A recente morte de Christina Maciel Oliveira, uma mulher trans vítima de espancamento pelo ex-companheiro em Belo Horizonte, reacende um debate urgente no Brasil sobre a eficácia das leis de proteção à população LGBTQIA+. Embora existam mecanismos legais, a violência persistente mostra que ainda há um longo caminho a percorrer para garantir segurança e dignidade.

Atualmente, a principal proteção legal vem de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2019, a Corte decidiu que a homofobia e a transfobia devem ser enquadradas como crimes de racismo, previstos na Lei nº 7.716/1989, até que o Congresso Nacional aprovasse uma legislação específica sobre o tema.

Essa decisão foi um marco importante, pois permitiu que agressores fossem processados e condenados com base em uma lei já existente. Na prática, atos de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero passaram a ser crimes inafiançáveis e imprescritíveis, com penas que podem chegar a cinco anos de reclusão.

Apesar do avanço, a decisão do STF é considerada uma medida temporária. A ausência de uma lei específica, criada e votada pelo Congresso, gera uma lacuna. Uma legislação própria poderia detalhar as condutas criminosas, estabelecer políticas públicas de prevenção e criar mecanismos de apoio às vítimas, oferecendo uma proteção mais completa e estruturada.

Um problema estrutural

Mesmo com o avanço da equiparação da transfobia ao crime de racismo, o Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo, agora pelo 17º ano consecutivo, com 106 vitimas, de acordo com levantamento da Rede Trans Brasil divulgado em abril deste ano sobre as ocorrências de 2024. Em segundo lugar aparece o México, com 71 mortes, e em terceiro, a Colômbia, com 25.

O estudo também aponta Minas Gerais como segundo estado com maior número de homicídios de pessoas trans e travestis. No ano passado, o estado teve dez registros, ficando atrás apenas de São Paulo, com 17 casos, e seguido pelo Ceará, com nove. No entanto, as informações podem não ser precisas, uma vez que a Rede Trans depende de dados extraoficiais para realizar a pesquisa apresentada em dossiê.

Além disso, a pesquisa revela que a faixa etária média das pessoas mortas era de 26 a 35 anos, e elas eram, em sua maioria, pessoas racializadas, incluindo pretas e pardas. Muitos dos homicídios registrados desde 2016 tiveram como vítimas trabalhadoras sexuais. 

As estatísticas mostram que o caso de Christina não é um fato isolado. Ela é alimentada por uma combinação de preconceito estrutural e exclusão social. Muitas vezes, o ciclo começa com a expulsão de casa e o abandono escolar, empurrando essas pessoas para uma situação de extrema vulnerabilidade desde cedo.

A dificuldade de acesso ao mercado de trabalho formal é outro fator crucial. Sem oportunidades de emprego, muitas mulheres trans e travestis são levadas à prostituição para sobreviver, aumentando sua exposição a diferentes formas de violência, que vão desde agressões verbais até ataques físicos fatais.

A ausência de políticas públicas eficazes de proteção e a subnotificação dos crimes agravam o cenário. Sem dados oficiais abrangentes e amparo do Estado, a impunidade muitas vezes prevalece, o que pode encorajar novos ataques e perpetuar o ciclo de violência contra essa população.

Como denunciar um caso de transfobia?

Saber como agir ao presenciar ou ser vítima de um ato de transfobia é fundamental para que a lei seja aplicada. O caminho para a denúncia envolve alguns passos importantes que garantem o registro oficial do crime e a busca por justiça.

  1. Reúna provas: se possível, guarde mensagens, e-mails, grave vídeos ou áudios e anote o nome e o contato de testemunhas. Qualquer material que comprove a agressão ou a discriminação é valioso para o processo.

  2. Faça um boletim de ocorrência: dirija-se à delegacia de polícia mais próxima para registrar o fato. É importante relatar o ocorrido com o máximo de detalhes. Informe que a motivação do crime foi transfobia, para que ele seja enquadrado como tal.

  3. Ligue para o Disque 100: este é o canal oficial do governo federal para denúncias de violações de direitos humanos. O serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. A ligação é gratuita e a denúncia pode ser anônima.

  4. Procure apoio especializado: busque organizações não governamentais e coletivos LGBTQIA+ em sua cidade. Esses grupos podem oferecer orientação jurídica gratuita, apoio psicológico e acolhimento, ajudando a vítima em todas as etapas do processo.

  5. Polícia Militar (190): em casos de agressão em andamento ou perigo iminente, o acionamento da polícia é fundamental para uma intervenção rápida. Forneça o endereço e a descrição da situação de forma clara.

Se você conhece alguém em situação de risco, ajude a pessoa a encontrar um local seguro e a contatar redes de apoio, como centros de referência LGBTQIA+ e casas de acolhimento em sua cidade. Use os pronomes corretos, não compartilhe piadas transfóbicas e apoie o trabalho de organizações que defendem os direitos da população trans. A mudança cultural começa com atitudes individuais.

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Onde buscar ajuda em Belo Horizonte

Conhecer os locais de acolhimento pode salvar vidas e oferecer um caminho para a reconstrução da autonomia e da dignidade. Confira a seguir alguns dos principais pontos de apoio disponíveis na capital, com informações sobre os serviços oferecidos por cada um.

  • Casa Tina Martins: é uma casa de passagem que oferece abrigo e acolhimento para mulheres, incluindo cis e trans, em situação de violência doméstica e vulnerabilidade. O espaço proporciona moradia temporária, segurança e suporte para que elas possam se reorganizar.

  • Centro de Referência LGBT de Belo Horizonte: vinculado à prefeitura, o serviço público disponibiliza atendimento psicossocial e orientação jurídica gratuitos para toda a população LGBTQIA+. É uma porta de entrada para acessar políticas públicas e denunciar violações de direitos.

  • aKasulo: Centro de Convivência LGBTQIA+ que atua junto com outros coletivos e equipamentos públicos para a construção de uma rede de cuidado. A instituição também oferece aulas, oficinas, workshops e eventos para a comunidade.

  • Cellos MG: o Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais atua na defesa dos direitos humanos da comunidade LGBTQIA+. A organização oferece suporte jurídico gratuito e encaminhamento para serviços de saúde, sendo uma referência na luta contra a LGBTfobia.

Uma ferramenta de IA foi usada para auxiliar na produção desta reportagem, sob supervisão editorial humana.

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