Minas registra 18 casos de maus-tratos a animais ao dia
Em dez meses, mais de 5,5 mil ataques a bichos foram notificados às autoridades de segurança, apontam dados da Sejusp. Para ativistas, estrutura e resposta do p
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O conceito de que todos os seres vivos merecem viver com dignidade e liberdade deu origem ao Dia Mundial dos Direitos dos Animais, celebrado ontem (10/12). Entretanto, o ideal está longe da realidade mineira, que registra uma média de 18 casos de maus-tratos contra bichos por dia, conforme levantamento da Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp-MG), entre janeiro e outubro. Segundo os últimos dados disponíveis, somente nos primeiros dez meses deste ano, o número de casos consumados levados ao conhecimento das autoridades de segurança chegou a 5.540, contra os 3.750 do mesmo período de 2024 – um aumento de 47,6%.
De lá para cá, o número continuou crescendo, como mostram casos registrados nas redes sociais e noticiados pela imprensa. Em 30 de novembro, uma gata foi pintada em frente de casa no Bairro Novo Horizonte, em Araxá, no Alto Paranaíba. O pet tentava entrar na casa da tutora quando três homens se aproximaram. Um deles acariciou o felino, mas um segundo espirrou o spray nos pelos brancos do animal. Câmeras de segurança flagraram o momento e mostram os suspeitos indo embora rindo.
Até o fechamento desta edição ninguém havia sido detido, mas quatro pessoas foram ouvidas, incluindo dois dos três homens que aparecem nas imagens. O suspeito apontado como responsável por aplicar o spray, além de identificado, foi intimado para prestar depoimento. O produto utilizado foi apreendido, e o animal – que passa bem – passou por perícia. A Delegacia Especializada do Meio Ambiente de Araxá instaurou um inquérito policial para apurar o caso.
Em julho, caso semelhante chamou a atenção em Araxá. Outra gata branca foi pintada de rosa com tinta de móveis, acendendo um alerta para uma prática cruel que se repetiu em diferentes partes do país ao longo do ano: o uso de corantes tóxicos em animais. O bichano foi encontrado sem água e comida na casa da própria tutora. Além do sofrimento imposto aos animais, especialistas alertam para os riscos de intoxicação, alergias e até morte dos bichos expostos a esses produtos químicos. Todos os casos são tratados como crime de maus-tratos.
No mesmo mês, um cachorro pintado de verde foi visto perambulando pelas ruas de Ponta Grossa (PR) e resgatado pelo projeto Paraná Contra Maus-Tratos, que o encaminhou ao Hospital Veterinário HPet, em Curitiba. Mesmo após vários banhos, os vestígios do produto persistiram. Os ativistas alertam que o uso de tintas domésticas em animais pode causar intoxicações graves, queimaduras, problemas respiratórios e reações alérgicas severas. Já em Santa Juliana, também no Alto Paranaíba, um homem foi multado em mais de R$ 17 mil por pintar um macaco de azul com tinta spray e divulgar a prática nas redes sociais. O animal, que fugiu logo depois, não foi localizado.
Outro caso recente foi o resgate de três cachorros em Ouro Branco , na Região Central de Minas, no domingo (7/12). A denúncia era de maus-tratos contra um pitbull, que foi encontrado em situação precária – preso por uma corda, anêmico e infestado de carrapatos. Entretanto, chegando ao local, a ONG Recanto dos Animais e a Guarda Civil Municipal encontraram duas fêmeas, de raça não divulgada, em outro cômodo. Todos os animais em condições precárias de higiene, com ferimentos, parasitas e sem alimentação adequada.
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Diante da situação, o atendimento veterinário foi acionado, e os cães encaminhados para uma clínica da cidade. Segundo a ONG, os bichos estão seguros, recebendo cuidados e o devido tratamento, mas não se sabe se o macho vai sobreviver. Os tutores foram localizados e detidos, mas a Polícia Civil não informou se os suspeitos permaneceram presos.
COMBATE
De acordo com o governo de Minas, a legislação estadual promove controle populacional via castração e microchipagem, além de programas de resgate, adoção e educação para a posse responsável, combatendo o abandono com ações conjuntas, inclusive de conscientização com municípios e ONGs.
No entanto, protetores de animais afirmam que as medidas ainda não são suficientes para a demanda no estado. Os defensores, muitas vezes, são independentes, e não recebem auxílio governamental. E precisam arcar com o custo de resgates, tratamento e ainda manter o animal depois de recolhido. Eles alegam que se houvesse uma parceria com as associações, as pessoas que se dedicam ao trabalho de resgatar os animais não estariam tão desgastados emocionalmente e financeiramente.
“Na política, é muito difícil (…). A gente fica desamparado no primeiro momento. Às vezes você está vivenciando maus-tratos, mas a polícia não vem. Depois vem a questão da estrutura pública (…). Quando a polícia vem, os animais não têm para onde ir”, afirma a protetora e organizadora da Associação Amor a Quatro Patas, Joyce Mendes.
CONSCIENTIZAÇÃO
Além da falta de estrutura pública e da resposta lenta, que dificultam a ação, Joyce considera que as leis não são rígidas o suficiente, o que leva à repetição dos maus-tratos. Mas acredita que a conscientização e o diálogo são essenciais para prevenir esse tipo de comportamento.
A presidente da Comissão dos Direitos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG), Daniela Recchioni, concorda. A Comissão atua no esclarecimento e orientação aos cidadãos sobre os direitos dos animais e como proceder em denúncias de maus-tratos. Para Recchioni, é importante que as pessoas entendam que os bichos têm senciência – capacidade de sentir dor, prazer, medo, alegria e outras emoções – cientificamente confirmada.
“A gente não está falando de racionalidade, é de sentimento mesmo. Todos os animais vertebrados e invertebrados sentem. A Declaração de Cambridge reforça que eles são seres dotados de sentimentos, então, qualquer pessoa com o mínimo de senso de humanidade vai entender que há um crime de maus-tratos”, diz a presidente da Comissão. Ninguém tem necessariamente que ter um animal em casa, mas todos precisam ajudar a proteger os bichos, defende. “A gente precisa cada vez mais divulgar, porque a desinformação é muito perigosa”, completa.
Daniela Recchioni diz sentir indignação quando alguém diz "o animal tem mais direito que o ser humano", pois, segundo ela, o próprio direito ainda não os reconhece plenamente, classificando-os no capítulo dos bens, como "seres semoventes". São dotados de vida, mas não de uma vida humana ou de direito.
Ela defende proposta de reforma do Código Civil para a normatização da senciência animal, o que significa que, pela primeira vez, haverá um código que afirmará que os animais têm sentimentos. A exemplo está a regulamentação de guarda de animais e juízes determinando guarda compartilhada e "pensão alimentícia" para os pets, pois eles precisam ser alimentados e cuidados.
CARTILHA
No dia 5, foi lançada uma cartilha com informações sobre os canais para denunciar maus-tratos e como efetivar a denúncia. A cartilha incentiva a coleta de evidências, como fotos e vídeos, além da informação de nome e endereço do suspeito e de eventuais testemunhas, para que as denúncias sejam mais eficazes e ajudem na apuração. Fiscalizar a ocorrência também é importante e, caso a viatura policial não se dirija ao local da denúncia, a Corregedoria pode ser acionada.
A campanha nacional “Dezembro Verde” se relaciona com os casos de maus-tratos e abandono, que costumam aumentar consideravelmente no último e no primeiro mês do ano, principalmente relacionados a cães e gatos. Segundo Daniela, isso ocorre porque as pessoas viajam e não se planejam, alegando não ter onde deixar os animais, o que configura negligência e maus-tratos.
LEI SANSÃO
Em 2020, o pitbull Sansão tornou-se símbolo depois de ter as patas traseiras arrancadas por agressores com o uso de um facão. O crime ocorreu em Vespasiano, na Grande BH. A veterinária que cuidou dele na época afirmou que o cachorro foi amarrado pela boca com arame farpado para que os agressores pudessem cortar suas patas sem que o bicho reagisse.
A história de Sansão causou comoção em todo o país, e foi o mote de um abaixo-assinado que pedia mais rigor contra crimes contra animais. Em cinco dias, mais de 500 mil pessoas pediram justiça pelo crime de maus-tratos denunciado pelo tutor do animal. O cachorro recebeu doações para tratamento, cadeira de rodas e próteses para a readaptação.
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Com a repercussão do crime e o abaixo-assinado, o Congresso Nacional aprovou, em 20 de setembro 2020, o Projeto de Lei (PL) nº 1.095, que tramitava desde 2019. Nove dias depois o projeto foi sancionado pela Presidência da República, transformando na Lei Federal nº 14.064/2020, batizada com o nome do cachorro e que alterou o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais, que agora inclui um capítulo específico sobre cães e gatos. A pena para crimes contra esses dois animais foi aumentada em relação aos demais e é hoje de dois a cinco anos de reclusão, multa e proibição da guarda.