Uma decisão da Arquidiocese de São Paulo abalou milhares de fiéis e admiradores do Padre Júlio Lancellotti, conhecido como o "padre dos pobres". O cardeal Dom Odilo Scherer determinou que o sacerdote suspenda as transmissões ao vivo de missas e se afaste temporariamente das redes sociais, em um período descrito como de "recolhimento". O padre, pároco da Paróquia São Miguel Arcanjo na Mooca há mais de 40 anos, anunciou a medida durante a celebração de 14 de dezembro, afirmando que a obedeceria com serenidade.

A Arquidiocese tratou o assunto como interno e não detalhou os motivos públicos. Padre Júlio, por sua vez, reafirmou sua obediência à Igreja e negou rumores de transferência da paróquia. As missas continuam presenciais na Capela da Universidade São Judas Tadeu, mas sem transmissões online — que alcançavam milhares de pessoas distantes ou impedidas de comparecer.

A notícia gerou revolta em setores progressistas e da esquerda, que veem na decisão uma tentativa de silenciar uma voz crítica contra a desigualdade social e a "pobrefobia". Críticos conservadores, por outro lado, já atacavam o padre há anos por seu ativismo. A pergunta que ecoa é: estarão conseguindo calar Padre Júlio?

Reações indignadas de seguidores e fiéis

A decisão provocou uma onda de indignação nas redes sociais e em comentários de notícias. Fiéis de várias partes do Brasil manifestaram apoio ao padre e criticaram a medida como censura ou perseguição. Exemplos incluem:

Um fiel de Cascavel (PR), nos comentários da última missa transmitida: "Acompanho semanalmente a missa do Pe. Júlio Lancellotti aqui de Cascavel/PR. As pregações dele são imprescindíveis para compreender e seguir os ensinamentos e a vida de Jesus. Precisamos da continuidade das transmissões. Bênçãos abundantes e a proteção de Deus ao Pe. Júlio."

Nos comentários das publicações oficiais da Arquidiocese no Instagram, vários usuários questionaram: "Cadê a explicação, senhor cardeal?"; "Uma igreja que deseja o silêncio de seus mensageiros é, de fato, a Igreja de Cristo?"; "Todos os padres de SP não terão mais missas transmitidas ao vivo ou somente as de um padre em particular não poderá ser mais veiculada?"

Outras manifestações: "Isso não pode ficar impune. #PADREJULIOFICA"; "Proibir as missas do Padre Júlio e afastá-lo das redes sociais é atitude da famigerada inquisição. Reconsidere!"; "Arquidiocese censura o Padre Júlio, mas nenhuma restrição a padres que fazem de tudo, menos pregar a palavra de Deus."

Políticos e figuras públicas também expressaram solidariedade, como a vereadora Amanda Paschoal (PSOL-SP), que oficiou Dom Odilo cobrando explicações, e o deputado Chico Alencar, que declarou apoio ao trabalho do padre com a população de rua.



A audiência online de Padre Júlio em comparação com outros religiosos

Antes da suspensão, Padre Júlio mantinha uma presença significativa nas redes, com cerca de 2 milhões de seguidores no Instagram. Suas transmissões dominicais no YouTube, via canal da paróquia ou parceiros como a TVT, acumulavam milhões de visualizações ao longo dos anos, especialmente durante e após a pandemia.

Comparando com outros padres e religiosos católicos populares no Brasil (dados aproximados de dezembro de 2025):

- Padre Fábio de Melo — cerca de 26 milhões de seguidores no Instagram, com foco em reflexões espirituais, música e livros.

- Frei Gilson — cerca de 11 milhões de seguidores no Instagram, fenômeno carismático com pregações intensas e rosários ao vivo.

- Padre Marcelo Rossi — cerca de 11 milhões de seguidores no Instagram, pioneiro da evangelização musical e missas lotadas.

- Padre Reginaldo Manzotti — cerca de 7 milhões de seguidores no Instagram, conhecido por eventos multitudinários e rádio.

A audiência de Padre Júlio era menor em números absolutos, mas altamente engajada em temas de justiça social, defesa dos direitos humanos e crítica às estruturas de exclusão. Diferente dos colegas, cuja presença online foca mais em espiritualidade individual, música gospel ou carisma pregador, Lancellotti usava as plataformas para denunciar violências contra a população de rua e mobilizar solidariedade.

Nota

Em nota divulgada nesta terça-feira (16/12), Lancelotti reforçou que a suspensão é temporária e que as atividades religiosas seguem normalmente.“Conforme informado no último domingo, as transmissões estão temporariamente suspensas, porém as missas dominicais continuam sendo celebradas normalmente às 10h, na Capela da Universidade São Judas - Mooca. As redes sociais não estão sendo movimentadas por um período de recolhimento temporário. Não procede a informação sobre a transferência da Paróquia São Miguel Arcanjo. Reafirmo minha pertença e obediência à Arquidiocese de São Paulo”, diz o texto.

Vão conseguir silenciá-lo?

Provavelmente não. A voz de Padre Júlio Lancellotti não se limita às telas: ela ressoa há décadas nas ruas de São Paulo, nos abrigos, nas praças e nas políticas públicas que ele ajuda a influenciar. Seu trabalho pastoral com os mais vulneráveis continua intacto, e a própria polêmica em torno da decisão da Arquidiocese amplificou seu nome nacionalmente nos últimos dias.

Se o objetivo era reduzir sua visibilidade, o efeito pode ter sido o oposto: milhares de manifestações de apoio surgiram, e a discussão sobre o papel da Igreja frente aos pobres ganhou ainda mais espaço. Como o próprio padre costuma dizer, inspirado no Evangelho: os pobres sempre terão voz — e, enquanto ele estiver ao lado deles, a sua também terá.

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