A psicologia do agressor: o que leva alguém a cometer abuso no lar?
A assimetria de poder entre empregadores e funcionários, ou entre adultos e menores, favorece a manipulação e o silenciamento das vítimas
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A professora Stefanie Erin Kellenberger, de 41 anos, foi condenada pela Justiça de Ohio, nos Estados Unidos, por abuso sexual contra a babysitter de sua filha, uma adolescente, de 13. O caso ocorreu entre fevereiro de 2020 e outubro de 2021, na cidade de Shelby, no mesmo estado.
Durante o julgamento, Stefanie admitiu ter desenvolvido uma obsessão sexual pela menor e reconheceu o desequilíbrio de poder existente na relação de confiança entre ambas. Ela ainda alegou que a vítima não foi coagida fisicamente, mas o tribunal considerou que a vulnerabilidade da adolescente configurava abuso.
Apesar de a vítima ter sugerido uma punição mais branda, de três anos, o juiz entendeu que a gravidade dos fatos e o impacto psicológico exigiam uma resposta mais severa.
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Relação de autoridade
O caso acende um alerta para um tipo de violência que, embora nem sempre visível, acontece em espaços que deveriam representar segurança e confiança - como o ambiente doméstico.
A violência que ocorre dentro de casa é, muitas vezes, silenciosa e difícil de identificar. Ela se alimenta do afeto, da hierarquia e da dependência, transformando relações de confiança em ferramentas de controle.
Situações como a vivida pela adolescente em Ohio revelam como o poder pode ser distorcido e usado como arma, principalmente quando existe uma relação de autoridade ou subordinação.
Em contextos domésticos, a assimetria de poder entre empregadores e funcionários, ou entre adultos e menores, favorece a manipulação e o silenciamento das vítimas. O agressor costuma enxergar o outro não como um indivíduo com direitos, mas como alguém em posição de submissão. Essa percepção é reforçada por fatores sociais e econômicos, que alimentam a sensação de impunidade.
A violação dos limites geralmente acontece de forma gradual, começa com pequenas invasões de privacidade ou exigências abusivas e, aos poucos, evolui para formas graves de violência física, psicológica ou sexual.
Perfis e padrões de comportamento
Compreender a psicologia por trás desses atos é essencial para prevenir novos casos. Dentre os principais fatores de risco, especialistas destacam:
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Abuso de poder: o agressor explora a desigualdade de uma relação hierárquica para manipular e controlar a vítima, que teme perder o sustento ou a confiança.
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Isolamento: o ambiente doméstico é, por natureza, um espaço privado, o que dificulta a denúncia e reduz as chances de testemunhas.
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Traços de personalidade: comportamentos narcisistas, falta de empatia e sensação de merecimento sobre os outros são comuns.
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Mecanismos de justificativa: muitos agressores criam narrativas que minimizam a gravidade dos atos ou culpam a vítima, preservando uma autoimagem positiva.
As consequências emocionais para quem sofre esse tipo de violência são profundas. As vítimas podem desenvolver traumas psicológicos, como ansiedade, depressão e síndrome do pânico, além de viverem sob medo constante de retaliação. A manipulação emocional e a normalização de pequenas agressões tornam o abuso ainda mais difícil de identificar.
Segundo o Atlas da Violência 2025, a residência continua sendo o principal local de ocorrência das agressões no país - o que reforça a urgência de reconhecer sinais de abuso dentro dos lares.
Olhar atento
A psicopedagoga e escritora infantil Paula Furtado lembra que a agressão doméstica nem sempre é física ou visível. “Ela também pode ser emocional, simbólica e estrutural. Muitas vezes, o agressor é alguém próximo, que deveria exercer cuidado. E a criança, que ainda não sabe nomear o que sente, acaba internalizando esse sofrimento.”
Para ela, é essencial que pais, educadores e cuidadores escutem o não dito e percebam os sinais sutis de sofrimento. “A criança que sofre em silêncio precisa de um adulto que veja além do óbvio. Que se importe o suficiente para parar e perguntar: ‘O que está doendo aí dentro?’”, explica.
Embora cada caso seja único, alguns comportamentos merecem atenção. O sofrimento pode se manifestar por meio de silêncio repentino, mudanças nos desenhos, brincadeiras agressivas, regressões ou explosões de raiva.
“Educadores devem observar faltas frequentes, olhares perdidos e alterações de humor. Já os pais precisam estar atentos a mudanças no sono, no apetite, regressões, desculpas para faltar às aulas ou apatia”, detalha Paula.
Ela destaca ainda que há diferenças entre meninas e meninos na forma de reagir ao abuso: enquanto as meninas tendem a internalizar a dor, expressando culpa, retraimento e tristeza, os meninos costumam externalizá-la com agressividade, impulsividade e irritação.
Paula reforça que a violência contra crianças não escolhe classe social e que combater o abuso infantil é responsabilidade coletiva. Canais oficiais de denúncia, como o Disque 100 (Disque Direitos Humanos), o Conselho Tutelar e o Ministério Público, devem ser acionados sempre que houver suspeita.
Além disso, escolas, unidades de saúde, igrejas e comunidades podem desempenhar um papel crucial na escuta, acolhimento e encaminhamento das vítimas, ajudando a romper o ciclo de silêncio e impunidade que protege o agressor.