O inquérito da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) sobre o assassinato do gari Laudemir de Souza Fernandes revelou que Renê da Silva Nogueira Júnior, autor confesso do disparo que matou o trabalhador, utilizava as armas da esposa e delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira, em diversas ocasiões. “Precisamos andar armados”, enviou o suspeito à companheira em 10 de março de 2025.

Em seguida, cerca de sete minutos depois, a delegada respondeu: “Que horror”. A corporação explicou no documento do inquérito que não teve acesso ao contexto em que as mensagens foram enviadas, porque conversas entre Renê e Ana Paula foram apagadas, deixando lacunas.

A PCMG revelou que outras ocasiões ilustram que Renê utilizava as armas da delegada e que ela tinha ciência. Entre elas, em 19 de março, ele estava indo buscar Ana Paula, e ela perguntou se podia levar uma colega até o carro para ele conhecer — ao que adicionou: “Só esconde a arma rs”.

A mensagem foi enviada pela delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira em 19 de março

Reprodução PCMG

Ao revelar outras conversas com menções ao armamento, o inquérito conclui que Renê “não só tinha acesso, como fazia uso e portava os referidos armamentos, tanto a Pistola Glock calibre 380, que foi usada para a prática do crime, como também a Pistola Glock calibre 9mm, pertencente à carga da Polícia Civil de Minas Gerais e que estava acautelada com Ana Paula em razão de seu cargo.”

Ligação com a esposa

O inquérito da PCMG também revelou que Renê da Silva Nogueira Júnior conversou por telefone com a esposa cerca de dois minutos depois que Laudemir foi baleado.

As investigações da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) apontam que as câmeras de segurança registraram o momento em que o gari foi atingido às 9h09 do dia 11 de agosto. Antes de ele ser baleado, às 9h04, Renê ligou para a esposa, mas ela não atendeu.

Às 9h11, Ana Paula retornou a ligação pelo WhatsApp; ele aceitou, e a chamada durou 6 minutos e 24 segundos. O inquérito policial informa que não é possível acessar o conteúdo da ligação entre os dois porque ela foi realizada pelo WhatsApp.

Mais ligações e pesquisas

Em seguida, às 9h22, o suspeito de matar o gari Laudemir enviou um áudio ao seu superior na empresa onde trabalhava. “Renê aparenta estar de alto astral e justifica seu atraso ao chefe em razão de ‘retenção no trânsito’”, constata o inquérito da PCMG.

Ainda de acordo com as investigações policiais, Renê da Silva Nogueira Júnior seguiu com sua rotina normalmente e realizou outras ligações com a esposa ao longo do dia. Em imagens já divulgadas, que mostram o suspeito na área pet do prédio onde mora, foi registrado um dos momentos, às 14h39, em que ele conversou por ligação com Ana Paula.

Renê também fez pesquisas relacionadas ao acontecimento, como a busca no Instagram às 12h11 com os dizeres: “gari é morto em Betim”.

Renê indiciado

Renê foi indiciado por homicídio duplamente qualificado — por motivo fútil e por meio que dificultou a defesa da vítima —, ameaça à motorista do caminhão de coleta e porte ilegal de arma de fogo. A pena pode chegar a 35 anos.

O empresário está preso desde o dia do crime, 11 de agosto, e seguirá detido no Presídio de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O resultado das investigações foi divulgado 18 dias após o homicídio, registrado na Rua Modestina de Souza, no Bairro Vista Alegre, na Região Oeste de Belo Horizonte.

Em um primeiro momento, Renê negou ter cometido o crime e passado pelo local na manhã de 11 de agosto. Ele chegou a dizer que saiu de casa, no Bairro Vila da Serra, em Nova Lima, na Região Metropolitana, direto para o trabalho em Betim, também na Grande BH. No entanto, o álibi foi derrubado pelas investigações, que obtiveram imagens nítidas do carro do suspeito e dele guardando a arma de sua esposa, delegada da PCMG, em uma mochila.

Após a divulgação das gravações, na última segunda-feira (18/8), o investigado, em novo depoimento, confessou que estava no local e disparou a arma da esposa. Conforme registrado no termo de declaração da oitiva pela PCMG, Renê afirmou que essa teria sido a primeira vez que pegou a pistola .380, de uso particular da mulher. Ainda segundo a nova versão, ele teria feito isso para se proteger, por “estar indo a um local perigoso” e por não conhecer o caminho. A arma, então, seria “para proteção”.

Fascínio por armas

À imprensa, o delegado responsável pelo caso, Evandro Radaelli, explicou que, além da comprovação do envolvimento do empresário na morte de Laudemir, as investigações indicaram que Renê tem  "fascínio" por armas de fogo e o "poder" que o armamento lhe concedia.

Radaelli explicou que, durante análises feitas no aparelho celular do investigado, foram encontradas imagens em que ele exibe diversas armas. Em alguns vídeos, o homem aparece fazendo disparos. Ainda segundo o chefe da investigação, o artefato não é o mesmo usado no crime registrado no Bairro Vista Alegre.

Delegada indiciada 

Ana Paula foi indiciada por porte ilegal de arma de fogo, conforme previsto na Lei do Desarmamento, por ter cedido ou emprestado sua pistola de uso pessoal para o companheiro. Exames periciais realizados entre duas munições apreendidas no local do crime tiveram compatibilidade com a pistola calibre .380 apreendida na casa da servidora pública.

Desde 11 de agosto, a Corregedoria da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) instaurou um procedimento administrativo para investigar a participação da delegada no crime. No dia, Ana Paula foi levada até a sede do órgão correcional para ser ouvida em relação ao uso de sua arma pessoal no possível crime e teve seu aparelho celular e armas apreendidos.

Na ocasião, segundo repassado à imprensa pelo porta-voz da corporação, o delegado Saulo Castro, a servidora afirmou que o marido não tinha acesso aos dois artefatos. Além disso, a delegada afirmou que não tinha nenhuma informação em relação ao crime em que o companheiro foi preso por suspeita de participação.

Dois dias após a morte do gari Laudemir, a delegada Ana Paula foi afastada de suas funções para tratamento de saúde no Hospital da Polícia Civil, por 60 dias. O pedido, conforme a PCMG, segue “os termos da lei”.

A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado no sábado (23/8), sob assinatura do diretor-geral da unidade médica da corporação, e pode ter o prazo prorrogado por mais dois meses, conforme avaliação médica. O documento não especifica a condição de saúde da servidora.

Como foi o crime?

No dia 11 de agosto, Laudemir trabalhava, junto com outras quatro pessoas, na Rua Modestina de Souza, por volta das 8h55, quando a motorista do caminhão, uma mulher de 42 anos, parou e encostou o veículo para que uma fila de dez carros pudesse passar. A via de mão dupla, segundo relato de testemunhas, fica próxima à Avenida Tereza Cristina.

Em determinado momento, o último veículo, identificado como um carro modelo BYD, de cor cinza, teria enfrentado dificuldades para passar pelo caminhão e, por isso, a motorista e um dos garis teriam indicado ao condutor que o espaço seria suficiente.

Em depoimento à Polícia Civil, a condutora do caminhão de coleta, identificada como Eledias Aparecida Rodrigues, afirmou que, enquanto recebia as instruções dos funcionários, o motorista do BYD pegou uma arma preta, fez o movimento para engatilhar a arma e, apontando para ela, disse: “Se você esbarrar no meu carro, eu vou dar um tiro na sua cara, dúvida?”.

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