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Quando cada segundo importa: os riscos neurológicos em situações extremas

O risco não diminui com o tempo, pelo contrário: ele aumenta progressivamente a cada hora sem socorro adequado

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A confirmação da morte de Juliana Marins, jovem brasileira que sofreu uma queda de mais de 300 metros em uma encosta do Monte Rinjani, na Indonésia, traz uma comoção profunda e levanta importantes reflexões médicas sobre o impacto neurológico de situações extremas como essa.


Trata-se de um acidente de alta complexidade em uma região remota, com acesso dificultado, comunicação precária e exposição prolongada a condições adversas. Para além da tragédia logística e diplomática, há um olhar clínico necessário: o que acontece com o cérebro humano diante da queda brusca, da hipóxia em altitude, da imobilidade forçada e do estresse fisiológico contínuo?


O Monte Rinjani está localizado a mais de 3.700 metros acima do nível do mar. Nessa altitude, a pressão atmosférica é significativamente menor, reduzindo a disponibilidade de oxigênio no ar. O cérebro, que consome cerca de 20% do oxigênio do corpo, é particularmente vulnerável a essa queda. Em poucas horas de exposição a esse ambiente, uma pessoa já pode desenvolver sinais de hipóxia: sonolência, confusão mental, dificuldade de fala e coordenação motora. Com o passar do tempo, os danos podem se tornar irreversíveis. Casos de edema cerebral de alta altitude são documentados, mesmo em pessoas saudáveis. Em alguém ferido e impossibilitado de se mover, o risco é ainda maior.


Após uma queda de grandes proporções, a vítima costuma permanecer imobilizada. Isso, aliado ao frio, à desidratação e ao trauma físico, desencadeia processos perigosos como a trombose venosa profunda. Um coágulo pode se formar nas pernas e migrar para os pulmões (causando embolia pulmonar) ou a hipoxia e hipotensão levarem a um AVC. O risco não diminui com o tempo, pelo contrário: ele aumenta progressivamente a cada hora sem socorro adequado.


Assim como acontece com mergulhadores expostos à descompressão brusca ou à síndrome do mergulhador, o corpo humano em situações extremas entra em colapso não só pelas lesões visíveis, mas pelas alterações metabólicas e circulatórias que seguem em cadeia silenciosa.


Em situações de trauma em regiões remotas, o papel da neurocirurgia começa antes da sala de operação. A triagem clínica precoce, o uso de imagens de alta precisão e a análise de sinais discretos podem fazer a diferença entre preservar uma função neurológica ou perdê-la para sempre. A medicina moderna dispõe de recursos como neuronavegação, inteligência artificial aplicada à imagem e técnicas minimamente invasivas – mas nenhum deles substitui a urgência. Quando há lesão no sistema nervoso central, o tempo é tecido. Cada minuto sem oxigênio ou sem circulação adequada pode custar uma memória, uma capacidade motora, uma conexão afetiva.


Na medicina de emergência, a chamada Golden Hour ou "hora de ouro", representa a primeira hora após um trauma grave. É durante esse intervalo que a intervenção médica tem o maior potencial de salvar vidas e preservar funções neurológicas, especialmente em casos de lesões cerebrais, hemorragias internas ou hipóxia.


No caso de Juliana, essa janela crítica se fechou sem que houvesse atendimento adequado. A queda abrupta, seguida de um longo período de imobilidade em ambiente hostil e com baixa oferta de oxigênio, agravou progressivamente o quadro fisiológico. Além disso, a falta de acesso a líquidos e alimentos por mais de 48 horas comprometeu ainda mais a capacidade do organismo de manter suas funções vitais. A desidratação acelera a formação de coágulos, reduz a circulação sanguínea e pode precipitar falência renal e cerebral. Já a ausência de glicose, principal combustível do cérebro, compromete diretamente a função neurológica, potencializando sintomas como confusão mental, letargia e convulsões.


Em contextos extremos como esse, cada minuto sem suporte qualificado aumenta o risco de tromboses, embolias e falências múltiplas com destaque para os danos neurológicos silenciosos e irreversíveis que podem se instalar nas primeiras horas. Assim como no mergulho, em que há protocolos rígidos para evitar descompressão explosiva e disfunções cerebrais, situações em ambientes de altitude e isolamento extremo exigem respostas rápidas e coordenadas.


A Golden Hour existiu neste caso, mas não foi respeitada. E sua ausência, agravada pela privação alimentar e hídrica, infelizmente pode ter sido decisiva para o desfecho trágico.


O caso de Juliana nos entristece profundamente, mas também nos chama à responsabilidade. Não basta alcançar a vítima. É preciso que as estruturas públicas, os protocolos de resgate internacional e os sistemas de saúde estejam preparados para garantir um socorro eficaz, rápido e tecnicamente seguro, para que histórias como a dela não se repitam.


Que essa perda sirva como alerta para que se reconheça o quanto o tempo, em neurociência, é um fator não apenas de vida, mas de dignidade e de função.

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