Insônia: saiba as novas diretrizes para desmame das drogas Z
Novo consenso da Academia Brasileira de Neurologia orienta manejo do abuso, dependência e retirada de zolpidem, trazodona é opção auxiliar em casos selecionados
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O Brasil passa a contar com o primeiro consenso nacional que reúne evidências sobre o uso, riscos e estratégias de descontinuação das chamadas “drogas Z”, classe de hipnóticos prescritos principalmente para o tratamento da insônia.
A motivação desta publicação deve-se especialmente a um decreto, publicado em agosto de 2024, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que implementou um controle mais rígido sobre a prescrição dos medicamentos Z, dado o uso irregular e abusivo desta classe, especialmente do zolpidem.
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Elaborado por especialistas da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), com base em revisão sistemática da literatura e método Delphi, o documento tem apoio da Apsen, indústria farmacêutica nacional. O material responde à crescente preocupação clínica com quadros de abuso, dependência e eventos adversos relacionados a esses medicamentos. O tema foi um dos destaques do XXI Congresso Brasileiro do Sono, em Salvador (BA).
Dados indicam uma mudança significativa no padrão de sono dos brasileiros desde a COVID-19. Os números apontam um aumento de até 113% na procura de tratamento para insônia, ansiedade e depressão, em comparação aos seis meses anteriores à pandemia, sendo o zolpidem um dos principais responsáveis por elevar esse índice.
O novo consenso destaca que, embora as drogas Z sejam indicadas para o manejo da insônia, elas apresentam risco de dependência, podendo induzir comportamentos complexos durante o sono e causar sintomas graves na retirada, como agitação, delírio e, em casos mais graves, convulsões. Por isso, a interrupção abrupta não é recomendada, especialmente entre pessoas que fazem uso de zolpidem e apresentam maior probabilidade de reações intensas durante o processo de descontinuação.
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Conforme os especialistas, o manejo adequado exige uma avaliação clínica completa, incluindo histórico psiquiátrico, comorbidades, uso de outras substâncias e padrões de consumo. A diretriz recomenda que a descontinuação seja realizada de forma gradual, com ajuste individualizado das doses e acompanhamento contínuo.
“Com a publicação, a ABN busca oferecer um norte científico para profissionais de diferentes especialidades, padronizar práticas, reduzir riscos e qualificar o cuidado em torno do uso dessas medicações no país. O consenso se estabelece como referência nacional para um tema que, cada vez mais, exige atenção técnica, protocolos claros e acompanhamento estruturado por parte da comunidade médica, com o objetivo de preservar a saúde e o bem-estar dos pacientes”, explica a neurologista e médica do sono Andrea Bacelar, uma das coordenadoras do novo consenso da ABN.
O documento também reconhece que, mesmo com um plano estruturado de descontinuação, parte dos pacientes pode apresentar sintomas que dificultam o processo. Para esses casos, o uso de trazodona é apontada como adjuvante possível — no papel de terapia auxiliar de suporte — aplicado de forma criteriosa em situações específicas. A alternativa pode ser considerada quando o desmame desencadeia insônia rebote, ansiedade, irritabilidade ou outros desconfortos que comprometem a continuidade do tratamento.
Por não atuar por meio da potencialização do GABA — neurotransmissor que reduz a atividade cerebral e facilita o sono—, a trazodona pode contribuir para maior estabilidade em fases mais sensíveis da retirada. Porém, o uso deve ser entendido como apoio complementar e não como substituto da estratégia principal, baseada na redução gradual das doses e em intervenções comportamentais.
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O consenso indica que para casos mais complexos, como presença de comorbidades de grande impacto, histórico de sintomas intensos na retirada ou uso em doses muito elevadas, a publicação orienta que a descontinuação seja conduzida com supervisão especializada mais próxima, podendo incluir ambientes assistenciais com monitoramento contínuo.
“Participar deste consenso é uma forma de reforçar nosso compromisso com práticas responsáveis e sustentáveis. O sono é um pilar para o equilíbrio físico e emocional, e apoiar um material que orienta o uso mais seguro dessas terapias reflete nossa dedicação a uma jornada de cuidado mais humana e contínua”, afirma Márcio Castanha, vice-presidente comercial da Apsen.
O cenário da insônia no Brasil
A rotina acelerada, o estresse e a dificuldade em desacelerar têm feito do sono um dos grandes termômetros da saúde. Segundo o Ministério da Saúde, mais de 70% da população apresenta algum tipo de alteração no sono.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, em 2020, ano marcado pelo início da pandemia, os casos de depressão e ansiedade aumentaram 25%.
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