O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) recomendou a prisão preventiva dos dois investigados pelo ataque à Alice Martins Alves, de 32 anos, na Savassi, em Belo Horizonte, em 23 de outubro. Quarenta dias depois que a vítima foi espancada, até o início da tarde desta quarta-feira (3/12), os homens ainda não haviam sido presos.

Os suspeitos foram identificados como funcionários do Bar Rei do Pastel, com unidades pela Savassi, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte.

Em 13 de novembro, quatro dias depois da morte de Alice, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) enviou um pedido ao 1º Tribunal Sumariante do Tribunal do Júri de Belo Horizonte pela prisão preventiva da dupla. No dia seguinte, o MPMG reforçou a solicitação e se manifestou favorável à medida liminar. O pedido foi indeferido pela Justiça, no entanto, na última quarta-feira (26/11), o MPMG enviou um recurso sobre a decisão.

No documento, ao qual o Estado de Minas teve acesso, o Ministério Público destaca que as investigações comprovaram que a motivação do crime foi torpe e fútil. Conforme repassado pela PCMG, Alice foi perseguida e brutalmente agredida por ter se esquecido de pagar uma conta de R$ 22. E, apesar do bar ter uma cultura de permitir que clientes recorrentes, como era o caso da vítima, quitassem possíveis débitos em outra oportunidade, a mulher trans foi perseguida pelos suspeitos.

“Trata-se de crime hediondo (feminicídio), praticado por motivo fútil, torpe e utilizando-se de recurso que dificultou a defesa da vítima (que estava embriagada), ação violenta, covarde e desproporcional”, afirmou o MPMG.

Além disso, a promotoria destacou que a materialidade e os indícios de autoria são suficientes para o pedido ser expedido. De acordo com a solicitação, os garçons foram identificados por outro funcionário do estabelecimento, que foi categórico em seu reconhecimento. O MPMG também argumentou que um dos suspeitos possui registros criminais por tentativa de roubo e uso de drogas.

“A frieza dos investigados, que, segundo o gerente, retornaram ao trabalho ‘calmamente’ após o crime, e a própria natureza bárbara do delito indicam que quaisquer medidas cautelares diversas da prisão são inadequadas e insuficientes”, informou.

O que disse a Justiça?

Apesar dos pedidos de prisão preventiva, até o momento, a Justiça não determinou a medida cautelar. Na decisão, a juíza Ana Carolina Rauen argumentou que não há elementos suficientes que comprovem que a causa da morte de Alice tenha relação direta às agressões sofridas. Além disso, a magistrada afirmou que, até o momento, a investigação não mostrou qual foi a participação de cada investigado, estando a informação “nebulosa” e, por isso, demanda “melhor aprofundamento na individualização de suas ações”.

“O nexo causal, portanto, mostra-se incerto, sendo temerário, nesta fase embrionária da persecução penal, atribuir aos investigados responsabilidade por resultado mais gravoso sem adequada comprovação técnico pericial”, escreveu.

No recurso, enviado ao Tribunal Sumariante, o Ministério Público afirmou que a magistrada não considerou a gravidade do crime. “A decisão que indeferiu a prisão preventiva não pode prosperar, uma vez que desconsiderou a gravidade concreta dos fatos e a evidente periculosidade dos agentes, elementos que, por si sós, configuram o periculum libertatis e a imprescindibilidade da custódia para a garantia da ordem pública, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal”. 

Em relação ao argumento da juíza de que não há indícios que comprovem que o óbito teve relação com os ferimentos provocados pelo ataque, o promotor Guilherme de Sa Meneghin afirmou que registros médicos comprovaram que as fraturas de três costelas de Alice causaram a perfuração do intestino. “Embora o laudo pericial inicial não tenha atestado perigo de vida ou incapacidade superior a 30 dias , ele é datado de 5/11/2025 , antes do óbito ocorrido em 9/11/2025 por sepse resultante da perfuração intestinal causada por fragmento de costela fraturada , conforme consta da própria narrativa judicial e do requerimento do Ministério Público (MP) para obtenção de laudo complementar”, argumentou.

Como foi o crime?

Alice foi perseguida e atacada por dois homens na madrugada de 23 de outubro. Durante o registro de ocorrência, em 5 de novembro, ela relatou que não conhecia os suspeitos e identificou um deles apenas como homem, branco, cabelos escuros, usando calça jeans e camisa preta. No entanto, em áudios divulgados à imprensa, uma pessoa afirma que os envolvidos trabalham no estabelecimento que a vítima estava horas antes.

Durante coletiva de imprensa, a delegada Iara França, do Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios, da PCMG, afirmou que a vítima estava no local consumindo bebida alcoólica quando foi embora sem pagar. De acordo com a responsável pelo inquérito, o bar já tinha o costume de, "caso um cliente recorrente, por algum motivo, não quitasse a conta poderia fazê-lo em outro momento".

No entanto, Alice teria sido perseguida e ameaçada pelos suspeitos. Uma câmera de segurança flagrou o momento que os homens a abordaram e questionaram sobre a quitação da suposta dívida. No áudio é possível confirmar que a mulher afirmou que havia efetuado o pagamento. Apesar disso, a resposta não foi bem vista pela dupla, que começou agredi-la. O equipamento de segurança também captou gritos de socorro da vítima e insultos transfóbicos, por parte dos homens.

De acordo com a delegada Iara França, apesar de haver indícios de que as agressões sofridas por Alice tenham sido motivadas por uma dívida, a Polícia Civil também trabalha com a hipótese que a mulher foi vítima de transfobia. A possibilidade ganha força, segundo a delegada, pela intensidade da violência.

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Além disso, a mulher relatou à polícia que demorou a procurar a delegacia da mulher por sentir medo dos suspeitos e também ter ficado envergonhada. Por isso, durante o registro da ocorrência, ela, inclusive, passou características genéricas de um dos suspeitos, identificando-o apenas como homem, branco, de cabelos escuros e usando calça jeans e camiseta preta.

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