1996) imaginava-se que haveria muitas quedas de barreiras tarifárias. Não foi o que ocorreu. E a partir de 2008 acho até que vivemos um período de risco de desglobalização.

Como assim?
Em primeiro lugar, à retração brutal do PIB mundial. Em segundo, à diminuição drástica do volume de comércio internacional, às maiores restrições à movimentação internacional de capitais financeiros ou produtivos. Uma diferença muito marcante, que anteriormente considerava que era uma caminhada rumo ao consenso, à democracia como método político e para a economia de mercado de forma de gerir as relações entre a sociedade civil e o governo. Ou seja: aquilo que se imaginava que era um consenso, marcadamente depois da queda do muro de Berlim (1989), se mostrou que havia muitas fissuras. Os países começaram a pilotar a lógica do cada um por si.

O senhor diz, em suas palestras, que vivemos uma espécie de reglobalização. O que é isso significa?

Há hoje uma espécie de reglobalização. É marcada por três fatores principais. Um é o fato de os EUA terem se lançado numa negociação profunda de comércio e investimento com a União Europeia. É uma dinâmica que, provavelmente, estará concluída até 2015. É a chamada Aliança Transatlântica. A segunda é uma geometria que envolve os EUA, países da América do Sul (Colômbia, Chile, Peru) e da Ásia (Japão e Coreia do Sul), a Nova Zelândia e a Austrália. É a chamada parceria transpacífica. Há o terceiro movimento, que é a metamorfose da economia chinesa. Os chineses estão deixando de ser uma economia intensiva em trabalho e voltada para as exportações para ser uma economia intensiva em capital, em tecnologia e voltada para o mercado interno. Uma das principais características subsidiárias desse fenômeno é que países que têm acordo privilegiado com grandes mercados compradores estão recebendo capital produtivo que, anteriormente, se encontrava voltado à China.

Mas a China está ficando um país caro…
O valor da hora trabalhada na China, há 10 anos, era bem menor do que o de hoje, de US$ 1,90. O valor de se produzir algo lá tem subido muito. Para fortalecer o mercado interno, é preciso ter ganho relativo de renda na composição do salário. A China está ficando muito cara. O Michael Spence (ganhador do prêmio Nobel de economia) disse que o principal traço econômico do mundo nos próximos 10 anos é que, a cada ano, 10 milhões de postos de trabalho vão ser exportados da China para outros países.

Por que?
Porque a China, nas suas manufaturas mais simples, está indo para a vizinhança. Para o Vietnã, Indonésia, Tailândia, onde é mais barato para produzir. A China está buscando instalar produção em mercados onde há acesso privilegiado a commodities e à oferta de bens de construção civil: a África está virando uma ‘colônia chinesa’. Isso pode ser visto muito fortemente na ‘África-portuguesa’.

Como avalia, de forma geral, o futuro dos países emergentes?
Até muito recentemente, vivíamos com a ideia de que tudo pertencia aos mercados emergentes. Estávamos trabalhando com a perspectiva de que países mais maduros – como Inglaterra, França e Alemanha – se encontravam em declínio relativo e, por outro lado, os emergentes – caso da China, da Rússia, do Brasil, da Índia – iriam dominar a cena mundial. O que temos percebido nos últimos meses é que não há nada garantido. Pelo contrário: se tem uma economia que parece que tem mais agilidade é a dos EUA. O que tradicionalmente chamamos de economia avançada e de economia emergente eram dois critérios que aplicávamos para o mundo que não existem mais, que é esse mundo em que a Europa e os EUA estavam comprando e uma China vendendo para eles. Com a China vendendo para eles, precisavam de muita estrutura interna e países como o Brasil, o Chile e a Argentina viraram verdadeiros tranpolins de exportação de bens (para a nação asiática), de produtos como minério, cobre, proteína animal.

O PIB da China, porém, está em desaceleração…

A demanda (da China por produtos brasileiros) vai recuar também. Os chineses vão crescer menos, mas vão crescer melhor. Em 2001, a economia deles era do tamanho da economia da Itália. Hoje, a China cresce uma Grécia a cada quatro semanas e meia. Quer queria ou não, ainda teremos essa janela de oportunidade por algum tempo. O problema (para o Brasil) é que os chineses estão usando a pujança deles, que antigamente era a indústria manufatureira, de produtos como brinquedo barato e roupa barata, para construir uma energia solar, uma energia robótica. Eles estão indo com tudo para áreas intensivas em tecnologia. E o Brasil continua na mesma batida.

O que o senhor sugere para reduzir o chamado Custo-Brasil?

Temos de olhar exemplos históricos, como o da Coreia do Sul. Eles fizeram um sacrifício geracional. Uma parcela da população disse: não é para mim, é para meus filhos. Qual foi a fórmula? Os coreanos criaram chabeol, que significa grande conglomerado. A Samsung, que hoje vende mais smartphone que a Apple, começou como uma exportadora de frutas. A Hyundai, que faz carros, também faz foguetes, tem chocolates finos… Ou seja: os coreanos criaram grandes conglomerados industriais. Foram construídos, sobretudo, a partir da poupança das famílias. Vieram do sacrifício do núcleo familiar. É uma das razões pela qual a Coreia do Sul investe tanto em educação. É preciso passar por um sacrifício. O Brasil tem recursos energéticos, agricultura pujante... A palavra sacrifício, ao contrário do que se possa imaginar, é uma palavra bonita. É diferente de sofrimento. Sofrimento é sofrer sem razão, sem objetivo. Sacrifício é despender um esforço em nome daquilo que é sacro, sagrado. No Brasil, o grau de sacrifício necessário para a gente atingir status de economia mediterrânea – chegar numa renda per capita como a de Espanha ou a de Portugal – é muito menos severo.

Que lição o Brasil tirou dessa recessão?

A primeira é que o Brasil adotou a política de substituição de importações. O governo Lula-Dilma é de neosubstituição de importações. Veja: para uma empresa investir em petróleo no Brasil, 65% dos equipamentos são de controle local. No setor automobilístico, a mesma coisa. Setores que são grandes puxadores de desenvolvimento têm uma média de exigência de controle local muito maior do que a mundial. A Petrobras pagará cerca de US$ 120 milhões, por exemplo, num navio capaz de sair do Rio de Janeiro, passar por baixo do Cabo da Boa Esperança (África) e ir para o Oriente Médio. Na Coreia, a mesma embarcação custa US$ 65 milhões. Porém, 65% do navio (comprado pela Petrobras) precisam ser produzidos aqui. Você vai dizer que os caras que fizeram essa política são malucos. Mas a filosofia por trás disso é: os US$ 120 milhões vão gerar demanda por engenheiros navais, soldadores… Ou seja, cria-se uma série de empresas periféricas, aumentando a arrecadação dos municípios, dos estados… Mas tudo isso precisa funcionar como um relógio.

O investimento do Brasil em tecnologia é semelhante ao da China?
O Brasil investe 1% do PIB em pesquisas de desenvolvimento e inovação. Há 25anos, era o mesmo percentual. Os chineses, há 25 anos, investiam 0,2% do PIB. Hoje, 1,6%. Eles estão rapidamente convergindo para aquilo que é a média dos países ricos, que é de 2,3% do PIB. Quando os chineses vão chegar lá? Vão chegar lá daqui a 10 anos. Em 2023, a China deve se tornar a economia mais rica do planeta.

O que significa o brasileiro Roberto Azevedo na direção geral da OMC?

O Brasil, de uma certa forma, ingenuinamente, colocou fichas demais (políticas, diplomáticas) na criação de um capital necessário para eleger um brasileiro que, no primeiro dia de trabalho, deixa de ser um brasileiro para ser um árbitro neutro. Aliás, se tem algo que ele não pode fazer é defender os interesses nacionais. É como se a grande prioridade do futebol brasileiro fosse não ganhar a copa do mundo, mas eleger um árbitro para apitar a final da Copa. Vamos supor que o objetivo do brasileiro seja trazer para baixo as barreiras tarifárias internacionais. Um dos países que vai mais se prejudicar é o Brasil. Hoje, o Brasil tem uma tarifa média de importação maior do que a maioria dos países dos Brics. Nos últimos anos, o Brasil vem adotando uma política de renascimento da antiga prática de substituição de importações.

Mas não é uma vantagem a gente ter um brasileiro no comando da OMC?
É uma vantagem, como é vantagem ser sócio de um grande clube. Mas você tem prioridades. Você quer ter sua própria casa, quer educar seus filhos... Quando você cumpre uma série de prioridades de sua vida, aí você vira sócio do clube.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)