editorial

A conquista maior de "Ainda estou aqui"

O grande êxito do filme é o fato de ter apresentado a milhões de brasileiros, em especial aos que nasceram depois de 1985, as violentas consequências do abuso d

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Na décima-primeira semana de exibição no Brasil, “Ainda estou aqui” está em cartaz em 500 salas e foi visto por quase 3,5 milhões de espectadores. Trata-se de um raro caso recente de sucesso de crítica e de público. O filme de Walter Salles inicia a carreira comercial no exterior também com números impressionantes. Ocupa, desde a última quarta-feira, 180 cinemas da França. Nos Estados Unidos, o feito é igualmente superlativo. Depois de estrear ontem em Nova York e Los Angeles, o longa-metragem deve ser exibido em mais de 400 cinemas até o início de fevereiro – circuito que pode ser ampliado no caso de indicações ao Oscar (a serem conhecidas na próxima quinta-feira).
Mas e se o filme de Salles ficar de fora da disputa da estatueta que representa o prêmio máximo da indústria? Será uma derrota para o cinema nacional?
De forma alguma. O êxito que a obra estrelada por Fernanda Torres tem obtido traz ganhos diretos e indiretos. Um deles é reacender o interesse pela produção audiovisual brasileira. Vale lembrar que o cinema nacional já obteve premiações expressivas, como a Palma de Ouro do Festival de Cannes atribuída em 1962 a “O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte, e o Leão de Ouro do Festival de Veneza em 1981 para “Eles não usam black-tie”, de Leon Hirszman.
O próprio Walter Salles recebeu o Urso de Ouro em Berlim, em 1998, por “Central do Brasil”, com Fernanda Montenegro. Também ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro em 1999. Mais recentemente, o longa “Bacurau”, do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho, foi agraciado com o Prêmio do Júri em Cannes.
A atriz mineira Yara de Novaes, desde o ano passado, tem colecionado premiações pelo impressionante desempenho no papel-título do drama “Malu”, de Pedro Freire. Sem contar os prêmios atribuídos a “Cidade de Deus”, do paulista Fernando Meirelles, a presença constante de títulos do diretor cearense Karim Aïnouz na competição dos festivais de maior repercussão. Todos são talentos brasileiros com reconhecimento internacional.
Agora é a vez de Walter Salles, mais de duas décadas após “Central do Brasil”, voltar a colecionar elogios da crítica. Nos últimos dias, periódicos da França e dos Estados Unidos enalteceram, quase de forma unânime, o longa baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva.
Na edição de ontem, o jornal The New York Times classificou o filme como “bonito e devastador”, destacando a “realização primorosa e o grande apuro visual”, além de afirmar que o longa faz um “retrato comovente de como a política desestabiliza e remodela a esfera doméstica, e como a solidariedade, a comunidade e o amor são o único caminho viável para viver em meio à tragédia.”
O jornal francês Libération fez questão de destacar a “força e emoção” do diretor ao narrar o “luto impossível” da família Paiva.
Já o periódico português O Público lembrou que ‘Ainda estou aqui' é um filme sobre a dissolução de um reduto familiar íntimo” e, além da “pertinência política”, ressaltou “a sagacidade de Salles na maneira como a aborda”.
Tantos elogios e as possíveis, ou melhor, cada vez mais prováveis indicações ao Oscar não podem ofuscar a conquista maior de “Ainda estou aqui”. E foi obtida em território nacional. Apresentou a milhões de brasileiros, sem pieguismo ou didatismo, as violentas consequências do abuso de poder que marca uma ditadura.
Por meio da recriação da história da família que sequer teve o direito de velar a morte de seu patriarca, o diretor e sua equipe mostraram, especialmente para as gerações que nasceram depois de 1985, a face mais sombria – e cruel – da ditadura militar. Lançaram o alerta para que outros cidadãos não sejam “desaparecidos” pelos que defendem a arbitrariedade acobertada pelo Estado.
Por isso, o título do livro e do filme não é apenas referência a Eunice Paiva, mas um aviso. Os algozes de Rubens Paiva ainda estão por aqui.

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