Cogumelos do gênero Psiloybe contêm uma substância que se liga a um receptor de serotonina no cérebro, alterando padrões comportamentais  -  (crédito:  Shanron/Divulgação )

Cogumelos do gênero Psiloybe contêm uma substância que se liga a um receptor de serotonina no cérebro, alterando padrões comportamentais

crédito: Shanron/Divulgação

Pacientes oncológicos com depressão grave podem se beneficiar da psilocibina, substância alucinógena encontrada em fungos do gênero Psiloybe, popularmente conhecidos como "cogumelos mágicos". Estudos têm apontado eficácia no tratamento de transtornos psiquiátricos em que há resistência ao tratamento, com resultados duradouros e poucos efeitos colaterais. O uso do químico, porém, é restrito à pesquisa, pois não há dados de segurança suficientes para uso clínico.

Publicado na revista Cancer, da Sociedade Norte-Americana de Câncer, o ensaio de fase II mostrou que, além de redução dos sintomas depressivos, os efeitos do tratamento se sustentaram até o fim do acompanhamento, de oito semanas. Os 30 participantes receberam uma dose única de 25mg de psilocibina sintetizada e participaram de sessões de terapia individual e em grupo.

Manish Agrawal, médico e fundador da Sunstone Therapies, especializada em terapia assistida com psicodélicos para pacientes oncológicos, explica que, ao se ligar a um subtipo de receptor da substância serotonina, no cérebro, a psilocibina pode causar alterações no humor, na cognição e na percepção. Em nenhum país, a droga, classificada como medicamento de classe 1, tem aprovação para uso médico, mas, em pesquisas, diz Agrawal, mostra segurança e eficácia. Os resultados são mais positivos quando o tratamento químico é realizado com apoio psicológico.


Pontuação

Os voluntários inscritos tinham pontuações de sintomas depressivos moderados a graves no início do estudo. Após oito semanas de tratamento, os escores caíram, em média, 19,1 pontos, situando os pacientes em uma classificação de não depressão. Além disso, 80% dos participantes tiveram uma resposta sustentada ao tratamento e 50% apresentaram remissão completa dos sintomas depressivos após uma semana, efeito que durou por todo o acompanhamento, de dois meses. Náusea e dor de cabeça leve foram as reações adversas mais comuns.

"Como oncologista durante muitos anos, tive a frustração de não conseguir fornecer cuidados oncológicos que tratam a pessoa na totalidade, e não apenas o tumor", diz Agrawal, principal autor do estudo. "Esse foi um estudo pequeno e mais investigação precisa ser feita, mas o potencial é significativo, com implicações para ajudar milhões de pacientes com câncer, que também estão lutando com o grave impacto psicológico da doença." O médico destaca que pesquisas em andamento investigam o uso da terapia assistida por psilocibina para outros problemas de saúde mental, como ansiedade, dependência e transtorno de estresse pós-traumático.

Outro estudo com o mesmo grupo de pacientes, liderado pelo hematologista Yvan Beaussant, do Instituto de Câncer Dana-Farber, pesquisou as impressões dos participantes ao fim do tratamento. As experiências foram descritas como positivas. Além disso, eles relataram que a sessão de terapia em grupo ajudou a tranquilizar em relação ao uso da substância psicodélica. Também houve relatos de sentimento de pertencimento e compaixão pelos outros.


Transformação

"Foi profundamente comovente e encorajador testemunhar a magnitude da melhoria dos participantes e a profundidade de sua jornada de cura após a participação no estudo", descreveu Beaussant, em nota. "A maioria dos participantes expressou sentimentos positivos sobre sua experiência com a terapia assistida por psilocibina. Muitos descreveram um impacto transformador contínuo nas suas vidas e bem-estar mais de dois meses após terem recebido a psilocibina, sentindo-se mais bem equipados para lidar com o câncer e, para alguns, com o fim da vida."

Anthony Cleare, professor de psicofarmacologia do King's College London, diz que é "encorajador" o fato de a psilocibina desencadear uma resposta positiva em pacientes com depressão resistente ao tratamento. "No entanto, há várias questões que precisam de mais estudos antes que a substância possa se tornar parte da prática clínica regular", pondera. "Há também a preocupação de que, devido ao número relativamente pequeno de pacientes estudados até agora, ainda não saibamos o suficiente sobre os potenciais efeitos secundários, especialmente se algumas pessoas podem sentir um agravamento de alguns sintomas", afirma. Cleare afirma esperar que estudos maiores em andamento possam ajudar a responder essas questões.


Palavra de especialista // Novo paradigma

"Não devemos esquecer que esse é um estudo pequeno, que não nos permite tirar quaisquer conclusões definitivas. Por outro lado, vale a pena mencionar que os resultados estão em linha com um conjunto muito maior de evidências que se têm acumulado ao longo dos últimos 10 anos. Pelo menos cinco ensaios clínicos randomizados e controlados demonstraram a eficácia da psilocibina no tratamento da sintomatologia depressiva, dos quais dois foram realizados precisamente em pacientes com câncer ou doença terminal e dois em pacientes com depressão resistente ao tratamento (não associada ao câncer). Todos têm em comum uma ruptura com paradigmas tradicionais de tratamento psiquiátrico, baseados em modelos biofarmacológicos crônicos e centrados no sintoma, rumo a uma psiquiatria que coloca o paciente e a sua experiência (neste caso, facilitada pelo acompanhamento medicamentoso e terapêutico) no centro como mecanismo de transformação de processos patológicos."


Óscar Álvarez, psiquiatra e pesquisador da Sociedade Espanhola de Medicina Psicodélica