editorial

Sem limites para a estupidez humana

Jovem de 24 anos nascido nos EUA navegou até a Ilha Sentinela do Norte, no Oceano Índico, para entregar uma lata de refrigerante a um grupo de indígenas isolado

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Um dos conceitos mais cultuados da sociologia contemporânea é o "mundo líquido", definido pelo autor polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). Para ele, as mudanças pelas quais a sociedade passou desde 1960, sobretudo a partir do surgimento da tecnologia, após a Segunda Guerra Mundial, fragilizaram as relações sociais. Dessa maneira, o vínculo entre as pessoas se vulnerabilizou a partir, por exemplo, do maior peso dado ao consumo e às inovações, como o smartphone.


Quem viveu a infância ou parte da vida adulta na era analógica, quando o mundo líquido de Bauman já existia, porém em menor proporção, consegue facilmente perceber como os laços sociais se enfraqueceram nas últimas duas décadas. Nesse contexto, é cada vez mais comum o aparecimento de personalidades que se pautam quase que exclusivamente pelo mundo digital, uma inversão de paradigma curiosa e desafiadora para a humanidade.


Uma das ilustrações mais incontestáveis desse fenômeno descrito pelo sociólogo polonês passa pelos influencers. Em uma completa alucinação comportamental, essas pessoas vivem em prol do mundo digital em busca da ampliação do seu poder de consumo, ou até mesmo em troca da simples repercussão, representada por curtidas, compartilhamentos e comentários.


Tais devaneios, que vale ressaltar não atingem a totalidade de influencers, evidentemente, levam a episódios surreais como o registrado na Índia, nos últimos dias. Autoridades do país prenderam Mykhailo Viktorovych Polyakov, de 24 anos, jovem nascido nos EUA que navegou até a Ilha Sentinela do Norte, no Oceano Índico, para entregar uma lata de refrigerante a um grupo de indígenas isolados.


Em troca da reverberação em seu mundo líquido, Polyakov colocou em risco os indígenas isolados e a si mesmo. Justamente por não manter contato com o "mundo exterior" e não adquirirem anticorpos ao longo de suas vidas, esses povos são completamente vulneráveis a doenças do homem urbano. Por isso e por outros motivos, rejeitam qualquer contato externo.


Exemplo disso aconteceu nos anos 2000, quando um helicóptero sobrevoou a ilha indiana para checar a segurança dos isolados, após o tsunami que atingiu o Índico à época. A aeronave foi recebida com diversas flechas e deixou o local imediatamente.


A postura de Polyakov vai na contramão do que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas(Funai) tem feito para proteger as dezenas de povos isolados que vivem na Amazônia. Reportagem publicada recentemente pela BBC News Brasil mostrou imagens inéditas dos isolados que vivem nos arredores do Rio Massaco, em Rondônia, nas proximidades da fronteira do Brasil com a Bolívia.


Os registros nunca antes vistos foram feitos por uma espécie de "armadilha fotográfica", uma câmera instalada na área habitada por esse povo isolado. O objetivo desse monitoramento está muito longe de obter likes. A ideia é conhecer um pouco mais sobre o comportamento desses indígenas para protegê-los do crime organizado, como responsáveis pela extração irregular de madeira e pelo garimpo ilegal na floresta.


Uma estratégia da Funai, inclusive, chama a atenção. Junto da câmera, a fundação deixou ferramentas importantes para o cotidiano dos isolados, como facões e machados. A ideia é facilitar a caça e coleta para afastar esses indígenas do mundo exterior. Acontece que, diante das mudanças ambientais, os isolados podem buscar contato para conseguir acesso a materiais como esses. A ideia não garante sucesso na proteção desses povos, mas se trata de uma iniciativa válida.


Em um mundo no qual a proteção ambiental precisa ter cada vez mais prioridade na ordem do dia, está claro que a sociedade precisa muito mais da Funai do que do influencer Mykhailo Viktorovych Polyakov. 

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