Neste 12 de fevereiro último, completaram-se 19 anos de um crime brutal na Amazônia. A missionária norte-americana Dorothy Stang, integrante da Comissão da Pastoral da Terra, foi executada com seis tiros em Anapi, no Pará, quando rumava para um encontro com agricultores da região. Naquele ano de 2005, a religiosa foi vítima da intensa disputa de terras que se alastrava pelo território amazônico. Coincidentemente, Luiz Inácio Lula da Silva era o presidente da República quando ocorreu esse episódio. De lá para cá, a situação da Amazônia complicou-se ainda mais.

Nas duas últimas décadas, a miríade de ações criminosas neste bioma vital para o Brasil se expandiu exponencialmente. Se antes tinha vulto a ação isolada de grileiros, de desmatadores e do garimpo ilegal, em 2024 o crime organizado se apropriou do território amazônico e comanda um extenso rol de atividades ilícitas, que vão do transporte de drogas e madeira a homicídios em série. Estudo recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica que 59% da população residente na Amazônia Legal, área que compreende nove estados da Federação, estão sob o jugo do crime organizado. É na Amazônia Legal também que se localiza o estado mais violento do Brasil. Com uma taxa de homicídio duas vezes acima da média nacional, o Amapá está à frente da Bahia e do Amazonas.

De volta ao Palácio do Planalto após quase 20 anos do assassinato de Dorothy Stang, o presidente Lula procurou traduzir em palavras o desafio que se coloca ante as autoridades brasileiras. “O crime organizado hoje não é uma coisa fácil de combater, porque o crime organizado virou uma grande indústria multinacional, maior que a General Motors, maior que a Volkswagen, maior que a Petrobras. É uma coisa muito poderosa”, comentou, na posse do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, há duas semanas.

O enfrentamento da criminalidade em geral e na Amazônia em particular exige, como salientou o novo titular da pasta da Justiça, uma ação coordenada entre União, estados e municípios. Essa questão passa não apenas por questões específicas de segurança pública, mas se estendem pelo campo socioambiental. A sustentabilidade da Amazônia está intrinsicamente ligada à preservação do patrimônio ecológico ainda existente no território, e a proteção à população que historicamente vive na região. É nesse sentido que a missão de Dorothy Stang ganha relevância, passadas duas décadas da morte da missionária.

Trata-se, sobretudo, de um trabalho de resistência. Não por acaso, a Comissão Episcopal para a Amazônia lembrou os 19 anos do martírio infligido à religiosa com a citação a um poema de Pedro Casaldáliga, um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra: “Eu morrerei de pé como as árvores. Me matarão de pé”. Essa atitude corajosa em defesa dos desfavorecidos na violenta realidade amazônica se junta à trajetória de outros atores, como Chico Mendes, Bruno Pereira e Dom Phillips – isso sem citar as diversas lideranças indígenas.

Segundo os partidários da causa humanitária de Dorothy Stang, o corpo da missionária não foi enterrado; foi plantado. Sua vida dedicada às populações excluídas da guerra fundiária fertiliza a esperança de que, um dia, o Estado brasileiro será capaz de garantir que a Justiça também se faça presente na Amazônia.