Nova fase no combate à dengue
Não se pode mais fechar os olhos para a nova possibilidade sanitária que se avoluma no país a partir dos avanços da ciência nacional
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Batendo à porta, a próxima temporada da dengue vai encontrar nova barreira sanitária: uma vacina 100% nacional, produzida pelo Instituto Butantan, com características que, na opinião de especialistas, podem mudar o curso do combate à doença. Mais oportuno impossível. O ciclo de 2024 foi o pior da história – com 6,4 milhões de casos, cerca de 6 mil mortes e estruturas de saúde que quase colapsaram diante do excesso de pacientes –; no seguinte, os números arrefeceram; e o de agora deve manter o patamar. Fora da excepcionalidade, portanto, o Brasil tem condições mais propícias para reforçar o arcabouço protetivo contra a traiçoeira infecção.
No momento, estão prontas para a distribuição 1 milhão de unidades da Butantan-DV e trabalha-se com a projeção de 1,8 milhão de infectados entre outubro de 2025 e outubro de 2026, sendo de 65% a 70% moradores da Região Sudeste. O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Leandro Safatle, afirmou que profissionais de saúde devem ser os primeiros imunizados, em razão da limitação de imunizantes, e que a ampliação de protegidos se dará à medida que a produção deslanchar – estima-se a oferta de mais de 30 milhões de doses em meados de 2026.
Seguido o roteiro, quando o novo ciclo perigoso da dengue começar – tradicionalmente, os surtos são espaçados por períodos de dois a quatro anos –, o país poderá estar mais preparado para contê-lo. Duas características da Butantan-DV sustentam tal afirmação: ela protege contra os quatro sorotipos do vírus da doença e por meio de dose única, diferenciando-se da tecnologia já disponível. “Há, agora, a possibilidade de resposta rápida em regiões com surtos. Vacinas que exigem duas aplicações dependem de intervalo de meses para alcançar efeito pleno. A nova formulação permite ação imediata e amplia a adesão, especialmente em operações de bloqueio”, resume Leandro Safatle.
Para tanto, será preciso vencer um movimento de negação à eficácia de vacinas que contamina o país há anos. Em janeiro último, apenas metade das doses de Qdenga disponíveis desde fevereiro de 2024 havia sido aplicada – isso logo depois da epidemia histórica. Também altamente infeccioso, o sarampo teve um aumento recente na cobertura da segunda dose – de 57,6% em 2022 para 80,1% em 2024 –, mas está longe da meta de 95% indicada por especialistas. Ainda que os esforços do governo atual contra o movimento antivacina tenham ganhado fôlego, os números não deixam dúvidas de que é preciso investir em novas estratégias de imunização.
Também são incabidos questionamentos à robustez da Butantan-DV. Resultados publicados em revistas científicas renomadas, como a britânica The Lancet, indicam eficácia geral de 74,7% e proteção de 91,6% contra formas graves de dengue. Não à toa, agências de outros países têm demonstrado à Anvisa interesse em integrar a fórmula a seu repertório de tecnologias em saúde coletiva, reafirmando a importância do Brasil como um player estratégico no cenário sanitário internacional.
A recente escolha de Luciano Moreira entre os 10 nomes que mais influenciaram a ciência em 2025, lista elaborada pela prestigiada revista Nature, é outra prova da força do país no combate à doença. O engenheiro agrônomo, pesquisador da Fiocruz, lidera uma iniciativa que, há uma década, altera o Aedes aegypti para bloquear a transmissão da dengue, zika e chikungunya. Levantamentos mostram que a soltura do mosquito modificado reduziu em até 70% o número de pessoas infectadas.
Não se pode mais fechar os olhos para a nova possibilidade sanitária que se avoluma no país a partir dos avanços da ciência nacional. É dever coletivo mudar os rumos do enfrentamento à dengue no Brasil: com adesão à nova vacina e constância na prática das estratégias consolidadas de contenção.