Especializado em biografia de figuras da monarquia e do período imperial, o paulista Paulo Rezzutti é autor do livro “D. Pedro II” (volume 2 da série “A história não contada” – Grupo Editorial Record). No sábado (29/11), ele fez palestra no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), em Belo Horizonte, durante a sessão solene de reverência à memória do imperador pelo bicentenário do seu nascimento. Segundo Rezzutti, o imperador teve papel fundamental nos rumos do Brasil: “Dom Pedro II foi quem conseguiu unir todas as províncias em uma ideia de país”. Acompanhe os principais pontos da entrevista com o escritor, pesquisador e arquiteto.

Podemos começar pelo título do seu livro: qual a história não contada?
A parte mais humana das grandes personagens históricas muitas vezes é deixada de lado. É isso que eu busco trazer nessa e em outras biografias.

Como o senhor é o biógrafo do imperador dom Pedro II, que característica dele mais admira?
Acho admirável o caráter, a integridade, o modo de tratar a coisa pública e a forma como ele buscou, pela educação e pela ciência, trazer para o Brasil o que havia de melhor.

E qual acredita ser um traço da personalidade que pode ter atrapalhado seus projetos à frente do império?
Acredito que o seu ceticismo e o seu cansaço em relação ao seu papel como soberano podem ter comprometido bastante o Império e dado brecha para o fim da monarquia.

Na sua avaliação, qual o maior legado do imperador?
Dom João arquitetou o Estado nacional de 1808 em diante, dom Pedro I esteve à frente do processo da Independência, e dom Pedro II foi quem conseguiu unir todas as províncias em uma ideia de país.

O que temos a aprender, neste século 21, com dom Pedro II?
O trato com a coisa pública, com o pensar o Brasil ao invés do seu próprio enriquecimento, a ideia de projetar uma nação para o futuro com políticas de longo prazo e não imediatistas em busca de reeleições.

Dom Pedro II era um homem que amava muito o Brasil, certo? Sofreu muito ao deixar para sempre o país?
Sim, é bem triste ler seus diários do exílio e ver a saudade que o devastava. Há passagens em que ele anota que havia sonhado que o tinham deixado retornar, mas alguém acendeu a luz do quarto e ele acordou. As cartas a Taunay e outros brasileiros são repletas de saudades.

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A cultura sempre teve grande importância na vida do imperador. Ele se preocupava que os brasileiros tivessem oportunidade de estudar?
Sim, na realidade, a Constituição de 1824 tornava o ensino um direito dos brasileiros, mas a qualidade era duvidosa, quando havia algum tipo. Em suas viagens pelo Brasil, ele fazia inspeções em escolas e faculdades para verificar a frequência dos alunos e o nível dos professores. Dom Pedro chegou a proibir que fundissem uma estátua em bronze para ele. Em vez disso, com o dinheiro, mandou que fossem construídas escolas no Rio de Janeiro, as chamadas "Escolas do Imperador", algumas das quais ainda existem.

Foi com dom Pedro II que as ferrovias tiveram expansão. Quais foram os trechos pioneiros?
A Estrada de Ferro Mauá, ligando o Rio de Janeiro a Magé. Tanto as estradas de ferro como a primeira estrada de rodagem, a União e Indústria, foram vistas como positivas por dom Pedro. Tudo que ajudasse a unir o Brasil era fundamental, incluindo as linhas telegráficas.

Ele gostava muito de viajar, de fotografar, enfim, conhecer o mundo. Conseguiu, de certa forma, conjugar vida pessoal e a responsabilidade administrativa?
Muito pouco, as viagens para fora do Brasil foram relativamente poucas, bem menos do que ele gostaria. Ele saiu três vezes, sendo a última em 1887, para tratar da saúde. Quando ele ia para fora do Brasil, deixava a princesa Isabel como regente, já a preparando para o próximo reinado e se recusando a dar a ela informações a respeito do que deveria fazer. Dizia que a regente era ela e que, fora do Brasil, ele era apenas o cidadão Pedro de Alcântara. Quando viajava pelo Brasil, continuava governando. Graças aos correios e aos telégrafos, era possível ele se comunicar mesmo fora da corte.

No seu período como imperador, houve a Revolta Liberal de 1842, com combates em Minas, e a Guerra do Paraguai. Esses foram os maiores desgastes no Segundo Reinado (1840 a 1889)?
A Revolta Liberal de 1842 foi um choque para ele, que havia acabado de ser colocado no poder com o Golpe da Maioridade, em 1840. Foi coroado em 1841 e, no início de seu reinado, invocando o Poder Moderador, dissolveu a Câmara dos Deputados antes mesmo de ela tomar posse, anulando as eleições e convocando outra, o que levou à Revolta Liberal. A Guerra dos Farrapos, mas sobretudo a Guerra do Paraguai, foram os dois grandes desgastes de seu reinado.

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Se o senhor pudesse se encontrar com dom Pedro II, o que gostaria de saber dos bastidores políticos daquela época?
Eu teria inúmeras dúvidas. Mas a principal é que eu queria que ele me explicasse por que não foi possível fazer a libertação dos escravizados antes. Eu entendo os fatores, mas eu queria confirmar de viva voz e da boca dele.

Para Minas, temos, com Pedro II, a inauguração da primeira estação ferroviária (Chiador, na Zona da Mata) e criação do Tribunal da Relação, atual Tribunal de Justiça/TJMG. O senhor destacaria outro benefício?
A criação da Escola de Minas. O estado e todas as grandes mineradoras que atuam na região devem a dom Pedro II a criação da primeira escola em Minas Gerais a formar engenheiros capacitados para minas, bem como outros especialistas em minerais. O decreto de criação completou 150 anos este ano, em 6 de novembro. 

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