Cinco nacionalidades, cinco histórias nas quais Belo Horizonte é personagem, cenário e enredo principal de estrangeiros que escolheram ou foram acolhidos pela cidade. Para o aniversário de 128 anos de BH, comemorado nesta sexta-feira (12), conversamos com moradores da capital mineira nascidos na França, Itália, Colômbia, Peru ou Haiti para ouvir como suas trajetórias se cruzaram com a cidade e mostrar como o amor, em diferentes formas, fez eles ficarem aqui.

Cheia de encantos, contradições, carências e exuberâncias – tudo ao mesmo tempo –, Belo Horizonte é para esses imigrantes uma capital muito receptiva e, na opinião de um deles, uma cidade na qual “falta só uma praia para ser perfeita”. Conheça a seguir as histórias mineiras de Fabien, Simone, Javier, Yanaki e Junior. 

Amor pelo jeitinho mineiro

"BH é uma cidade muito boa para viver e trabalhar", diz o chef francês Fabien Eynard

Larissa Kümpel/EM/D.A Press

O chef francês Fabien Eynard, de 30 anos, está há quatro anos em Belo Horizonte por uma razão típica de comédias românticas: um relacionamento amoroso. Uma ex-namorada nascida em BH, que ele conheceu em Buenos Aires, o apresentou à capital mineira. O relacionamento terminou, mas o francês se apaixonou pela cidade. “Perdi uma namorada e ganhei uma casa”, brinca.

 

"“O povo daqui é muito acolhedor. Dá muito amor, tipo, de graça. Sinto isso na rua”"
por Fabien Eynard

Fabien é de Lyon, no Centro-Leste da França, e trouxe para a capital mineira uma especialidade gastronômica e moderna de sua cidade natal: o taco francês. Em BH, ele decidiu viver um sonho antigo e abriu um restaurante, O Petit Francês, no Bairro Santo Antônio, Região Centro-Sul da capital. Antes, o chef trabalhava com comércio internacional e não gostava da rotina de escritório, mas viu na troca de país uma oportunidade para buscar aventuras e mudança de vida.

“Me sinto em casa em BH e foi muito fácil me adaptar. Na cultura, tem algumas coisas que ainda não entendo, tipo o atraso brasileiro, e repetir arroz e feijão todos os dias. Conheço parte da Ásia, um pouco da África e das Américas, mas não senti esse amor que o povo te dá assim de graça, essa energia humana, em nenhum lugar, exceto aqui”, afirma Fabien.

Para ele, o conforto e a tranquilidade da cidade são motivos para continuar nela. Um lugar com um “clima meio de vilarejo, onde todo mundo se conhece”, bom para viver e trabalhar. Contudo, o francês ressalta a desconfiança do povo mineiro com produtos novos, o que inicialmente dificultou seu empreendimento, mas que, como um bom mineiro de coração, Fabien soube contornar. Apaixonado pela culinária local, ele já elegeu o frango com quiabo como seu prato favorito em Minas.

Amor pelas artes

A artista visual Yanaki Herrera construiu família e forte laços de amizades em BH

Larissa Kümpel/EM/D.A Press

Belo Horizonte se tornou o lar e o berço da carreira artística de Yanaki Herrera, artista visual peruana de 30 anos. Nascida em Cusco e criada em Lima, ela veio ao Brasil em 2016, inicialmente para visitar seu pai no litoral de São Paulo. Antes, ela morou na Bolívia por dois anos, onde sua mãe, artesã, se mudou por motivos econômicos. Há nove anos em Belo Horizonte, Yanaki construiu aqui família e uma rede de amizades.

“Demorei para me integrar, de fato. Quando cheguei aqui no Brasil, só sabia falar 'obrigada'. Então, a língua também foi, muitas vezes, uma barreira para eu conseguir me comunicar. Foi um longo processo, tive que começar do zero”, relembra. E por indicação do pai, que tinha morado em BH, Yanaki se mudou para a capital mineira, onde ela encontrou nos bares e na feira do Mineirinho, na Pampulha, espaço para vender seu artesanato e se manter na cidade.

Aprovada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para o curso de artes visuais, ela se especializou em pintura, profissão que a guiou em meio aos desafios de se tornar mãe durante a pandemia de COVID-19. No período de isolamento, se dedicou a uma série de pinturas sobre maternidade, pandemia e situação migratória. “Considero que BH foi importante para mim, para minha história, para minha vida, porque aqui eu comecei a minha carreira e virei mãe. Foi a cidade onde meu filho nasceu. Então, guardo um carinho muito forte. Quando viajo e saio da cidade, fico com muita saudade”, afirma.

Porém, Yanaki não descarta mudar de cidade para ampliar suas oportunidades de trabalho. “Acho que em questões profissionais mesmo, São Paulo e Rio de Janeiro terminam sendo, de fato, um destino para quem quer ter uma carreira enquanto artista visual, pintora, enfim, se inserir mais no circuito das artes”, comenta.

Amor livre de preconceito

Em Belo Horizonte, Junior ST Juste encontrou a valorização profissional que procurava

Mannu Meg/EM/D.A Press

Aos 35 anos, Junior ST Juste deixou o Haiti pela primeira vez pouco tempo depois do grande terremoto que devastou o país, em 2010. Chegou ao Brasil pelo Acre, em busca de melhores oportunidades de estudo e trabalho, atraído por uma iniciativa do governo brasileiro de acolhimento dos milhares de haitianos atingidos pela catástrofe. De lá, seguiu para Porto Alegre, onde um primo vivia.

Apesar da boa formação e de falar cinco línguas, Junior diz não ter encontrado receptividade, e as vagas que procurava na capital gaúcha. “Vi que existe brasis dentro do Brasil”, desabafa ao citar preconceitos sofridos. Em contato com haitianos de uma comunidade que se mudou para Belo Horizonte, Junior começou a descobrir um novo país. “Fui percebendo Belo Horizonte ficar mais aberta para receber a gente. Belo Horizonte e o estado de Minas Gerais é um povo que tem o coração aberto, sempre um sorrisão, pronto pra ajudar”, afirma.

Na capital mineira, conseguiu vaga no ramo hoteleiro, no qual atua como supervisor em um hotel de luxo, e atualmente cursa engenharia na PUC-Minas. “Um estado assim é preciso ter respeito, porque o pessoal te valoriza. Então, por isso que eu destaquei Belo Horizonte como cidade do coração. Eu gosto muito daqui mesmo.”

 

O encanto pelos mineiros levou Junior a constituir família na cidade, onde se casou e teve um filho. O futuro em Belo Horizonte, Junior diz construir com perseverança e fé. “Primeiramente, a gente tem de acumular conhecimento. Eu sempre disse duas coisas na vida: aonde você for, se você tem Deus e conhecimento, não existe barreira. E, com certeza, estou preparando um futuro melhor hoje”, afirma.

Amor na coletividade

O colombiano Javier Galindo se encantou com as relações próximas que os mineiros constroem

Mannu Meg/EM/D.A Press

Javier Galindo, colombiano de Bogotá, chegou ao Brasil em 2004, inicialmente no Rio de Janeiro, para um trabalho de criação de roteiros para audiovisual. Pouco depois, esteve em BH para trabalhar como assistente de direção e, como ator formado em artes cênicas, se interessou pelo curso profissionalizante do Grupo Galpão. Javier, então, organizou suas coisas na Colômbia e, em agosto de 2005, se mudou para a capital mineira.

“O Rio é muito bonito, mas muito frenético. Senti essa coisa do carioca de sempre querer sair ganhando. Então, quando eu cheguei aqui em BH, já gostei. Na época, o clima era muito legal e me senti identificado com a cidade, com a questão cultural. Acredito que Belo Horizonte tem uma questão cultural, uma efervescência artística que me conquistou”, diz.

 

""Algo que me surpreendeu foi o fato de ver as pessoas dividindo a cerveja no copo lagoinha""
por Javier Galindo

Apesar da dificuldade com o português, em especial o mineirês, a cultura local o impactou. Em especial a cultura do boteco. “Aqui a cultura dos bares é forte, lugar de contato, de convívio com os amigos, de conhecer pessoas. Algo que me surpreendeu foi o fato de ver as pessoas dividindo a cerveja no copo lagoinha. Na Colômbia, cada um resolve o seu lado e não tinha essa coisa coletiva”, comenta Javier.

Ao longo de seus 20 anos na cidade, Javier construiu uma vida e uma carreira artística. Aqui, formou a orquestra de música latina União Latina, com ênfase em salsa e ritmos caribenhos, e lançou um disco autoral: “La Negra Tierra”, em 2013. Aos 46 anos, ele sabe que vai chegar o momento em que vai ter que voltar à cidade de origem para cuidar de seus pais, mas considera Belo Horizonte seu novo parâmetro de casa. “Aqui tô me sinto muito bem e tenho construído minhas coisas”, diz Javier, que fundou também o Teatro 171, com sede em Santa Teresa. 

Amor pela culinária 

Para o italiano Simone Biondi, a tradiçao gastronômica e a oportunidade de negócios são atrativos em BH

Mannu Meg/EM/D.A Press

O italiano Simone Biondi morou muitos anos na Espanha antes de se mudar para Belo Horizonte. A razão inicial para a mudança foi o casamento com uma mineira por quem se apaixonou. Após um período juntos, em 2011 ela decidiu retornar ao Brasil, e Simone a seguiu.

Apesar do divórcio um tempo depois, o chef de cozinha escolheu permanecer na capital mineira. Motivado pela tradição gastronômica da família, e com uma rede de parceiros de negócios, montou o restaurante Est! Est!! Est!!!, na Região Centro-Sul de BH. A casa foi inaugurada, coincidentemente, no aniversário de Belo Horizonte, em 12 de dezembro de 2012.

A semelhança entre a cultura brasileira e a italiana no que diz respeito à família, ao abraço e ao calor humano, segundo Simone, contribuíram para que ele ficasse no Brasil. “Para Belo Horizonte ser perfeita, falta uma praia. Sou de cidade com mar, mas fui me acostumando, comecei a gostar de roça, gostar das trilhas, das cachoeiras. Fiquei aqui e continuo aqui com muito prazer”, conta.

 

"“Belo Horizonte e Minas em si têm um potencial grande de melhoria, de expansão”"
por Simone Biondi

Para Simone, BH passou nos últimos anos por melhorias paisagísticas, culturais e gastronômicas. Segundo ele, a cidade demonstra uma abertura a diferentes culturas, e o mercado de produtos, importados ou nacionais, melhorou. “A gente usa café nacional, azeite nacional e italiano, e embutidos e queijos mineiros. Muitos aspectos contribuem para que eu fique aqui em Belo Horizonte e execute as receitas mais tradicionais e autênticas italianas”, afirma.

compartilhe