Os suspeitos de espancarem Alice Martins Alves, de 33 anos, na Avenida Getúlio Vargas, na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, ainda não foram presos. Os homens já foram identificados. Eles trabalhavam em uma unidade do Bar Rei do Pastel, na mesma região. O ataque aconteceu na madrugada de 23 de outubro. Alice morreu 17 dias depois, por complicações das agressões.
Procurada, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) se limitou a dizer que os suspeitos ainda não foram detidos. Uma fonte da corporação afirmou que houve o pedido de prisão preventiva, mas ele ainda não foi aceito pela Justiça.
Alice foi perseguida e atacada por dois homens na madrugada de 23 de outubro. Durante o registro de ocorrência, em 5 de novembro, ela relatou que não conhecia os suspeitos e identificou um deles apenas como homem, branco, cabelos escuros, usando calça jeans e camisa preta. No entanto, em áudios divulgados à imprensa, uma pessoa afirma que os envolvidos trabalham no bar Rei do Pastel.
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Durante coletiva de imprensa, a delegada Iara França, do Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios, da PCMG, afirmou que a vítima estava no estabelecimento consumindo bebida alcoólica quando foi embora sem pagar. De acordo com a responsável pelo inquérito, o bar já tinha o costume de caso um cliente recorrente, por algum motivo, não quitasse a conta poderia fazê-lo em outro momento.
No entanto, Alice teria sido perseguida e ameaçada pelos suspeitos. Uma câmera de segurança flagrou o momento que os homens a abordaram e questionaram sobre a quitação da suposta dívida. No áudio é possível confirmar que a mulher afirmou que havia efetuado o pagamento. Apesar disso, a resposta não foi bem vista pela dupla, que começou agredi-la. O equipamento de segurança também captou gritos de socorro da vítima e insultos transfóbicos, por parte dos homens.
Ameaças
Imagens de câmeras de segurança, no local do crime, mostram que os suspeitos chegaram a discutir com o motociclista e uma segunda testemunha, que intervieram no crime. Nas imagens, não é possível ver a mulher trans sendo agredida, no entanto, é possível ouvi-la pedindo ajuda. Em determinado momento, por volta de 0h53 é perceptível uma série de batidas e na sequência Alice diz: “Me ajuda amigo. Me ajuda, por favor!”. Ela segue chorando e diz: “Sabe que tem uma mulher aqui”.
As batidas continuam por mais um minuto e, em seguida, um homem diz: “Vai sô. Mete o pé, mete o pé. Cê vai pagar o trem? Vai ou num vai?”. Nas imagens é possível ver o motociclista passando pela Avenida Getúlio Vargas e parando bruscamente. Ele então começa a discutir com os agressores, que passam a ameaçá-lo.
“Sai vazado mano! Nem leva a mal não mano [...] Tá ligado? Cê tá no seu corre, nós tá no nosso. Cê vai pagar por um pano que não foi seu? [...] Cê tá ligado que tem trem errado mano. Cê tá passando pano pra quem tá errado mano”, diz um dos agressores.
A discussão continua e, em determinado momento, um dos suspeitos se refere a Alice no pronome masculino. Ele ainda afirma que a testemunha poderia pagar a conta deixada pela vítima no bar de R$ 100. No entanto, como o Estado de Minas já havia noticiado, um áudio divulgado por um funcionário, do mesmo bar que os suspeitos trabalhavam, informou que as agressões teriam sido motivadas depois que a vítima, supostamente, saiu do local sem pagar uma conta de R$ 22.
“Agora mano, cê tá ligado? Cê não for pagar o bagulho pra ele. Tá ligado mano? Pode seguir sua caminhão tranquilão e deixa nós aqui [...] Eu falei com ele, ‘cê for pagar o bagulho, suave’. Agora, se não mano, volta pro seu corre e deixa nós resolver o nosso”.
Os homens ainda começam a discutir com uma segunda testemunha e a ameaça. “Nós tá aqui todo dia. Nós tromba com você todo dia também. Que você trabalhar aqui. Cê vai ver, num vai ficar por isso não mano. Ô motoca, cê também mano, num é nem pá não, papo dez mano. Não envolve em situação que cê num tem nada a ver não mano”.
Qual foi a causa da morte?
Alice morreu em decorrência de uma infecção generalizada, causada pela perfuração de parte do intestino. A informação consta no atestado de óbito da vítima. O documento, enviado à reportagem, indica que a causa da morte foi: “choque séptico, abdome agudo perfuro, úlcera duodenal perfurada” e uso de anti-inflamatório.
Após o ataque, a mulher perdeu a consciência e foi socorrida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Em um primeiro momento, ela foi encaminhada para a Unidade de Pronto Atendimento Centro-Sul. Dez dias depois, em 2 de novembro, ela foi levada de ambulância para o Pronto Atendimento do Hospital da Unimed, em Betim, na região metropolitana. Na unidade de saúde, exames de imagem apontaram fraturas nas costelas, cortes no nariz e desvio de septo.
Em 8 de novembro, os médicos diagnosticaram uma perfuração no intestino, possivelmente causada por uma das costelas quebradas ou, segundo suspeita do pai da vítima, Edson Alves Pereira, agravada pelo uso de anti-inflamatórios após a agressão. Com o diagnóstico, Alice foi submetida a uma cirurgia de emergência, mas não resistiu à infecção generalizada e morreu.
Alice foi vítima de transfobia?
De acordo com a delegada Iara França, do Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios da PCMG, a mulher tinha o costume de frequentar alguns bares da região e era conhecida dos funcionários e comerciantes. No dia dos fatos, Alice teria sentado, sozinha e pedido uma bebida alcoólica. Depois de um tempo, ela se levantou e se esqueceu de quitar a conta.
Apesar de haver indícios de que as agressões sofridas por Alice tenham sido motivadas por uma dívida, a Polícia Civil também trabalha com a hipótese que a mulher foi vítima de transfobia. A possibilidade ganha força, segundo a delegada Iara França, pela intensidade da violência.
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Além disso, à polícia a mulher relatou que demorou a procurar a delegacia da mulher por sentir medo dos suspeitos e também ter ficado envergonhada. Por isso, durante o registro da ocorrência, ela, inclusive, passou características genéricas de um dos suspeitos, o identificando apenas como homem, branco, de cabelos escuros e usando calça jeans e camiseta preta.
