PSol produziu uma versão do quadro de Andreato com cenas de tortura num banner, em protesto contra exposição do painel original -  (crédito: Evandro Éboli/CB/DA.Press)

PSol produziu uma versão do quadro de Andreato com cenas de tortura num banner, em protesto contra exposição do painel original

crédito: Evandro Éboli/CB/DA.Press

A Câmara dos Deputados vetou num de seus corredores a exposição temporária do painel A verdade ainda que tardia, do artista plástico Elifas Andreato, e que retrata imagens de tortura empregada na ditadura, como pau de arara, cadeira elétrica, afogamento e violência sexual. O quadro foi doado por Andreato à Câmara, em 2012, e chegou a ser exibido ao público por algumas semanas, naquele ano. Hoje, a tela integra o patrimônio da Casa e faz parte da reserva técnica do Museu da Câmara. Ainda assim, sua exibição foi proibida.

 

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O pedido do retorno público da tela do artista plástico, que foi um preso político no regime militar, é do PSol. A exposição "Memória, Verdade e Justiça", em cartaz atualmente em lembrança dos 60 anos da ditadura, é uma iniciativa da deputada Luiza Erundina (PSol-SP) e está instalada no corredor Tereza de Benguela, o principal de acesso ao plenário da Câmara, onde fica o Salão Verde.

 

O painel tem 5,5 metros de comprimento e 1,70 metros e retrata imagens de vítimas dos militares, como a ex-presidente Dilma Rousseff, o jornalista Vladimir Herzog, o deputado Rubens Paiva, os guerrilheiros Carlos Marighella e Carlos Lamarca, e também do estudante Alexandre Vannuchi e do operário Manoel Fiel Filho, ambos mortos em poder do Estado no Doi-Codi de São Paulo.

 

No pedido que encaminhou à Diretoria Executiva de Comunicação e Mídias Digitais da Câmara (Direx), o deputado Glauber Braga (PSol-RJ), presidente da Comissão de Legislação Participativa, solicitou a exibição por quatro dias do quadro, no Hall da Taquigrafia, local central, mas a resposta foi negativa. O argumento foi que a exibição do painel não atendia aos critérios da Classificação Indicativa para Artes Visuais do Ministério da Justiça, que não recomenda para menores de 16 anos "a representação da imposição prolongada ou grave de dor física ou psicológica, por meio de violência, intimidação ou punição, para a obtenção de: satisfação pessoal, informação ou qualquer outra vantagem".

 

 

O item ao qual à Câmara recorreu foi inserido na Classificação Indicativa do ministério no governo de Jair Bolsonaro, quando o titular da pasta era Anderson Torres. A assessoria da Câmara confirmou ao Correio a argumentação da Direx, endereçada ao PSol, e repetiu também que o Hall da Taquigrafia "é um local de grande fluxo diário de pessoas, tanto funcionários quanto visitantes, e não permite impor limite de acesso do público".

 

Encomenda difícil

 

Elifas Andreato, que morreu em março de 2022, doou a tela em 2012, numa encomenda feita pela Comissão da Memória, Verdade e Justiça, presidida à época por Erundina. A obra de arte foi concebida para ilustrar a sessão especial da Câmara que devolveu o mandato de 173 deputados que tiveram seus mandatos cassados pelos atos institucionais da ditadura. O painel ainda traz a inscrição do nome Dodora, apelido de Maria Auxiliadora Lara Barcelos, amiga de Dilma, que foi vítima de violência sexual na cadeia, além de outras torturas, e que se matou no exílio, na Alemanha, na década de 1970.

 

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O artista falou ao O Globo à época da criação do painel. "Quando me fizeram a encomenda, que precisava pintar essas imagens, fui para o quarto e disse a mim que teria que encarar esse negócio, mas não podia fazer coisa pequena. Fiz estudos preliminares e decidi que não ia esconder nada, coisa alguma. Na verdade, até escondi uma coisa ou outra que seria mais desagradável. O desafio era fazer uma boa pintura e fazer a denúncia, registrar aquela barbárie toda. Foi terrível, não foi fácil."

 

O PSol elaborou uma resposta à Câmara, contestando a negativa. Confira a seguir na íntegra.

 

"Chama a atenção o fato de a obra de arte fazer parte do acervo público e ter sido exposta na Casa, exatamente no mesmo lugar a que agora se nega uma segunda exposição. E sua não recomendação ter sido feita com base em manual elaborado justamente por um governo que nega a ditadura militar e sem qualquer caráter impositivo de lei. Algo que tem apenas efeito indicativo. Não compete ao Executivo restringir ou vedar o acesso da população a qualquer tipo de obra, exposição, mostra de artes visuais, espetáculos públicos ou congêneres, bem como promover qualquer restrição à manifestação de pensamento, à criação, à expressão ou à informação."