Roubo no Louvre ecoa também em Minas Gerais
Episódio reacende alerta no estado, que acumula casos de furtos de seus tesouros. Segurança de museus ainda é frágil, diz representante de cidades históricas
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A humanidade reage com espanto, tristeza e indignação ao roubo de joias do Museu do Louvre, em Paris, França, o mais visitado do planeta. A audácia dos ladrões, que usaram, na manhã de domingo (19/10), um elevador de carga para entrar na Galeria Apolo, sala com quase 800 peças, faz soar também o sinal de alerta quanto à segurança dos equipamentos culturais mundo afora, incluindo os de Minas.
O estado já perdeu grandes tesouros, sendo o mais recente o Rosário Beneditino, do século 19, pertencente ao Museu de Arte Sacra da Basílica Nossa Senhora do Pilar, no Centro Histórico de Ouro Preto, a 95 quilômetros de Belo Horizonte. Importante ressaltar que Ouro Preto foi a primeira cidade (1980) reconhecida como Patrimônio Mundial.
Em 10 de novembro, o crime contra o patrimônio cultural de Ouro Preto completa dois anos – sem qualquer pista do paradeiro do rosário de ouro e madeira. Um dos temores das autoridades é de que a peça sacra tenha sido desfeita e comercializada em partes – as contas vendidas a diversas pessoas, às vezes nas ruas de uma metrópole. Quatro colombianos – dois homens e duas mulheres – foram denunciados pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) na Operação Relicário, que investigou o caso.
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A Igreja do Pilar, como é conhecida, havia sido alvo de um assalto monumental, em 2 de setembro de 1973. Na madrugada, foram furtadas 17 peças sacras do museu localizado no subsolo do templo. Entre os objetos, estava uma coleção formada por custódia e três cálices de prata folheados a ouro, de origem portuguesa, usado no Triunfo Eucarístico, a maior festa do Brasil dos tempos coloniais. Também não há pista dos objetos.
Dependendo da demora em se encontrarem os ladrões, o mesmo pode ocorrer com as preciosidades furtadas do Louvre. As joias levadas pelos ladrões reúnem pedras preciosas como esmeraldas, diamantes e safiras na forma de colares, tiaras, brincos e broche. Por sorte, a coroa da imperatriz Eugênia (1826-1920), esposa de Napoleão III (1808-1873), foi encontrada, embora danificada. É que, na fuga, os ladrões teriam deixado a coroa cair. Ontem, 60 investigadores da polícia francesa tentavam encontrar as joias.
SITUAÇÃO PREOCUPANTE
O presidente da Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais, Angelo Oswaldo de Araújo Santos, vê fragilidade na segurança dos museus, a começar pela própria situação física dos equipamentos. “Há muitos museus federais fechados no estado, entre eles o Museu do Diamante, em Diamantina (Vale do Jequitinhonha), o Museu do Ouro, em Sabará (Grande BH), esse em condição precária, e o Museu de Ciência e Técnica da Escola de Minas (no antigo Palácio dos Governadores) da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Se continuar assim, podemos não apenas perder obras do acervo como também um monumento inteiro pode desaparecer”, afirma o também prefeito de Ouro Preto.
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Fechamento e investigações
O Museu do Louvre permaneceu fechado para visitantes ontem, enquanto funcionários dos ministérios da Cultura e do Interior faziam uma reunião de emergência para discutir a segurança da instituição, alvo de roubo de joias na manhã de domingo. O ministro da Justiça, Gérald Darmanin, reconheceu que o governo falhou, e políticos da oposição criticaram o governo por aquilo que classificaram como uma humilhação nacional. Ao menos 60 investigadores da polícia francesa tentam localizar os ladrões das joias. Os investigadores trabalham com a hipótese de que um grupo do crime organizado planejou e executou o assalto, que ganhou repercussão mundial.
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Conforme apurou o EM, o Museu do Ouro, vinculado ao Instituto Brasileiro dos Museus (Ibram)/Ministério da Cultura, vai funcionar, ainda sem data marcada, no Solar do Padre Correia, prédio colonial totalmente restaurado, ex-sede da Prefeitura Municipal e um dos expoentes do Centro Histórico da cidade.
“No governo de Jair Bolsonaro, não houve interesse pela cultura; no governo Lula, não há fôlego para resolver esses problemas”, afirma. Já no âmbito estadual, Angelo Oswaldo critica a extinção da Superintendência de Museus “no governo de Romeu Zema, o que demonstra um desapreço” pelo setor. “Tivemos nomes importantes na superintendência, a exemplo de Priscila Freire”, destaca.
VIGILÂNCIA NO ESTADO
Minas tem 478 unidades cadastrados no Sistema Estadual de Museus. De acordo com a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult-MG), há sete museus estaduais sob gestão da pasta, dos quais três em Belo Horizonte: Museu Mineiro, Museu dos Militares Mineiros e Centro de Arte Popular. No interior, são a Casa Guignard, em Ouro Preto, Casa Alphonsus de Guimaraens, em Mariana, Museu Crédito Real, em Juiz de Fora e Museu Guimarães Rosa, em Cordisburgo.
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Ficção e realidade: qual a diferença?
“Na tarde de domingo, fui ao cinema ver o filme “The mastermind”, história sobre o furto de quadros num museu dos Estados Unidos. Era 1970 – e o crime foi cometido com certa tranquilidade, pois as salas não tinham câmeras, as peças expostas sem alarme, o segurança puxava seu cochilo sem ser incomodado. Até fiquei pensando assim: Puxa vida! Que facilidade para roubar um museu! Na saída, parei para um café, liguei novamente o celular e fiquei sem entender se a ficção tinha virado realidade. O Louvre havia sido invadido, roubado, e os ladrões levado joias magníficas. Que absurdo é esse, gente! Pois era tudo verdade...assalto também na maior tranquilidade, como na fita. Agora, a esperança é de que recuperam o acervo surrupiado. Diante de uma cena meio cômica de “The mastermind”, enquanto o protagonista escondia as obras de arte, me fazia matutar: tudo o que foi roubado está em algum lugar deste mundo. Basta procurar e achar”. Tomara. (GW)
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Sobre as ações empreendidas pelo governo de Minas para garantir a segurança dos museus, a Secult destaca a implantação de projeto de segurança contra incêndio e pânico e sistemas de alarmes contra intrusão, circuito fechado de televisão (CFTV), vigilante patrimonial e rondas cotidianas feitas pela Polícia Militar. Há também uma ação em conjunto com a plataforma Sondar/ MPMG, que apoia na divulgação e investigação de todos os bens que subtraídos em instituições como museus, arquivos, igrejas etc.
CASAS DE MEMÓRIA
“Sempre vejo com muita tristeza o roubo em um museu. Todos esses espaços, como o Louvre, são ‘casas de memória’. Independentemente de ter cunho religioso ou não, o acervo exposto conta nossa história, precisa ser preservado, e não levado para ser, muitas vezes, desmanchado e comercializado”, diz o formando em história Matheus José Dias, de 24 anos, voluntário no Memorial Diocesano Dom José Medeiros Leite, em Oliveira, na Região Centro-Oeste de Minas. O memorial abriga o Museu de Arte Sacra.
Em 1994, 36 peças do museu foram roubadas, sendo resgatadas apenas a de Santo Onofre, do século 18, com 15,5 centímetros de altura. Foi devolvida espontaneamente, acompanhada de um bilhete, na sede da superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em São Paulo. A peça retornou a Oliveira em 22 de agosto de 2019. “Como sempre diz nosso bispo diocesano, dom Miguel Ângelo Freitas Ribeiro, não podemos perder a esperança de ter nossas peças de volta”, afirma Matheus.
BENS DE MINAS
Conforme levantamento da Coordenadoria das Promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC/MPMG), Minas tem 1.920 bens desaparecidos, tendo sido resgatados 640 e restituídos, 136. No total de 2,7 mil cadastrados pela CPPC, a maior parte (1.071) corresponde a documentos, seguindo-se os objetos sacros (834). Com fotos, textos e espaço para denúncia, entre outros dados, a plataforma sondar.mpmg.mp.br reúne objetos mineiros desaparecidos, recuperados e restituídos.
Muitos dos bens furtados ou já encontrados pertencem a museus. O exemplo mais recente, que veio como sinal de esperança para que se encontrem outras, se refere à imagem de São Elesbão, do século 18, furtada do Museu do Museu Regional do Sul de Minas, pertencente à Diocese de Campanha, em 1994. Em madeira policromada, com 43,9 centímetros de altura e 22 cm de largura, o objeto de fé foi resgatado em ação do Ministério Público de Minas Gerais, via CPPC, que tem à frente o promotor de Justiça Marcelo Maffra. A entrega da peça, em 30 de setembro, ocorreu durante cerimônia na Catedral de Santo Antônio.
Em 7 de março de 1994, 28 peças sacras foram furtadas do Museu Regional do Sul de Minas, de Campanha. O local abriga relevante conjunto de bens culturais móveis, entre imagens, oratórios e cálices, com datações dos séculos 18 e 19. Das 28 peças levadas pelos ladrões, quatro já haviam sido recuperadas: imagem de Santa Cecília, em 1998, de Santa Bárbara, em 2003, de São Vicente Férrer, em 2004, e de Nossa Senhora da Apresentação, em 2021. A imagem de Santo Elesbão foi a quinta e ser restituída.
Também em 2023, houve furto do quadro “A Matriz de Bom Despacho”, do Museu da Cidade, em Bom Despacho, na Região Centro-Oeste, e uma garrucha do Museu Público Municipal Memorial do Tropeiro e Ferreiro, em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha.
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ROUBO EM MUSEUS
Veja alguns dos furtos históricos em museus de Minas Gerais que resultaram na subtração de 82 obras
1) Um dos maiores ataques ao patrimônio de Minas completou, em setembro, 52 anos. No dia 2 daquele mês, em 1973, ladrões levaram 17 peças sacras do museu localizado no subsolo da Basílica Nossa Senhora do Pilar, no Centro Histórico de Ouro Preto. Entre os objetos furtados, havia uma coleção formada por uma custódia, de 7 quilos, e três cálices de prata folheados a ouro, de origem portuguesa, usados no Triunfo Eucarístico, em 1733, a maior festa religiosa do Brasil colonial (na foto, em campanha de 2013). Até hoje, não há sequer uma pista do valioso tesouro de Minas.
2) Também da Basílica do Pilar, foi furtado, em 10 de novembro de 2023, o Rosário Beneditino, de ouro e madeira. Quatro colombianos foram denunciados pelo Ministério Público de Minas Gerais, mas não há pista da peça do século 19.
3) Vinte e cinco anos após ser furtada do Museu de Arte Sacra, hoje parte do Memorial Diocesano Dom José Medeiros Leite, a imagem de Santo Onofre, do século 18, com 15,5 centímetros de altura, retornou a Oliveira, na Região Centro-Oeste de Minas. Os fiéis festejaram a volta, em 22 de agosto de 2019. Na época do furto, foram levadas 36 peças. Santo Onofre foi devolvido espontaneamente, acompanhada de um bilhete, na sede da superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em São Paulo (SP).
4) Também em 1994, o Museu do Museu Regional do Sul de Minas, pertencente à Diocese de Campanha, sofreu um duro golpe. Em 7 de março daquele ano, 28 peças sacras foram furtadas. Desse total, foram recuperadas cinco: imagens de Santa Cecília, em 1998, de Santa Bárbara, em 2003, de São Vicente Férrer, em 2004, de Nossa Senhora da Apresentação (foto), em 2021, e de Santo Elesbão, recebida com festa, pelos fiéis, em 30 setembro.