MANIFESTAÇÃO POLÊMICA

Prisão de indígena em BH põe protesto com pichação em debate

Para representantes de povos nativos, escrever em monumento foi ato político e não vandalismo. SLU aponta prejuízos e pede que a população colabore

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 Vandalismo ou manifestação política? A discussão sobre o ato de uma mulher da etnia Borun Xonin, detida no domingo (14/12), na Praça da Estação, durante a manifestação contra o Projeto de Lei da Dosimetria, coloca o poder público e entidades indígenas em lados opostos. Segundo a Guarda Civil Municipal e relatos de testemunhas, a mulher é suspeita de pichar “Brasil Terra Indígena” no Monumento à Terra Mineira, que fica em frente ao Museu de Artes e Ofícios. Especialista ouvida pelo Estado de Minas concorda que o ato da indígena não foi simples vandalismo. O Comitê Indígena Mineiro e o advogado de defesa da indígena condenaram a prisão e disseram se tratar de uma manifestação política e simbólica. A mulher foi solta na noite de domingo.

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A Prefeitura de Belo Horizonte informa que a limpeza de pichações é feita rotineiramente pela SLU em locais públicos, em obras de engenharia urbana, principalmente em viadutos, passarelas, trincheiras, túneis e alças de ligação. Segundo a PBH, em 2025, até outubro, foram limpos 17.455,85m², ao custo de R$ 391.703,55. No ano passado, foram 19.608,07m², ao custo de R$ 437,838,25. Já em 2023 foram limpas pichações em 7.463,69m², ao custo de R$ 197.648,18. Além disso, neste ano 22 pessoas foram detidas pelo crime, contra 27, em 2024, e 26, em 2023.


A chefe do Departamento de Serviços de Limpeza Urbana da SLU, Erika Santos Resende, explica pichações são apagadas de forma regular e contínua na cidade. “Temos uma equipe que atua em Belo Horizonte todos os dias e o registro das áreas mais comumente atingidas por essas ações de vandalismo. A partir deste entendimento técnico, procedemos com vistorias diariamente nessas áreas. Sendo identificada a pichação, as ordens de serviço são elaboradas e encaminhadas à empresa executora.”


O serviço é feito por uma empresa terceirizada. “A limpeza da pichação envolve a utilização de produtos como thinner ou a cobertura especial com tinta. A partir do momento que a pichação é identificada, observa-se qual a melhor maneira de fazer a remoção”, pontua.

Erika Resende destaca que a SLU atua, principalmente, na limpeza de passarelas e viadutos. “De forma geral, grande parte dos monumentos são tombados e esses, cujas características das estruturas precisam de um ‘olhar especial’, não seria caso de remoção de pichação e sim restauração.” Nesses casos, a responsabilidade pelo serviço é da Secretaria Municipal de Cultura. “No monumento da Praça da Estação foi possível fazer a retirada, sem nenhum prejuízo. Mas, de maneira geral, não fazemos a restauração, somente a limpeza desses locais, cuja estrutura, geralmente, é o concreto ou cimento comum.”


Ela reforça que ações de vandalismo geram prejuízo ao poder público e ao erário. “Convidamos a população a se responsabilizar e se apropriar das áreas públicas, ajudando a preservar esses locais. Para que este recurso, que é destinado à remoção de pichações, possa ser destinado para outros serviços públicos de limpeza urbana.”

MANIFESTAÇÃO POLÍTICA

O advogado Daniel Deslandes, responsável pela defesa da indígena, diz que a pichação “Brasil Terra Indígena” na base do monumento tem cunho de manifestação política e simbólica. Segundo Deslandes, ela foi detida durante o protesto contra o PL da Dosimetria e manifestação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib, contra o Marco Temporal. Na tarde de ontem, a mulher passou por audiência no Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte. Porém, o advogado não informou o que ficou determinado na audiência.


O Comitê Indígena Mineiro, que também acompanha o caso desde a prisão, afirmou, em seu perfil nas redes sociais, que a mulher foi presa de forma brutal por exercer um direito básico: de se manifestar contra o Marco Temporal e pela demarcação dos territórios indígenas. Segundo a entidade, o ato foi um protesto legítimo contra a imagem de um bandeirante conhecido como “Caçador de Esmeraldas”.


“Essa figura histórica não representa heroísmo. Para os povos indígenas, os bandeirantes simbolizam violência, massacres, escravização, sequestro de crianças, destruição de aldeias, roubo de territórios e estirpe de mulheres. Foram responsáveis por inúmeras mortes e pelo apagamento de culturas inteiras em nome da exploração e da colonização. Manter uma estátua em homenagem a esse personagem é, para os povos indígenas, uma violência simbólica contínua: é glorificar quem causou dor, sangue e sofrimento; é dizer que a história dos opressores vale mais do que a memória das vítimas”, diz um trecho da postagem no perfil do comitê.


Arquiteta urbanista e doutora em Planejamento Urbano e Regional, Elisabete Andrade concorda com o posicionamento do comitê. “É muito simbólico ela fazer isso em um monumento erguido em homenagem a pessoas que massacraram indígenas”, ressalta. Para a especialista, o ato da manifestante foi decolonial. O termo se refere a uma corrente de pensamento que surgiu na América do Sul na entrada do século 21. Ela critica a modernidade e o eurocentrismo e seus principais teóricos analisam as cicatrizes, as sequelas e as recorrências contemporâneas da dominação colonial e refletem sobre a necessidade de descolonização do poder, do saber e do ser.


“São essas pessoas que constroem a cidade, a sociedade. Primeiro, elas são recebidas no árido (as fontes da praça estavam desligadas) e, depois, com armas. A truculência da PM e a ação da prefeitura foram muito pouco amistosas aos cidadãos. Acho que poderia ter sido resolvido em um diálogo”, analisa.


A arquiteta urbanista acredita que a população está se apropriando da rua e do espaço público e avalia que a medida é importante para a formação de uma sociedade melhor. “Acho que é uma apropriação da História, dentro da possibilidade que este ator tem de se manifestar e se fazer visto. Ela aproveitou a multidão para fazer isso. Não pichou a parte da frente, mas a de trás (do monumento). Então só quem tivesse entrado dentro da praça poderia ver a pichação. Ela foi militante de uma causa e que fez de uma forma possível. Na manifestação estavam todas essas causas: Marco Temporal, Escala 6x1, feminicídio, violência sexual contra as crianças junto com a pauta do Congresso inimigo do povo.”


CRIME E MULTAS

A pichação é um crime previsto no art.65 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), com pena de detenção de 3 meses a 1 ano, e multa. A multa pode ser agravada se o alvo da pichação for um bem público ou tombado. Além das sanções criminais, o infrator pode ser obrigado a custear a limpeza e reparação do local, conforme determina o Código Civil.


Em Belo Horizonte, a Lei 11.318/2021 regula o tema. Em seu art.1°, a norma estabelece a diferenciação entre arte urbana, grafite e pichação. A pichação é descrita como o “o ato de riscar, desenhar, escrever, manchar ou, por outro meio, sujar ou degradar, sem consentimento do respectivo proprietário, edificação, mobiliário ou equipamento público ou privado.”

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“Manter uma estátua em homenagem a esse personagem (o bandeirante Fernão Dias Paes) é, para os povos indígenas, uma violência simbólica contínua”


Comitê Indígena Mineiro


“É muito simbólico ela fazer isso em um monumento erguido em homenagem a pessoas que massacraram indígenas”


Elisabete Andrade
Arquiteta urbanista e doutora em Planejamento Urbano e Regional


“Convidamos a população a se responsabilizar e se apropriar das áreas públicas, ajudando a preservar esses locais”


Erika Santos Resende
Chefe do Departamento de Serviços de Limpeza Urbana da SLU

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No art.4°, a lei determina que a pichação constitui uma infração administrativa, punida com multa. O valor pode variar entre R$ 800 e R$ 3.800, independentemente de sanções penais e da obrigação de indenizar danos materiais e morais.


Além disso, se o ato for feito em um monumento ou bem tombado, o valor da multa pode variar entre R$ 1.600 e R$ 7.200, além do ressarcimento das despesas de restauração do bem pichado. Em caso de reincidência, o valor da multa pode dobrar até o valor máximo de R$ 14.400.


A lei também estabelece que, até o vencimento da multa, o responsável pela pichação poderá firmar um Termo de Compromisso de Reparação do Espaço Público. Se o termo for cumprido integralmente, a multa não será cobrada. Ele prevê que o infrator tem a obrigação de reparar o bem ou prestar serviços em outra atividade equivalente de recuperação ou manutenção do espaço público.


Na terça-feira (9/12), um projeto de lei que propõe aumento do valor das multas por pichação foi votado em 1° turno na Câmara Municipal de Belo Horizonte. Se aprovado, a multa para pichação de monumentos ou bens tombados poderá ser de até R$ 10 mil.


MONUMENTO À TERRA MINEIRA

O Monumento à Terra Mineira está localizado em frente ao Museu de Artes e Ofícios, na Praça da Estação. Segundo o site Portal Belo Horizonte, da Belotur, a obra é do escultor Giulio Starace e foi inaugurada em 15 de julho de 1930.

Esculpido em granito, o monumento representa o domínio do território pelos bandeirantes e a conquista da liberdade pelos mártires da Inconfidência Mineira. Ele é composto por uma figura alegórica de Minas e por quatro relevos encravados no bloco central. Na parte da frente, há a representação do bandeirante Bruza Spinosa. Na face lateral direita, é representado o martírio de Tiradentes. Na face lateral esquerda, está a representação do martírio do inconfidente Filipe dos Santos. Já na face posterior, o representado é o bandeirante Fernão Dias Paes, conhecido como o “Caçador de Esmeraldas”.


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No alto, há a figura de um homem nu inspirada no deus Apolo, segurando uma bandeira, também de bronze, que representa o heroísmo do cidadão mineiro. Abaixo de uma das placas está uma inscrição em latim “Montani Semper Liberti”, que quer dizer “A montanha sempre está livre". 

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