A Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou, nesta terça-feira (9/12), em segundo turno, o projeto que autoriza a privatização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).
Todas as emendas apresentadas foram rejeitadas, e o projeto segue agora para apreciação final em plenário. A movimentação ocorre poucos dias após a Casa ter aprovado, em primeiro turno, o Projeto de Lei (PL) 4.380/2025, que abre caminho para a desestatização da empresa responsável pelo abastecimento de água e tratamento de esgoto em cerca de dois terços dos municípios mineiros.
A versão aprovada na FFO incorpora uma alteração em relação ao texto votado em primeiro turno: a ampliação das possibilidades de realocação dos trabalhadores da Copasa após a privatização. Originalmente, o projeto permitia que os servidores, depois do período de estabilidade de 18 meses, garantido tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), fossem transferidos para “outras empresas públicas ou sociedades de economia mista controladas pelo estado”.
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A mudança, apresentada pelo relator Zé Guilherme (PP), substitui essa definição por “outras entidades públicas estaduais”, formulação mais ampla que inclui autarquias como a Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário (Arsae). Com isso, deputados favoráveis à venda afirmam garantir maior segurança jurídica para os servidores que desejarem migrar.
O texto mantém a cláusula de manutenção de uma tarifa social e a obrigatoriedade de cumprimento das metas de universalização previstas no Marco Legal do Saneamento, além da criação do Fundo Estadual de Saneamento.
A discussão na FFO foi marcada por tentativas de obstrução lideradas pela oposição, que buscou retardar a votação do parecer. A deputada Beatriz Cerqueira (PT) questionou novamente a ausência de estudos técnicos, econômicos e regulatórios que embasem a privatização. Segundo ela, a base do governador Romeu Zema (Novo) estaria construindo “narrativas” para justificar garantias relacionadas ao emprego, ao equilíbrio tarifário e ao funcionamento do futuro fundo estadual.
As investidas oposicionistas também fracassaram no primeiro turno, quando todas as 29 emendas apresentadas foram rejeitadas. O relatório de Zé Guilherme recomendou a derrubada integral das propostas sob o argumento de que elas descaracterizariam o objetivo do PL e criariam barreiras à privatização.
Entre as emendas rejeitadas estavam a proibição de venda para empresas envolvidas em corrupção, o direcionamento de 10% dos recursos obtidos com a desestatização para a segurança pública e a ampliação de 18 para 36 meses da estabilidade dos trabalhadores.
Próximos passos
Agora, o texto entra na fase final da tramitação legislativa, que permite que cada matéria conste seis vezes na pauta antes da votação definitiva. A base governista deve repetir a estratégia adotada durante a aprovação da PEC do Referendo, que retirou as exigências de consulta popular para a privatização da companhia, e convocar reuniões extraordinárias rápidas, abertas e encerradas imediatamente após a contagem de presença, apenas para cumprir o rito regimental e obrigar a votação no sétimo encontro.
Se esse padrão se confirmar, o projeto poderá ser votado em definitivo já na terça-feira (16/12), bem próximo ao recesso parlamentar, marcado para o dia 20.
O governo Zema defende que a privatização garante alinhamento ao Marco Legal do Saneamento, que impõe a universalização dos serviços até 2033, e que os recursos arrecadados —estimados em cerca de R$ 4 bilhões— são essenciais para permitir a adesão de Minas Gerais ao Propag. O estado deve aproximadamente R$ 180 bilhões à União.
O texto que irá ao plenário também prevê que o controle da Copasa poderá ser transferido por meio de venda direta de ações ou aumento de capital que dilua a participação do Estado. A futura empresa deverá adotar o modelo de corporation, que impede a concentração de poder decisório nas mãos de um único acionista. A golden share, ação de veto reservada ao governo em decisões estratégicas, foi mantida.
Municípios querem consulta popular
Enquanto a privatização avança na ALMG, seus efeitos políticos se espalham pelas câmaras municipais. Em Belo Horizonte, Araxá, Curvelo, Montes Claros, Divinópolis, Contagem, Pedro Leopoldo e Lagoa Santa já tramitam projetos que determinam a obrigatoriedade de consulta popular antes de qualquer concessão, delegação ou entrega de serviços de abastecimento de água e esgoto à iniciativa privada.
A reação cresceu após o avanço do PL 4.380/2025 na Assembleia, com vereadores buscando resgatar, no âmbito municipal, o mecanismo de participação social eliminado pela PEC do Referendo. Em Curvelo, uma emenda à Lei Orgânica que exige consulta prévia para privatização de todos os serviços municipais foi aprovada por unanimidade em primeiro turno e pode ser votada em definitivo até o dia 15.
Outras dez cidades, entre elas Ipatinga, Coronel Fabriciano, Araçuaí e Timóteo, já articulam textos semelhantes. A maioria das iniciativas é de autoria de parlamentares do PT, mas há apoio de siglas como PV, PRD e PSD em algumas regiões. Em Araxá, terra natal de Zema, vereadores também aderiram ao modelo.
A aprovação em Belo Horizonte e em outros municípios revela ainda uma movimentação paralela à disputa travada na ALMG e levanta dúvidas sobre os desdobramentos futuros, principalmente sobre como ficará a relação da Copasa privatizada com os contratos municipais. Essas incertezas motivaram a Associação Mineira de Municípios (AMM) a protocolar uma consulta formal no Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG).
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A entidade quer orientação sobre como os 647 municípios que têm contratos de programa ou concessão firmados antes do Marco Legal devem proceder caso o controle da Copasa seja transferido. O foco da consulta é o artigo 14 do novo marco, que trata da adaptação ou substituição contratual após a mudança de controle acionário. Entre as principais dúvidas está a autonomia municipal para decidir se mantém ou rescinde o contrato após a privatização.
