Reconstrução de estradas deve custar ao menos R$ 1 bilhão, estimou ministério -  (crédito: Reuters)

Reconstrução de estradas deve custar ao menos R$ 1 bilhão, estimou ministério

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Ainda não se sabe qual será o orçamento total necessário para reconstruir o Rio Grande do Sul e apoiar as famílias atingidas, após os estragos causados por fortes chuvas que afetaram 388 dos 497 municípios gaúchos, mas o Congresso Nacional, o governo federal e o governo gaúcho se articulam para agilizar a liberação de bilhões de reais. Apenas a reconstrução de rodovias destruídas pelas enchentes do Sul deve custar ao menos R$ 1 bilhão, segundo estimativa do ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes.

 

As inundações atingiram mais de 1,3 milhão de pessoas, segundo a administração estadual, com ao menos 100 mortes e 155,7 mil pessoas desalojadas de suas casas. Muitos estão sem luz ou água potável. As negociações para liberar recursos ocorrem em meio às restrições fiscais que atingem tanto a União como o Estado, já que ambos estão com as contas no vermelho.

 

 

Entre as medidas em discussão está a suspensão do pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com o governo federal (que pode liberar R$ 3,5 bilhões neste ano), a autorização de verbas extras fora do limite de gastos da União, e o remanejamento de despesas já previstas no Orçamento, como as emendas parlamentares (recursos que deputados e senadores podem usar em investimentos e políticas públicas).

 

Alguns parlamentares, como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), têm defendido a criação de um "orçamento de guerra", similar ao adotado na pandemia da covid-19, quando as regras fiscais foram flexibilizadas e o governo federal foi autorizado a assumir gastos extras que somaram mais de R$ 600 bilhões em dois anos, segundo o Tribunal de Contas da União.

 

Propostas de alteração da Constituição (PEC) com esse teor já foram apresentadas pela deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e o senador Alessandro Vieira (MDB-SE). A ideia, porém, está sendo criticada por especialistas em contas públicas que consideram que o "orçamento de guerra" traria uma flexibilização excessiva das regras fiscais.

 

 

Na visão desses analistas, há outros mecanismos para garantir verba extra para o Estado fora do limite de gastos da União, sem necessidade de alterar a Constituição Federal. O principal deles é a adoção de créditos extraordinários em situações emergenciais. Essa opção já está autorizada, após o Congresso aprovar na terça-feira (7/5) uma proposta de decreto legislativo apresentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva estabelecendo estado de calamidade pública no Rio Grande do Sul, até 31 de dezembro de 2024.

 

Isso permitirá ao governo liberar recursos além do limite de gastos do ano e descontar essa despesa da meta de resultado primário (diferença entre receitas e despesas não financeiras).

Rodovia destruída pelas chuvas em Lajeado (RS)
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Reconstrução de estradas deve custar ao menos R$ 1 bilhão, estimou ministério

 

A meta estabelecida pela lei orçamentária de 2024 é que o governo reverta o rombo registrado nos anos anteriores e feche o ano no zero a zero, ou seja, sem economizar ou gastar mais do que arrecada. Em 2023, a União registrou déficit primário de R$ 230,5 bilhões, valor equivalente a 2,12% do Produto Interno Bruto (PIB).

 

 

Apesar da meta de zerar o rombo neste ano, levantamento realizado pelo Banco Central semanalmente mostra ceticismo do mercado financeiro. A mediana das projeções dos analistas para este ano está em déficit de 0,67% do PIB. Defensores da redução do rombo dizem que o equilíbrio das contas públicas contribui para reduzir a inflação e os juros praticados no país, com impactos positivos para o crescimento econômico.

 

Já os críticos das medidas de austeridade fiscal dizem que o corte de gastos reduz a qualidade dos serviços públicos e a assistência do governo aos mais pobres.

 

Governos não sabem quanto será necessário

 

O presidente Lula voltou a garantir na terça-feira a rápida liberação de recursos emergenciais por meio dos ministérios. Ele ressaltou que não se sabe ainda o total que será necessário para recuperar o Estado e disse que o governo federal "vai trabalhar junto com governador [Eduardo Leite, do PSDB] em um projeto".

 

"A dificuldade inicial é que nenhum prefeito – o governador disse isso com todas as letras no último domingo – tem noção do estrago que foi feito. Por enquanto, as pessoas imaginam, pensam. Mas a gente só vai ter o estado real quando a água baixar e a gente ver o que aconteceu de fato no Rio Grande do Sul", disse em entrevista a emissoras de rádio durante o programa "Bom Dia, Presidente", produzido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC). "O que eu posso garantir é que há 100% de vontade da Câmara, do Senado, do Tribunal de Contas e do Poder Judiciário para que a gente facilite o máximo possível os recursos", acrescentou. 

 

 

O economista Gabriel Barros, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (órgão ligado ao Senado), considera inevitável o aumento de gastos para apoiar a recuperação do Rio Grande do Sul, mas é contra o "orçamento de guerra". "Não é necessário porque o crédito ordinário é suficiente para prestar solidariedade necessária ao Estado e já foi utilizado em situações anteriores similares, por exemplo momentos de seca no Nordeste", exemplificou.

 

Na sua avaliação, alterar a Constituição para autorizar gastos extras traz risco de um aumento descontrolado de despesas, em um momento em que as contas públicas já estão apertadas. Para Barros, o governo tem errado ao focar o ajuste fiscal principalmente na geração de novas receitas, com mais tributos ou retirada de benefícios fiscais, sem buscar uma contenção dos gastos.

 

Ele critica, por exemplo, a decisão de reajustar o salário mínimo neste ano acima da inflação (para R$ 1.412), despesa que pressiona os gastos públicos com Previdência Social, seguro desemprego e BPC (Benefício de Prestação Continuada, salário mínimo pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda). Já o governo diz que essa política reduz pobreza e estimula a economia, ao colocar mais dinheiro em circulação.

 

Para Barros, a estratégia do governo não deixa folga nas contas públicas para reagir a situações excepcionais, como as inundações que atingem o Rio Grande do Sul. "A preferência do governo é para aumentar despesa e essa decisão está exaurindo todo o espaço fiscal que existia", critica.

 

'Reconstrução longa e difícil'

 

Autora de uma das propostas de "orçamento de guerra", a deputada gaúcha Fernanda Melchionna diz que a medida é necessária diante de "uma reconstrução que vai ser longa, difícil e em muitas áreas". Na sua visão, é preciso adotar não só medidas de recuperação, mas também para preparar o Estado para novos episódios de chuvas fortes, já que os ambientalistas afirmam que as mudanças climáticas vão intensificar eventos extremos como as inundações que atingiram o Rio Grande do Sul.

 

Especialistas têm apontado, por exemplo, a necessidade de construir pontes mais altas ou até deslocar cidades erguidas em vales para áreas menos sujeitas a inundações. "Os próprios sistemas de alerta e de monitoramento precisam ser ampliados. As mudanças climáticas estão aí e a gente precisa mitigar os impactos de um novo normal que, infelizmente, veio pra ficar, no sentido de catástrofes ambientais", defende Melchionna.

 

A deputada lembra ainda que o Rio Grande do Sul tem um problema histórico de alto endividamento que limita a capacidade de investimentos do Estado. Devido aos juros altos, a dívida com a União cresceu 13% em 2023, somando R$ 92,8 bilhões, segundo dados da Secretária Estadual de Fazenda. Sua proposta para o "orçamento de guerra" prevê a suspensão do pagamento e que todo o recurso usado na recuperação do Estado seja abatido da dívida.

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quarta-feira (8/5) que o governo deve definir ainda nesta semana as regras para suspender a cobrança da dívida gaúcha. Mesmo antes das inundações, a Fazenda já discutia a renegociação dos juros pagos por Rio Grande do Sul e outros Estados com alto endividamento, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Segundo Haddad, essas conversas continuarão independentemente da suspensão da dívida gaúcha.

 

Melchionna propõe ainda benefícios sociais para as famílias que perderam casas e bens nas enchentes. A medida também é defendida por outros parlamentares. A bancada do PSDB na Câmara está propondo a criação do "Socorro Emergencial Gaúcho", benefício mensal de R$ 600 para famílias atingidas.


Recursos de emendas parlamentares

 

Enquanto a liberação de recursos extras é negociada, o governo anunciou o remanejamento de recursos já previstos no Orçamento de 2024. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse na terça-feira que o governo federal vai abrir, ainda em maio, uma janela para que deputados e senadores possam remanejar parte de suas emendas parlamentares para ações emergenciais no Rio Grande do Sul.

 

Segundo ele, isso permitirá redirecionar recursos que iriam para obras e compras de equipamentos, para gastos mais imediatos no socorro às vítimas das enchentes (defesa civil, saúde e assistência social). "Só da bancada gaúcha, significa R$ 448 milhões", afirmou, ressaltando que parlamentares de outros Estados também poderão redirecionar suas emendas para o Rio Grande do Sul.

 

Além disso, Padilha disse que o governo espera aprovar na quinta-feira (9/5) no Congresso Nacional uma alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que liberaria mais R$ 480 milhões de transferências especiais para os municípios gaúchos, dentro das chamadas "emendas pix", que entram direto no caixa das prefeituras.

 

Já o relator da LDO, deputado Danilo Forte (União-CE), defende que mais R$ 2 bilhões podem ser destinados de emendas parlamentares para a recuperação do Rio Grande do Sul.

 

Segundo sua proposta, esses recursos viriam dos R$ 5,6 bilhões previstos para emendas de comissões (recursos que os parlamentares podem destinar por meio das comissões da Câmara e do Senado) na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024 que foram vetados pelo presidente Lula, justamente como parte do esforço de reduzir o rombo nas contas públicas. A expectativa, porém, é que o Congresso derrube esse veto, liberando os recursos.