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Estado de Minas

Babás e domésticas aceitam emprego informal para voltar a estudar

Em Minas, apenas 0,9% das empregadas têm ensino superior


postado em 25/04/2013 06:00 / atualizado em 25/04/2013 07:46

Marina Maia, à esquerda, vai se mudar para Governador Valadares. Com o salário de doméstica, pretende pagar um curso superior(foto: JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Marina Maia, à esquerda, vai se mudar para Governador Valadares. Com o salário de doméstica, pretende pagar um curso superior (foto: JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS)

Aceitar o emprego informal como doméstica, sem salário mínimo e carteira assinada, pode ser o único caminho para voltar à sala de aula. De olho em futuro diferente, muitas mulheres se mudam do interior para os grandes centros urbanos com a expectativa de completar o ensino médio e, depois, cursarem uma faculdade. Querem ser médicas, dentistas, contadoras e psicólogas, entre tantas outras profissões. Querem driblar os números e fazer parte de uma minoria qualificada na categoria, além de buscarem novas perspectivas profissionais. Apenas 0,9% das trabalhadoras domésticas de Minas Gerais chegaram ao ensino superior, enquanto 37,2% têm somente o ensino fundamental completo, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A justificativa para esses dados, talvez, venha do fato de muitas trabalhadoras domésticas saírem da zona rural. Segundo o estudo “Situação social nos estados”, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), enquanto a média de estudo na área urbana do estado é de 7,1 a 8,2 anos, na zona rural mineira a permanência na escola fica em 4,7 anos. Fora isso, a taxa de analfabetismo é maior no campo. Em média, 8,5% da população em Minas é analfabeta. Na zona rural, o índice chega a 19,4%. A opção pelo emprego doméstico como caminho para a realização do sonho de voltar a estudar e ter outra profissão é o tema da quinta reportagem da série “Onde a lei não alcança”, que o EM publica desde domingo.


Se antes quem tinha ensino médio no interior era tratado como “doutor”, hoje não é mais assim. Moradora de Gonzaga, município de 5 mil habitantes, na Região do Rio Doce, Marina Ferreira Maia, de 17 anos, vê a vida passar pela varanda de casa. Deve ser assim até o fim do ano, quando termina o ensino médio e pretende se mudar para Governador Valadares. Caçula de oito irmãos, ela sabe que precisa sair de casa para ir atrás do sonho de cursar contabilidade. “Tenho uma irmã que está em Valadares há alguns anos e ela pode arrumar um emprego para mim”, diz. “Sei que vergonha do trabalho não vai pagar meus estudos, então posso começar trabalhando como doméstica. Se conseguir morar no emprego, posso usar o dinheiro para pagar a faculdade”, planeja a garota.

Hoje, muitas jovens que deixaram o meio rural trabalham como babás e empregadas, mas mantêm a vontade de fazer o curso superior. Deliane Soares Fernandes, de 17, saiu de Atoleiro, na zona rural de Brasília de Minas, no Norte do estado, depois de concluir o ensino médio. “Com a cara e a coragem” e ainda menor de idade, foi para Montes Claros, embalada pelo sonho de ser dentista. Chegou à cidade com o objetivo de arrumar emprego como doméstica para ter moradia e comida, já que seus pais não tinham como mantê-la na cidade. Queria trabalhar inicialmente como babá, mas acabou aceitando o serviço de empregada doméstica.

ORGULHO


Deliane ficou três meses em experiência, sem carteira assinada. Com a aprovação da Lei das Domésticas, a patroa anunciou que iria assinar a sua carteira de trabalho, mas por vergonha de ter o emprego registrado na carteira ela rejeitou a proposta. “Acho que isso é ruim e atrapalha a gente encontrar outro serviço depois”, argumenta. No início desta semana, acabou deixando o serviço e retornou para a casa dos pais, em Brasília de Minas. “Mas só para descansar. Em maio, serei maior de idade e volto para Montes Claros para procurar serviço de babá em outra casa”, afirma a jovem, que estava matriculada em um curso técnico de segurança no trabalho, do qual também acabou desistindo. “Vou voltar para fazer um curso técnico em saúde bucal. Mas quero mesmo é fazer a faculdade de odontologia”, afirma a jovem.

Hoje professora, Maria Aparecida Costa, de 36, natural da zona rural de Juramento, também já passou pela experiência de trabalhar como empregada doméstica. Com o curso superior de pedagogia, Maria agora leciona em uma escola estadual em Montes Claros, mas antes, quando ainda fazia o magistério, precisou do trabalho doméstico para continuar os estudos. “O que eu ganhava mal dava para comprar um chinelo. Quando tinha algum evento não tinha uma calça jeans. Por isso, estudei. Meu pai dizia que deveria ter estudo porque ninguém poderia tirar isso de mim”, conta.

Ao voltar formada para Juramento, Maria ainda teve de encarar o preconceito com sua antiga profissão ao tentar uma vaga de professora primária na prefeitura. “A pessoa me disse: ‘Como vou colocar você para ser professora se você era empregada doméstica?’”, lembra. “A gente nunca pode desistir de lutar por aquilo que a gente quer. Temos que focar em um objetivo e passar por cima de muita coisa para alcançá-lo”, garante.

Delaíde Miranda Arantes, Ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) (foto: VIOLA JÚNIOR/ESP. EM/D.A PRESS - 27/3/12)
Delaíde Miranda Arantes, Ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) (foto: VIOLA JÚNIOR/ESP. EM/D.A PRESS - 27/3/12)
Personagem da notícia

Doméstica que virou ministra

Filha de pequenos agricultores, Delaíde Miranda Arantes deixou a zona rural para viver em Pontalina, no interior de Goiás, na adolescência, e encarar a labuta na casa de uma família, onde era responsável por cuidar de tudo. "Aquele tempo (quase um ano) me ajudou a compreender e a valorizar esses trabalhadores", diz. A foto dos ex-patrões, com quem mantém contato até hoje, ocupa lugar de destaque em uma das prateleiras do gabinete. Eles, inclusive, prestigiaram a posse da ministra em 2011 no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ao terminar o segundo grau, se mudou para Goiânia, onde trabalhou como secretária e pôde iniciar o curso superior  de direito pelo Centro Universitário de Goiás. Antes de tomar posse no TST, atuou no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Goiás e no Supremo Tribunal Federal (STF).


Agna trabalha como babá para garantir curso de farmácia (foto: (Solón Queiroz/Esp. EM)
Agna trabalha como babá para garantir curso de farmácia (foto: (Solón Queiroz/Esp. EM)
Sacrifícios que valem a pena

Outra que deixou a casa na roça com o sonho de cursar o ensino superior e encontrou no serviço doméstico uma forma de se manter na cidade foi Agna Moreira Niza, de 25. Nascida no povoado de São Vicente, em São João da Ponte, no Norte de Minas, mudou-se para Montes Claros em 2010, onde começou a trabalhar em um banco que oferece empréstimos para aposentados e servidores públicos. No início do ano passado, perdeu o emprego na instituição financeira. Logo matriculou-se em um curso técnico em farmácia e passou a trabalhar como babá, com carteira assinada. “Foi o único emprego que encontrei que se adaptava com o horário do meu curso, pela manhã.” Agora, ela cumpre aviso prévio, pois, após a promulgação da PEC das Domésticas, a patroa anunciou que não poderia mais mantê-la no emprego por falta de condições de renda, garantindo o pagamento de todos os seus direitos.

Agna disse que já está procurando outro emprego como babá para manter aceso o sonho do curso superior. “Ainda estou em dúvida entre educação física e serviço social”, conta a babá, que, quando morava na zona rural, caminhava 18 quilômetros a pé para chegar à escola. “Meus pais tiveram 11 filhos e nenhum dos irmãos avançou nos estudos. Por isso, encaro qualquer sacrifício para estudar. Quero dar orgulho para minha família”, finaliza.

Votação adiada

A pedido do governo, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator do projeto emenda constitucional dos empregados domésticos, cancelou a divulgação do texto que seria apresentado ontem e traria a íntegra das propostas de regulamentação da medida. Com o adiamento da votação do texto pela comissão, fica prejudicada a intenção do governo e do Congresso de concluir a regulamentação da PEC das Domésticas antes de 1º de maio, Dia do Trabalhador. De acordo com o presidente da comissão, Cândido Vaccarezza (PT-SP), a medida deve ser votada em 15 dias. Também ontem, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), divulgou nota para defender a manutenção integral dos direitos aprovados pelo Congresso na emenda constitucional dos empregados domésticos. O parlamentar afirmou que não vai permitir que propostas que retirem os direitos já assegurados pela emenda sejam aprovadas pelo Legislativo.


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