Bela Vista de Minas, João Monlevade e São Gonçalo do Rio Abaixo – Uma variante de 45 quilômetros que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) planeja construir na trágica BR-381, entre a ponte do Rio Una, em São Gonçalo do Rio Abaixo, e Nova Era, causa polêmica na Região Central do estado. De um lado, a espécie de transposição de parte da estrada conhecida como Rodovia da Morte reduzirá a carnificina na malha, pois o “desvio” será duplicado e priorizará longas retas. Do outro, comerciantes de três cidades cortadas pelo atual trecho – São Gonçalo do Rio Abaixo, João Monlevade e Bela Vista de Minas – temem prejuízos, uma vez que o novo caminho não passará mais dentro dos municípios. Empresários de Rio Piracicaba, a 10 quilômetros da rodovia, também temem ser prejudicados indiretamente.

Mas empresários das três cidades que ganham a vida às margens da 381 já preveem perdas. Houve até quem suspendeu investimentos para ampliar o negócio à espera do traçado do novo caminho. “Deixei de abrir um posto de combustíveis, (orçado) em R$ 1,2 milhão, dentro de São Gonçalo, e outro, em João Monlevade, em torno de R$ 8 milhões. Saindo a variante, pretendo inaugurar um posto na nova rodovia”, disse Sanjay Purushotam, dono do posto Recreio, em São Gonçalo. Sócio de um restaurante na mesma cidade, Alexandre Moraleida Gomes é outro com receio de que o “desvio” leve boa parte da clientela: “Deixamos de investir em reforma”.
O lamento dos comerciantes não é apenas com os 10 mil veículos que vão seguir pela variante. Muitos desses motoristas e passageiros pagam produtos e serviços à vista, assegurando, como ressaltou Édson Martins de Paula, dono da Auto Mecânica Betel, em João Monlevade, o capital de giro de vários estabelecimentos. “Corro o risco de perder 30% do movimento”. Percentual maior pode ocorrer na Auto Acessórios Paulomarc, também naquele município, e especializada em tacógrafos. “O público de fora representa cerca de 90%”, afirmou a sócia Mara Freitas.
A dona do restaurante Cheiro Verde, Cíntia Cristina Moreira Trindade, também teme ver o faturamento despencar. Ela serve, no almoço e jantar, em torno de 120 refeições diárias. “Pode cair mais de 50%”. Colega de ofício, Keller de Souza Ferreira, proprietário do restaurante Gira-Sol, em Bela Vista de Minas, não acredita na construção da variante, mas admite que o novo caminho, “se construído, será péssimo” para seus negócios. “De sexta-feira a domingo, atendo 25 ônibus. Emprego 25 funcionários. Se a nova BR passar longe daqui, terei de fechar as portas”.
A intenção do Dnit é também duplicar o atual trecho, que passará a pertencer à BR-262, caminho para o Espírito Santo. Ainda assim, é mais vantajoso o uso da futura variante para quem deseja seguir aos vales do Aço e Rio Doce e para o Nordeste brasileiro. A duplicação do atual trecho é reivindicação antiga da população. Os moradores de São Gonçalo do Rio Abaixo, João Monlevade, Bela Vista de Minas e Rio Piracicaba somam 107 mil pessoas. O presidente da Associação dos Municípios da Microrregião do Médio Piracicaba (Amepi) e prefeito de Dom Silvério, José Maria Repolês, cobra urgência na obra. “Esperamos (a faxina completa no Dnit) para irmos a Brasília sensibilizarmos as autoridades”.
ROTA DE TRAGÉDIAS Os acidentes na 381 renderam à estrada o rótulo de Rodovia da Morte. Apenas nos 100 quilômetros de Belo Horizonte a João Monlevade, segundo estatística da PRF, 330 pessoas perderam a vida em três anos: 138 em 2008, 81 em 2009 e, em 2010, 111. Mas a carnificina na estrada começou em 1963, quando o fazendeiro Teófilo Severino foi atropelado por um caminhão, numa curva em Ravena, distrito de Sabará. Ele foi a primeira vítima da 381. “O caminhão que o matou havia sido roubado”, conta dona Julieta Severino, que teve 23 filhos com o fazendeiro.
Personagem da notícia
Morte na curva em 1963
JULIETA MARGARIDA SEVERINO
VIÚVA DA PRIMEIRA VÍTIMA DA BR-381
Dona Julieta Margarida Severino é a mulher mais velha de Ravena, distrito de Sabará. Mãe de 23 filhos, dos quais apenas 11 vivos, ela tem 97 anos e vive numa casa simples, mas com uma varanda que lhe permite uma bela vista das montanhas daquelas bandas. De lá, a mulher vaidosa, que esta semana pintou as unhas de vermelho, também avista a perigosa curva da BR-381 em que seu marido, Teófilo Severino, morreu atropelado por um caminhão que havia sido roubado horas antes. Ele foi a primeira pessoa a perder a vida na trágica rodovia. Ela se casou, em 1930, aos 16 anos e ficou viúva aos 49. Daquele trágico dia, ainda se recorda com detalhes do acidente: “Morávamos aqui perto e atravessamos a BR para buscar milho. Odara, minha filha, voltou e Teófilo foi buscá-la. Não viu o caminhão, que era roubado. Otacílio, meu caçula, tinha 3 anos”, conta dona Julieta. Na sala de casa, onde passa boa parte do tempo, um quadro com a foto de seu marido a ajuda a matar a saudade do fazendeiro.
Enquanto isso
Tradição preservada
Uma das lanchonetes mais tradicionais de Minas Gerais, a Belvedere, mais conhecida como Pão com Linguiça, e que funcionou, por décadas, numa das cabeceiras do viaduto Vila Rica, mais conhecido como viaduto das Almas, no km 592 da BR-040, perto de Congonhas, fechou as portas, em outubro de 2010, no exato momento em que a antiga ponte foi desativada e substituída pelo viaduto Márcio Rocha Martins, erguido a três quilômetros da velha passagem. A substituição da ponte perigosa pela moderna exigiu a construção de uma variante de 3 quilômetros. O novo caminho isolou a Belvedere, mas o dono, Inácio de Santana, agiu rápido e adquiriu um terreno na entrada da variante. A nova Belvedere está em construção e deve ser inaugurada, como prevê o dono, “no fim de setembro ou início de outubro”. O local ocupa 13 mil metros quadrados, dos quais 680 metros abrigarão a lanchonete. O restante será destinada ao estacionamento de veículos da fiel clientela e à construção de um posto de combustível. A meta do proprietário é negociar cerca de 3 mil sanduíches por dia, o dobro de quando fechou. A lanchonete entrou para a história em 1957, quando o então presidente da República, Juscelino Kubitschek (1902-1976), inaugurou a BR-040, que naquela época se chamava BR-3, numa solenidade ocorrida no estacionamento da Belvedere.
