Sob gritos de desespero e pedidos de socorro, centenas de socorristas, incluindo agentes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), bombeiros, profissionais da área da saúde e estudantes voluntários da PUC Minas, atenderam um grave acidente aéreo simulado na manhã deste sábado (29/11).
A simulação programada ocorreu na Rua Walter Ianni, no bairro São Gabriel, na Região Nordeste de Belo Horizonte, e contou com oito ambulâncias, cinco viaturas e um caminhão auto-bomba do Corpo de Bombeiros Militar (CBMMG), que gastou 500 litros de água e 20 litros de LGE (Líquido Gerador de Espuma) e uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB), além de envolver 50 alunos figurantes que simularam vítimas da tragédia.
O cenário do acidente foi composto pela queda de um avião de pequeno porte que transportava órgãos a serem transplantados em uma área urbana. Pela dinâmica, o avião atingiu veículos, moradias e comércios, dando início a um incêndio de grandes proporções com risco de explosão.
Das 50 vítimas, 32 foram atendidas pelo Samu e transportadas para hospitais que contam com pronto-socorro e que atendem à rede SUS-BH ou para uma das nove Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) da cidade. Dessas, oito foram classificadas com estado de saúde crítico, 10 vítimas moderadas e 10 leves, além de quatro óbitos.
Este é o 1º Simulado Realístico de Eventos de Múltiplas Vítimas, iniciativa da Secretaria Municipal de Saúde de BH (SMSA), em parceria com a PUC Minas. A ação tem o objetivo de avaliar, na prática, a capacidade de atendimento e o tempo de resposta integrada do município em situações de desastre, além de examinar o cumprimento dos fluxos estabelecidos no Plano Municipal Assistencial em Eventos de Múltiplas Vítimas, lançado em fevereiro deste ano pela Prefeitura de BH (PBH).
A medida também contou com o Consórcio Aliança pela Saúde, que disponibilizou as ambulâncias, e um plantão extra no Samu da capital para assegurar a presença de mais profissionais em atuação enquanto a atividade estiver em andamento.
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Durante o treinamento, foram verificados os processos de atendimento às vítimas, a articulação entre diversos órgãos municipais, a eficiência da atuação conjunta em cenários de alta complexidade e a capacidade das unidades de saúde em absorver um grande número de feridos simultaneamente. Também foi contabilizado o tempo de resposta, a fim de identificar possíveis gargalos.
Em cada um dos postos no cenário simulado, havia estudantes da universidade registrando o tempo de resposta e outras observações sobre o trabalho realizado. As informações e dados coletados serão analisados pelas equipes técnicas da Secretaria de Saúde.
A atividade contou com mais de 1 mil participantes, sendo cerca de 400 atuando diretamente na cena do acidente simulado. Além dos bombeiros e socorristas, estiveram presentes equipes da SMSA, agentes da BHTrans e da Guarda Civil Municipal (GCM) e profissionais do Centro Integrado de Operações de Belo Horizonte (COP-BH), da Defesa Civil e da Diretoria do Anel Rodoviário.
Professores da PUC Minas e profissionais do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), da Polícia Militar Rodoviária (PMRv) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) também acompanharam a ação, atuando com ações específicas e de forma integrada.
Como seria na prática?
Embora o acidente de tamanha magnitude tenha sido encenado, a proposta do treinamento é justamente se preparar para a possibilidade. Caso acontecesse hoje, o trabalho integrado e de rápido atendimento realizado deveria ser bem próximo do que foi simulado neste sábado.
O secretário de Saúde de BH, Danilo Borges, explicou que a simulação era planejada desde a reedição do plano de atendimento a múltiplas vítimas, no início do ano, para que a equipe colocasse em prática a estratégia e pudesse fazer aprimoramentos necessários.
“Ele permite treinar as equipes da assistência à saúde e a integração dessas equipes com outros órgãos, que são cruciais para o atendimento e para resposta da cidade em uma uma situação como essa. A integração desses órgãos é vital para que a cidade dê uma resposta adequada a situações que a gente não deseja que aconteça, mas que podem acontecer. [...] Esse rico material vai agora ser encaminhado para uma nova fase, que é de análise dos resultados desse simulado, onde a gente mediu a capacidade de resposta, a mobilização de recursos humanos e materiais, o tempo, a resposta dos hospitais e a integração para que a gente possa aprimorar ainda mais o nosso plano para o próximo ano”, disse.
Ainda de acordo com o chefe da pasta, a rapidez e a capacidade de mobilização observadas no simulado foram positivas. A previsão é que demonstrações como a deste sábado sejam feitas a cada dois anos, a depender da avaliação dos resultados.
Treinamentos internos menores já são realizados, mas com uma periodicidade maior – a cada dois ou três, segundo Borges. Para ele, o teste é de suma importância, já que acidentes de grande magnitude podem acontecer a qualquer momento.
O tenente do Corpo de Bombeiros, Henrique Barcellos, explica que, diante de um caso como o simulado, os militares, inicialmente, tentam garantir a segurança da cena, eliminando o risco de incêndio e explosão e facilitando a chegada de outros órgãos.
Segundo Barcellos, a simulação foi positiva e houve boa integração entre as equipes, pois é um procedimento para garantir a otimização nesse tipo de atendimento. Caso fosse real, os bombeiros iriam realizar a classificação entre as vítimas por meio de cores, que indicam a gravidade do paciente.
Uma vítima verde é aquela que consegue caminhar até o bombeiro ou socorrista, já a amarela, não consegue. A vermelha tem um risco iminente de vida, e a vítima preta não apresenta sinais vitais. A categorização é importante para priorizar os atendimentos e agilizar o atendimento.
“O diferencial desse cenário é que envolve a queda de aeronave, isso não é tão comum. Então, temos equipes especializadas no local, seja de uma equipe que vai conseguir abafar as chamas, conseguir evitar o risco de explosão, trazer segurança a essa cena, porque envolve combustível de aeronave, que é uma substância aqui que fica muito perigosa. Tudo isso torna o cenário mais complexo e exige mais. O simulado é importante para pôr à prova a capacidade de atendimento local e assim pedir alguns ajustes e fazer uma boa integração”, destaca.
Para garantir a segurança viária, a BHTrans e a Guarda Civil Municipal também comparecem a esse tipo de ocorrência o mais rápido possível. Enquanto o trânsito fica sob responsabilidade da BHTrans, que também presta apoio aos outros órgãos que irão socorrer as vítimas, a GCM fica responsável por garantir o isolamento do local e o acionamento de equipes especializadas, uma vez que pode haver risco causado pelo derramamento de combustível do avião.
“A gente é acionado e a gente desloca as equipes a medida do possível e a gente vai distribuindo essas equipes, faz o fechamento da via, isola a área para que os demais profissionais possam trabalhar. Nossas equipes, identificando o problema ou sendo acionadas, deslocam equipes que providenciam o bloqueio de vias e executam os desvios, a sinalização de trânsito, para orientação dos usuários, condutores, veículos, pedestres e [garantimos] a segurança de todos”, diz gerente de operações de transporte e trânsito da BHTrans, Robson José da Silva.
Por último, é realizado o trabalho pericial pela Polícia Civil. Conforme a professora de biomedicina da PUC Contagem e mestre em em análises clínicas e toxicológicas, Ikare Braga, quando a perícia é acionada, são enviadas equipes de engenharia e criminalística para produzir um laudo sobre o que aconteceu no local, detalhando a dinâmica do acidente, além de encaminhar os corpos para o Instituto Médico-Legal (IML). Em casos envolvendo aeronaves, a causa da queda é responsabilidade do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) e pode demorar até um ano para ser apurada.
“O trabalho pericial é focado em tentar entender a dinâmica do acidente, o que houve, como foi o deslocamento da aeronave, quais veículos foram atingidos, etc., e tentar fazer a identificação das vítimas que foram a óbito. A equipe pericial só entra no local depois da liberação do médico responsável pelo Corpo de Bombeiros. Eles [peritos] entram para fotografar e identificar quais foram as possíveis causas que levaram àquele acidente”, diz.
Como o simulado foi planejado?
A organização da simulação demorou vários meses para ser construída, a começar por um um estudo epidemiológico que avalia a possibilidade de ocorrência de um agravo como o simulado. Considerando a operação do Aeroporto da Pampulha e o histórico de acidentes com aeronaves menores na cidade, foi identificada a chance de um acidente aeronáutico.
Além disso, a necessidade de testar a rede de atenção à urgência de Belo Horizonte levou à união de esforços para realizar o simulado. De acordo com o enfermeiro emergencista e diretor de saúde do Consórcio Aliança, Daniel Fernandes, a ferramenta é fundamental para melhorar o cotidiano.
“Algumas vítimas já foram transportadas para os hospitais da rede de atenção, hospitais com estrutura para atendimento de vítimas de trauma como o João XXIII, o Odilon Behrens, Risoleta Neves e as UPAs do município, que também vão ser testados no seu interior. A ferramenta é fundamental para a gente melhorar o cotidiano. O tempo de resposta, por exemplo, da primeira unidade do Samu foi de 12 minutos. A nossa resolução estadual fala que deve ser de 20 a 30 minutos, então foi um tempo excelente”, ressaltou.
O espaço controlado para o treinamento de alunos da graduação é essencial na formação deles, uma vez que eles tiveram a oportunidade de aprender habilidades e competências específicas da medicina, enfermagem e outras áreas da saúde, utilizando a ferramenta de simulação realística.
Segundo Fernandes, o cenário controlado permite que eles errem sem colocar em risco a vida de pacientes reais. No cenário, uma aeronave com pane no motor cai às margens do Anel Rodoviário de BH, causando colisão de veículos, desabamento de estruturas de edificações, moradias e comércio, resultando em 32 vítimas treinadas.
“Essas vítimas são alunos treinados pelos atores do laboratório de simulação da PUC Minas, que deram para esses alunos um briefing de técnicas de atuação. Eles são maquiados por maquiadores profissionais, simulando lesões muito parecidas com as reais. Essa tecnologia chama-se ‘paciente padronizado’ e ela tem um maior grau de semelhança com a realidade que a gente tem”, disse.
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Para os estudantes que participaram da atividade, os benefícios já puderam ser sentidos. Encenando uma das vítimas do acidente, a aluna de enfermagem da PUC Coreu, Silvana Silva, a teoria aplicada na prática é importante, mas a vivência prática desde o início do curso acrescenta um outro olhar.
“É muito importante a gente viver essa simulação realística, porque a gente não quer, mas pode acontecer e a gente tem que estar preparado. Aqui a gente vê o cuidado, e as prioridades pra atender todo mundo da melhor forma possível. E como profissional da saúde, estamos no primeiro período, mas já vivendo isso que vai ser preparando para a vida mesmo”, relata a estudante, que está no primeiro período do curso.
