A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/2023, que extingue a exigência de referendo popular para autorizar a privatização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), está pronta para ir ao plenário em votação definitiva na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Se adiantando à expectativa de aprovação da pauta, que passou com folga no primeiro turno, a oposição na Casa protocolou, nesta terça-feira (4/11), medidas na Justiça e em órgãos de controle contra a privatização da companhia, em uma tentativa de frear o processo conduzido pelo governo Romeu Zema (Novo).
Por se tratar de uma emenda constitucional, o regimento interno da Assembleia exige a realização de seis reuniões de plenário entre os dois turnos de votação. Para encurtar o intervalo, a base do governo adotou uma estratégia de sessões consecutivas, abertas e encerradas rapidamente apenas para contagem protocolar.
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Na noite desta terça, a reunião que seria a sexta e última dos trâmites, marcada para as 18h, foi aberta e encerrada minutos depois por falta de quórum. Novas sessões foram agendadas para às 9h, 14h e 18h.
Apresentada pelo governador em 2023 e retomada no contexto das discussões da adesão ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), a PEC 24/2023 destrava a venda da Copasa e de sua subsidiária Copanor, responsável pelo abastecimento no Norte e Noroeste do estado, ao deixar a decisão de uma possível privatização apenas nas mãos dos parlamentares. A retirada do referendo precisa de, no mínimo, 48 votos entre os 77 deputados da Casa. O presidente da Casa, Tadeu Martins Leite (MDB), não vota.
O plano de Zema é utilizar os recursos obtidos com a venda da empresa, junto à federalização de outros ativos, para amortizar os juros da dívida mineira, estimada em R$ 172 bilhões. Com isso, Minas passaria a ter o saldo restante parcelado por até 30 anos, com juros menores, o que daria fôlego às contas públicas.
Paralelamente à PEC, tramita na Casa o PL 4.380/2025, que trata especificamente das regras para a negociação de ações da empresa e dará, se aprovado, o aval definitivo à privatização. O texto, também de autoria do governador, aguarda análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com tramitação prevista para avançar só depois da derrubada da exigência de referendo popular.
Protestos
Durante a quinta sessão plenária aberta nesta terça-feira (4/11), apenas para cumprir as etapas regimentais da PEC da Copasa, deputados da base governista e da bancada do PL aproveitaram o momento para repudiar um ato de protesto ocorrido na mesma tarde.
Um grupo de cerca de 30 pessoas, vestidas de preto e com o rosto coberto, ateou fogo em pneus em frente à garagem de um prédio no bairro de Lourdes, região Centro-Sul de Belo Horizonte, acreditando tratar-se do endereço do presidente da Assembleia, Tadeu Martins Leite (MDB). O parlamentar, porém, não mora mais no local.
Em nota oficial, Tadeu Leite classificou o protesto como um ato de vandalismo e afirmou que não se deixará intimidar. “Ninguém aguenta mais vandalismo no Brasil. A tentativa de algumas pessoas da extrema esquerda de intimidar a mim e à Assembleia não vai impedir que continuemos o nosso trabalho sério, independente, democrático e focado em resolver os problemas de Minas e do povo mineiro. As autoridades competentes foram acionadas e já atuam na identificação e responsabilização dos envolvidos”, escreveu o presidente da ALMG.
O bloco de oposição Democracia e Luta também se manifestou nas redes sociais e condenou a ação, classificando-a igualmente como “vandalismo”. O grupo ressaltou que qualquer ato de violência compromete o debate democrático e defendeu a apuração rigorosa dos fatos. “Repudiamos de forma veemente qualquer ação violenta. É fundamental que os responsáveis sejam identificados e que os fatos sejam rigorosamente apurados. A violência nunca pode ser instrumento de debate político — todos perdem, sobretudo a razão e a democracia”, diz o comunicado.
A nota ainda faz referência aos atos golpistas de 8 de janeiro e alerta para o risco de “escalada de tensões sociais e políticas”. “Divergências devem ser enfrentadas no campo das ideias, com respeito, responsabilidade e espírito democrático. A política é o caminho”, conclui o texto.
Nos dias de votação e debate da PEC, os corredores e galerias da Assembleia permaneceram lotados por trabalhadores da Copasa e representantes de movimentos sociais, que protestavam contra o avanço da proposta. Durante a votação em primeiro turno, os manifestantes entoaram gritos de “Tadeu traidor” das galerias.
Casa cheia
Nesta quarta, o dia promete ser novamente de casa cheia na Assembleia. Às 10h, a Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social promove uma audiência pública com sindicalistas e representantes de trabalhadores da Copasa para debater os impactos da proposta. No mesmo horário, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realiza um ato nos arredores do Palácio da Inconfidência, em memória dos dez anos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. A coincidência de agendas deve ampliar o número de manifestantes nas ruas e nos corredores do Legislativo, somando as pautas.
A proposta foi aprovada em primeiro turno na madrugada de 24 de outubro, por 52 votos a 18, após uma sessão de votação de dez horas, em meio a uma série de manobras regimentais da oposição e acusações de que o governo Zema buscava aprovar a mudança “na calada da noite”. Como parte do protocolo, a PEC voltou à Comissão Especial, formada em sua maioria por deputados governistas, para a emissão de um parecer de segundo turno, apresentado em 28 do mesmo mês e aprovado por quatro votos a um.
O relator da proposta, deputado Gustavo Valadares (PSD), chegou a propor a inclusão da Gasmig no texto que será votado em segundo turno. No parecer, o parlamentar argumentava que a medida permitiria “criar nova possibilidade de canalização de recursos para o pagamento da dívida do Estado com a União”. Poucas horas depois, o governo recuou. Em nota, o líder do governo na Casa, João Magalhães (MDB), informou que a retirada da Gasmig se deu “diante da necessidade de concentrar esforços no tema central da PEC”.
O deputado ponderou, no entanto, que a discussão sobre a privatização da empresa de gás natural é legítima e deverá ocorrer em momento mais adequado, quando o debate sobre a Copasa estiver superado. A alteração retomava parte do texto original do governador Romeu Zema, que previa o fim da exigência de referendo para Copasa, Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e Gasmig, trecho derrubado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na tramitação inicial.
Disputa pode parar na Justiça
Como já havia sido sinalizado, a oposição agora tenta recorrer ao Judiciário para barrar a privatização da Copasa. Na quinzena passada, quando começou a corrida da base governista para acelerar a tramitação da matéria que retira a exigência de consulta popular, os deputados contrários à medida afirmaram que, se o projeto avançasse, iriam recorrer às instâncias superiores, inclusive ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesta terça, a deputada estadual Bella Gonçalves (Psol) protocolou, junto aos parlamentares do bloco Democracia e Luta, duas medidas oficiais contra a privatização da companhia. Uma delas foi uma notícia-crime ao Ministério Público Federal (MPF); a outra, uma representação ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG). Nos documentos, a parlamentar denuncia ilegalidades, conflitos de interesse e possíveis crimes financeiros envolvendo o governador Romeu Zema, fundos de investimento e ex-dirigentes da Copasa.
Na notícia-crime encaminhada ao MPF, Bella descreve o que considera um esquema de insider trading e manipulação de mercado. Segundo ela, fundos teriam adquirido ações da Copasa de forma silenciosa, até alcançar o controle de mais de 5% do capital, com base em informações privilegiadas sobre a intenção do governo de vender a empresa.
A deputada pede a abertura de investigação criminal por insider trading, associação criminosa e crimes contra o sistema financeiro, requerendo ainda que o governador seja incluído entre os investigados e que sejam quebrados os sigilos bancário, fiscal e telemático dos envolvidos.
Já a representação enviada ao TCE-MG solicita a suspensão imediata do processo de privatização e a instauração de uma auditoria especial sobre as etapas conduzidas até agora. No documento, Bella afirma que o governo atua de forma “acelerada e com baixa transparência” e aponta como irregular a tramitação simultânea de dois projetos: o que autoriza a venda total da Copasa e a PEC que elimina o referendo popular.
Ela também denuncia a atuação de uma consultoria privada, contratada sob o argumento de promover a universalização do saneamento, mas que, segundo a deputada, opera como braço técnico e político da privatização, cuidando de modelagem financeira, mapeamento político e estratégia de comunicação para favorecer o processo.
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“Estamos diante de uma operação que combina pressa, ausência de transparência, manipulação legislativa e possível uso de informação privilegiada para enriquecer grupos financeiros à custa do patrimônio público mineiro. A Copasa é uma empresa estratégica e não aceitaremos que seja entregue aos interesses privados sem debate público e sem controle institucional”, declarou Bella Gonçalves, em comunicado enviado à imprensa.
