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Estado de Minas

Falsas seguradoras dão golpe de R$ 3 bilhões em Minas

Associações irregulares já movimentam 15% do valor arrecadado pela proteção de veículos do mercado formal. Susep, Polícia Federal e Ministério Público investigam 20 empresas


postado em 05/07/2012 06:00 / atualizado em 05/07/2012 08:44

As associações e cooperativas que nasceram em Minas Gerais para comercializar a chamada proteção automotiva, uma espécie de seguro veicular para carros e caminhões, estão se alastrando pelo país. Partindo de Minas, as organizações criaram braços e proliferaram em estados do Sul e Sudeste, faturando alto no espaço que antes era reservado ao mercado oficial. Cálculos do setor de seguros dão conta de que no ano passado o mercado paralelo movimentou R$ 3 bilhões, que deveriam ser direcionados às empresas formais. Os falsos seguros deixaram de ser negócio pequeno para movimentar volume que já corresponde a cerca de 15% dos prêmios arrecadados em 2011 no segmento de automóveis.

No país está em curso uma briga bilionária envolvendo órgãos oficiais e as associações de proteção veicular, sob pressão do mercado oficial. Estimativas do setor de seguros já apontam para 500 mil veículos ligados ao segmento que aumenta sua operação no país, sem aval do órgão regulador. Na prática, um grupo de pessoas forma uma associação e a partir daí começa a capturar associados. O produto é chamado de falso porque é vendido sem permissão da agência reguladora. O comércio não tem regulação ou intervenção do Estado, como no mercado formal. Em um ambiente sem reservas técnicas, também não há como garantir que as organizações conseguirão pagar suas indenizações. Como a cobrança ocorre na forma de rateio, ou seja, o prejuízo é dissolvido por todos os associados, é difícil prever quanto o seguro custará ao término de um ano. Algumas associações estão formando filas para o rateio: em caso de acidente o segurado é obrigado a esperar meses para ter o veículo consertado.

A Superintendência de Seguros Privados (Susep), Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF) operam em uma força-tarefa por meio da qual investigam a ação de cerca de 20 associações, além de ações civis públicas e criminais que tramitam na Justiça. Do outro lado, para fazer frente à fiscalização e defender o território ocupado, as associações brigam na Justiça, mudam de endereço e multiplicam CNPJs. Luciano Santanna, superintendente da Susep, aponta que associações da Grande BH foram identificadas mantendo filiais na região dos lagos e em alguns bairros da capital do Rio de Janeiro.

Neival Freitas, diretor-executivo da Federação Nacional de Seguros Gerais (Fenseg), diz que o setor entrou na briga, denunciando a prática, dando suporte a ações civis públicas e criminais. “O valor que se estima de desvios chega perto de 15% dos prêmios do mercado de seguros”, reforça. A reportagem procurou o MPF. O órgão preferiu não se pronunciar, informando que as investigações estão em curso.

João Luiz Amorim foi obrigado a entrar na Justiça contra a Ascobom(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press - 22/6/12 )
João Luiz Amorim foi obrigado a entrar na Justiça contra a Ascobom (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press - 22/6/12 )
Há dois anos, o transportador João Luiz Amorim tombou sua van na BR-040. Como de praxe, ele registrou o boletim de ocorrência e acionou o falso seguro. Depois disso, encaminhou o veículo para a oficina, mas a Associação do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (Ascobom) não aceitou os parâmetros do orçamento e foi sugerido que João procurasse outra mecânica. O reparo seria pago em duas prestações. Entre as divergências, o entendimento do transportador era que o acidente havia resultado em perda total, enquanto a credenciada considerava ser possível recuperar a van. As condições não foram aceitas e João Luiz se viu obrigado a entrar na Justiça. Para piorar, ele teve que arcar com  o conserto de R$ 3 mil do caminhão envolvido no acidente.

Depois de pagar regularmente o “seguro”, o administrador de empresas Bruno Catta Preta Pereira teve o carro roubado em fevereiro. A empresa pediu 30 dias para encontrá-lo, caso contrário pagaria imediatamente. Mas, em abril, ele ficou sabendo  que só receberá em setembro. “Disseram que tenho que entrar na fila do rateio. E não tenho outra saída. Se entro na Justiça, pode ser que demore mais.”, afirmou. Nas associações , além do rateio (valores dividido pelo grupo) que faz o associado perder o controle dos valores do seguro, não há garantias de que a empresa terá solvência para quitar as indenizações devidas, uma vez que não existe fiscalização ou reserva técnica. O Estado de Minas entrou em contato com a Ascobom, mas até o fechamento da edição não teve retorno.

Passo a passo: veja como funciona o esquema


Um grupo de pessoas decide se unir, formando a chamada ação entre amigos. Com o formato de uma associação ou cooperativa, vendem proteção automotiva sem autorização da Superintendência de Seguros Privados (Susep).
Ao assinar o contrato, o cliente passa a ser um associado, uma espécie de dono da empresa. Não é um consumidor.

Os prejuízos dos acidentes são rateados entre os associados.

O cliente não tem controle de quanto pagará de seguro ao término de um ano, devido à política de rateios.

Como não existe a reserva técnica ou fiscalização para garantir a solvência, o usuário não tem garantia de que a associação terá como arcar com as indenizações.

Em caso de problemas, o órgão acionado deve ser o Judiciário. Os Procons não atuam no setor.


Multas inibem ação


Somente na primeira quinzena de maio cerca de 300 reclamações de consumidores envolvendo o mercado da chamada proteção automotiva foram registradas na Susep. Cálculos da superintendência apontam que perto de 200 associações agem no país, sendo 90% delas no mercado automotivo. A maioria expressiva, mais de 150, teria sede em Minas Gerais. No país, a Justiça já mandou fechar 16 falsas cooperativas – sendo 15 em Minas. As ações foram transitadas em julgado.

Em Minas a investigação no mercado da proteção automotiva foi iniciada pelo Ministério Público Estadual (MPE), mas o inquérito agora está sob responsabilidade do MPF. Em sua operação, o MPE chegou a mover ação civil coletiva contra a Ascobom pela venda sem controle da chamada proteção automotiva. No então entendimento do MP, a operação não é regulamentada – e, por isso, é ilegal.

Uma das estratégias da força-tarefa, organizada pelas instituições federais, está na aplicação de multas que correspondem ao valor de arrecadação das associações. No mês passado, a Susep aplicou penalidade no valor de R$ 241,1 mil à Associação de Proteção de Veículos do Brasil (Astruck), de Contagem, na RMBH. Segundo informações do órgão regulador o valor da penalidade varia de acordo com a arrecadação da empresa.

Procurado pela reportagem, o advogado da empresa, Renner Fonseca, diz que a associação está recorrendo da multa tanto judicialmente quanto administrativamente. “A Susep não tem competência para fiscalizar uma associação sem fins lucrativos. A associação não é uma seguradora”, afirmou o advogado. “Somos como uma cooperativa de crédito”, compara. Segundo ele, o mercado surgiu especialmente para proteger caminhões e a frota usada.


Paralelo e caro
Quando se trata de veículos leves, o preço das associações nem sempre é mais competitivo que o mercado formal. Quem liga para uma associação de Contagem, na Grande BH, com página na internet, escuta a seguinte proposta: “Para fazer o seguro de um Gol modelo 2009, quatro portas, 1.0, é preciso um desembolso de R$ 136 ao mês, outros R$ 120 de taxa de adesão e mais cerca de R$ 200 para instalação de sensor obrigatório.” A franquia não pode ser inferior a dois salários mínimos e em caso do chamado sinistro, ou acidente, é preciso ficar fiel à associação durante um ano, pelo menos. No mercado regular o preço para serviço semelhante é de R$ 240 ao mês.


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