Começa a temporada chuvosa em Minas, mas prevalecem as consequências danosas da seca, que motivou a decretação da situação de emergência devido à estiagem em 133 municípios. Dessas cidades, que equivalem a mais de 15% dos 853 municípios do estado, 123 ficam no semiárido mineiro, formado pelo Norte de Minas e pelos vales do Jequitinhonha e do Mucuri (veja mapa na página ao lado).


Nessas regiões, historicamente castigadas pela irregularidade climática, chega a 75 mil o número de pessoas atingidas pelo drama da escassez hídrica. Um contingente que está sendo atendido com a distribuição de água por prefeituras, com o auxílio da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec), de acordo com informações do órgão do governo do estado.


Na grande maioria dos municípios do Norte de Minas, do Jequitinhonha e do Mucuri, não chove com intensidade há quase seis meses. O meteorologista Ruibran dos Reis informa que a previsão é de que haja chuvas significativas a partir desta semana, e que podem perdurar até o fim do ano, proporcionando um cenário um pouco melhor do que o do ano passado, quando a temporada chuvosa no semiárido mineiro só começou no fim de novembro.


Cursos d'água definham


À medida que a estiagem se prolonga, os prejuízos se ampliam a cada dia. À angústia da falta d’água somam-se as perdas das plantações e o emagrecimento e morte do gado, devido aos danos nas pastagens. Também aumentam as cenas de córregos e rios completamente secos, incluindo grandes mananciais do passado, como o Rio Gorutuba, que hoje está com o leito completamente vazio desde as proximidades de sua nascente, perto do distrito de Catuni, no município de Francisco Sá.

Leito do Rio Gorutuba, curso que já foi permanente, está completamente seco perto da nascente, em Francisco sá

José Messias Durães/divulgação

A falta de água atinge até mesmo moradores de municípios banhados pelo Rio São Francisco, incluindo a cidade que leva o nome do Rio da Unidade Nacional, onde 18,5 mil pessoas, de cerca de 200 comunidades rurais, estão recebendo água potável por meio de caminhões-pipa. É um contingente superior a um terço da população de 52,7 mil habitantes. São Francisco está em estado de emergência desde abril, quando começaram os problemas decorrentes da falta de chuvas.


Lá, o superintendente municipal de Defesa Civil, Romenig Barbosa Martins, informa que mesmo famílias que vivem em comunidades vizinhas ao Rio São Francisco têm dependido de água potável levada em caminhão-pipa. Entre os “barranqueiros” que precisam esperar pela chegada do veículo de abastecimento, Romenig cita moradores do Assentamento São Francisco (75 famílias), distante apenas 500 metros do Velho Chico, e a localidade de Travessão (180 famílias), distante quatro quilômetros do leito.


Outras comunidades nas proximidades do Rio São Francisco castigadas pela escassez hídrica são Buriti do Meio, Croá, Muquém e Araçá. Romenig ressalta que muitos córregos afluentes do leito principal secaram, o que contribuiu para agravar as dificuldades nas comunidades rurais. Entre os mananciais completamente vazios no município estão os córregos do Arrozal, Boi Morto e Vaqueta.


Abastecimento precário


Segundo o responsável pela Defesa Civil de São Francisco, hoje circulam pelo município cinco caminhões-pipa contratados pela prefeitura. Mas a quantidade é insuficiente para atender à demanda. Além do grande número de comunidades rurais atingidas pela falta de água, o município tem significativa extensão territorial (3.308 quilômetros quadrados), o que dificulta ainda mais a situação.


“Existem pessoas de comunidades mais distantes da área urbana que precisam esperar até dois meses pelo retorno do caminhão-pipa à casa delas”, afirma Romenig. “Para atender a demanda da população da zona rural atingida pela falta d’água a contento, teríamos que ter pelo menos 12 caminhões-pipa rodando no município”, completa.


Também no Norte de Minas, em Pedras de Maria da Cruz, outro município banhado pelo Rio São Francisco e em situação de emergência por causa da seca, 19 comunidades rurais situadas nas proximidades do Velho Chico são abastecidas com caminhão-pipa, segundo a coordenação de Defesa Civil da prefeitura.


Até os oásis secam


Os efeitos da estiagem prolongada também atingem o município de Bonito de Minas, cidade de 10,2 mil habitantes situada na Bacia do Rio São Francisco, no Norte do estado. Em situação de emergência desde maio, o município concentra um número expressivo de veredas, áreas conhecidas como oásis do sertão, pela fartura de águas.


Mas várias delas secaram em decorrência dos impactos das mudanças climáticas, conforme revelou a série de reportagens “Veredas mortas”, do Estado de Minas. Segundo o coordenador de Defesa Civil de Bonito de Minas, Adilson Martins de Freitas, atualmente 72 famílias de 15 comunidades rurais do município estão sendo abastecidas por quatro caminhões-pipa da prefeitura. Mesmo com a região concentrando muitas nascentes, vários cursos d'água da cidade secaram, entre eles os rios Borrachudo, Flexeira e Macaúbas.


Nove meses de escassez


Outra cidade da Região Norte de Minas em situação de emergência, por ser duramente castigada pela estiagem prolongada, é Monte Azul (20,38 mil habitantes), situada na microrregião da Serra Geral, perto da divisa com a Bahia. Segundo o coordenador municipal de Defesa Civil, Juarez Xavier Silva, cerca de 1.200 pessoas (310 famílias) de mais de dez comunidades rurais estão sendo abastecidas com caminhões-pipa.


Praticamente todos os mananciais que cortam o município secaram, informa. Entre eles estão os rios Pajeú, Tremedal, Ramalhudo, Pacuí e Cana Brava, além do Riacho Seco, que eram perenes no passado. Juarez relata que neste ano a estiagem está mais severa do que em 2024 e que a população já enfrenta nove meses de irregularidades nas chuvas.

Segundo ele, as últimas chuvas regulares em Monte Azul ocorreram em janeiro. “Depois, foram 90 dias sem chover. No fim de abril para maio, algumas pancadas no município ajudaram um pouco a pecuária, mas não foram suficientes para juntar água nos reservatórios, rios, córregos e pequenas barragens”, informa Juarez Xavier Silva.


Gado: venda ou morte


O coordenador de Defesa Civil de Monte Azul salienta que, além da escassez hídrica, os moradores da zona rural perderam praticamente todas as lavouras de milho, feijão e sorgo para a seca, sofrendo prejuízos na produção de leite e derivados. Com a falta de pasto, muitos pequenos produtores se viram obrigados a vender suas reses para não deixar os animais morrerem de fome.


“Existem famílias no município que necessitam de auxílio para compra de alimentos básicos”, afirma Juarez Xavier Silva. Ele salienta que o governo do estado enviou ajuda humanitária aos flagelados da seca na região, com cestas básicas, kits de higiene, produtos de limpeza, cobertores e travesseiros. “Porém, (a ajuda) não é suficiente para garantir o atendimento a todas as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade alimentar”, lamenta.

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“A sensação de deserto nos expõe a uma situação de desespero e angústia, porém sempre esperançosos de que Deus, na sua infinita bondade, mandará água dos céus para acalmar o homem sertanejo, que confia em tempos melhores”, diz o coordenador de Defesa Civil de Monte Azul.


“O pessoal da zona rural clama pela chegada da chuva, que trará a esperança e a oportunidade de plantar e garantir o básico para o sustento, com as pessoas podendo ainda juntar nas cisternas a água da chuva que cai nos telhados e que servirá para o consumo humano no próximo período de seca e de crise hídrica”, conclui.


O auge da estiagem


O desastre verificado em Monte Azul se repete em Francisco Sá, cidade norte-mineira de 23,46 mil habitantes, em situação de emergência devido aos prejuízos da estiagem rigorosa. “A seca em Francisco Sá vem se arrastando há vários meses. Agora, a gente sente mais os impactos, com rios secando e perda de pastagens, com grandes prejuízos para os produtores, afetando a agricultura familiar, sem falar na falta d’água para o consumo humano. Muitas famílias estão sendo abastecidas por caminhões-pipa”, afirma o secretário municipal de Agricultura e de Meio Ambiente, José Messias Pereira Durães.


Ele calcula que pelo menos 150 famílias estão sendo atendidas com caminhões-pipa na zona rural do município. O problema se agravou com o secamento dos rios e córregos locais, entre eles o Rio Gorutuba, que corria volumoso o ano inteiro, mas agora está completamente seco perto de sua nascente. O Gorutuba é afluente do Rio Verde Grande, integrante da Bacia do Rio São Francisco.

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