Lei passa a reconhecer animais de estimação como parte de família
Legislação em vigor na Espanha vê pets como seres sencientes e não como objetos, aumentando os direitos de cães, gatos e outros animais
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Os animais de estimação da Espanha deixaram oficialmente de ser tratados como objetos perante a lei. A mudança, aprovada em dezembro de 2021 e já em vigor, altera o Código Civil para reconhecer cães, gatos e outros companheiros domésticos como seres sencientes, capazes de sentir e com necessidades próprias. O impacto é profundo — e já transforma como tribunais lidam com temas que vão de divórcios a dívidas.
A reforma não aconteceu da noite para o dia. Grupos de defesa animal pressionaram durante anos para que o Código Civil deixasse de equiparar animais a bens materiais, como televisores ou móveis. Embora outras legislações europeias já reconhecessem a senciência animal, a lei civil espanhola permanecia atrasada. Com a aprovação, o país se tornou o primeiro do mundo a reconhecer que os bichinhos fazem parte oficialmente da família.
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A atualização era especialmente necessária em um país com altas taxas de adoção de animais de estimação e cerca de 30 mil divórcios por ano envolvendo pets. Até então, prevalecia a lógica da propriedade: o animal ficava com quem constava no registro. Agora, os juízes devem analisar critérios amplos e afetivos para definir a guarda.
Com a nova legislação, os tribunais passam a considerar os animais como parte da estrutura familiar. Nas separações, os juízes avaliam fatores como:
- rotina e condições de vida de cada tutor;
- estabilidade financeira;
- quem tem guarda dos filhos (pela ligação afetiva entre crianças e pets);
- histórico de cuidados com o animal.
Mesmo antes da lei entrar em vigor, alguns magistrados já aplicavam essa lógica. Em um caso emblemático de Madri, um juiz concedeu guarda compartilhada de um cachorro a um casal não casado. O animal agora passa um mês com cada tutor — algo que antes seria raro, mas, agora, tende a se tornar comum.
A lei também impede que animais sejam vendidos durante o divórcio sem consentimento mútuo e veta guarda compartilhada se houver histórico de maus-tratos, violência doméstica ou ameaças.
Fim do status de propriedade
A reforma extingue a ideia de que animais podem ser usados como garantia ou apreendidos por dívidas.
Animais de companhia e de fazenda não podem mais ser confiscados para pagamento de valores pendentes, e a Lei de Hipotecas foi adaptada para impedir que animais de produção sejam incluídos em operações financeiras.
Outra mudança importante garante que tutores que arcarem com custos de resgate ou tratamento de um animal ferido ou abandonado possam ser reembolsados, mesmo que os gastos superem o valor de mercado do animal.
Se um pet morrer ou sofrer danos físicos ou psicológicos causados por terceiros, seus tutores — e até pessoas que convivem com o animal — podem receber indenização por danos emocionais.
A maior parte da população recebeu a mudança com entusiasmo, e especialistas acreditam que o reconhecimento legal pode ajudar a reduzir o abandono de animais, que ainda gira em torno de 200 mil casos por ano.
Nas redes sociais, porém, surgiram reflexões e críticas. Alguns usuários questionaram quais espécies entram na categoria de “animal de estimação”; outros apontaram suposta incoerência do país ao proteger pets, mas manter tradições como as touradas. Por outro lado, muitos celebraram o avanço, chamando a reforma de “primeiro passo essencial” na proteção animal.
Em 2025, o Ministério dos Direitos Sociais da Espanha publicou o primeiro estudo nacional sobre proteção animal. O levantamento mostrou que mais de 80% dos cães e gatos chegam aos abrigos sem microchip, tornando difícil o reencontro com seus tutores. Esses dados subsidiarão o Plano Nacional de Combate ao Abandono Animal, que pretende padronizar protocolos, fortalecer abrigos e promover identificação obrigatória.
Mais do que uma lei: uma mudança de mentalidade
Ao reconhecer os animais como membros da família, a Espanha fortalece um vínculo que, na prática, já existia entre muitos tutores e seus pets. A nova legislação não só humaniza disputas judiciais como também aponta para uma sociedade que vê os animais não como propriedades, mas como companheiros com direitos, necessidades e importância emocional.
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O país se junta a outras nações da Europa que já haviam modernizado suas legislações. A Alemanha assegura que animais recebam cuidados adequados à espécie; a França os reconhece como seres vivos sensíveis; a Áustria e a Suíça proíbem sofrimento desnecessário e tratam animais como seres protegidos. No âmbito da União Europeia, o Artigo 13 do Tratado da UE obriga todos os membros a considerarem o bem-estar animal na formulação de políticas públicas.