Seca impõe restrição de uso da água no rio Paraopeba
Alerta diante do período de estiagem também é estendido a outras bacias do estado
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A estiagem que se estende entre maio e setembro começa a deixar marcas visíveis nos rios de Minas Gerais. Nesta semana, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) restringiu a captação de água em um trecho do Rio Paraopeba, entre os municípios de Belo Vale e Entre Rios de Minas, na Região Central, depois de a vazão — quantidade de água que passa por determinado ponto de um rio — cair a níveis considerados críticos, o que desencadeou a declaração oficial de escassez hídrica.
A portaria, válida por 90 dias, determina cortes que variam de 20% a 50%, a depender do uso da água, e as restrições ainda podem ser ampliadas, caso as chuvas não vierem. Ao todo, nove municípios serão afetados pela medida. As bacias do Rio das Velhas, na altura do Norte de Minas, e de Paraíba do Sul, na altura da Zona da Mata, também já estão em nível de atenção e podem receber restrições nas próximas semanas.
Esta é a segunda portaria de restrição publicada neste ano. Em junho, o Igam determinou redução no uso da água em parte da Bacia Hidrográfica do Alto Rio Jequitinhonha, no município de Grão Mogol, no Norte do estado, onde a redução segue em vigor. As medidas fazem parte de um protocolo estabelecido após a crise hídrica de 2015, considerada a “mais grave da história” quando o estado enfrentou meses de desabastecimento e rodízio no fornecimento.
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“Logo depois daquela primeira crise hídrica foi definido que quando se atingisse situações críticas de vazão deveriam ser suspensas parcialmente as outorgas na região como forma de garantir uma vazão mínima nesses corpos hídricos e proteger todo o ecossistema que depende daquela água, além de atender aos usos prioritários para aquele território”, explica o diretor-geral do Igam, Marcelo da Fonseca.
As decisões são baseadas em dados do Sistema de Monitoramento Remoto Integrado das Águas (Mira), que acompanha em tempo real os níveis de vazão nos principais pontos de captação do estado. Minas adota uma escala de monitoramento com quatro níveis: normal, atenção, alerta e restrição. No trecho do Paraopeba, a situação evoluiu até o último estágio. “O que temos hoje é uma vazão abaixo do estabelecido como ideal para o período. Isso quer dizer que, na prática, tem pouca água, e as outorgas que foram concedidas ali precisam ser revistos”, afirma Fonseca.
As reduções afetam desde o abastecimento público e consumo humano, que sofrerão redução de 20%, até as atividades industriais e agroindustriais (30%) e os usos menos prioritários (50%). Para irrigação, a redução é de 25%. São percentuais previstos na política estadual de gestão dos recursos hídricos.
Ainda que o abastecimento esteja garantido no momento, Fonseca alerta que a colaboração da população é importante para evitar um agravamento. “Isso não significa, necessariamente, que haverá rodízio ou escassez. Mas quer dizer que a população deve ficar atenta e também reduzir seu consumo nessa proporção para evitar eventuais problemas de abastecimento, porque ela é a consumidora final nessa outorga da primeira faixa que tem redução de 20%”, reforça.
Além de Belo Vale e Entre Rios de Minas, a medida atinge Conselheiro Lafaiete, Congonhas, Cristiano Otoni, Jeceaba, Ouro Branco, Ouro Preto e Queluzito.
A Copasa informou estar analisando a situação das captações nas cidades sob sua responsabilidade e destacou que medidas serão tomadas, se necessário, para assegurar o abastecimento. A empresa também pede o uso consciente da água, principalmente nas áreas mais altas ou distantes dos pontos de captação, onde o fornecimento costuma ser mais sensível durante a seca. Entre as recomendações estão práticas simples, como evitar lavar calçadas com mangueira, reduzir o tempo no banho, não deixar a torneira aberta ao escovar os dentes ou ensaboar a louça e suspender o uso de mangueiras para regar plantas ou lavar veículos.
Imagens da seca
A reportagem do Estado de Minas esteve em Belo Vale e constatou a realidade no leito do Rio Paraopeba. Na ponte central da cidade, demarcações feitas nos pilares mostram que a altura usual da água, que costumava alcançar 4 metros, ontem (25/7) estava abaixo de 1 metro. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente do município, a captação urbana é feita no Ribeirão Boa Esperança, um afluente do Paraopeba. Já na zona rural, os moradores dependem de poços artesianos e cisternas, que também sofrem com a seca prolongada.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba (CBH Paraopeba), Heleno Maia, lembra que o trecho atingido pela restrição não costumava apresentar problemas de vazão tão baixos. “Nos pegou de surpresa. O monitoramento pluviométrico da estação de Belo Vale indicou uma média de vazão em sete dias consecutivos abaixo de 70%. O normal para o período seria de 300% a 400%”, afirma. Nós temos, por exemplo, no pluviométrico de Entre Rios de Minas, uma vazão acima de 200%. A situação está crítica, literalmente crítica”, resume.
A depender das próximas semanas, a portaria que restringe a captação no Rio Paraopeba poderá ser prorrogada e até ampliada. A tendência, segundo o diretor-geral do Igam, Marcelo da Fonseca, é de que as restrições fiquem mais rígidas, já que os indicadores hidrológicos seguem em queda e o estado ainda atravessa o período de estiagem.
“Nós tivemos um período chuvoso não tão intenso. Se não houver aumento de vazão, e muito provavelmente não ocorrerá nesse período de 90 dias, porque ainda estaremos dentro do período seco, a portaria pode ser prorrogada e (pode haver) até mesmo uma ampliação dos percentuais vigentes hoje para garantir o restabelecimento da condição mínima do corpo hídrico”, disse ao Estado de Minas.
Além do Paraopeba, outras bacias mineiras também preocupam. Fonseca destaca que a situação é crítica em trechos do Rio das Velhas, especialmente na região de Várzea da Palma, próxima à foz com o São Francisco, no Norte de Minas, onde o nível de alerta já foi atingido. “O próximo estágio seria exatamente o nível de restrição”, observa. O mesmo vale para áreas da bacia do Paraíba do Sul, na Zona da Mata, nas regiões de Cataguases e Rio Pomba. Em caso de restrição, o Igam encaminha orientações às secretarias municipais para intensificar a fiscalização local, por meio de monitoramento amostral.
Revisão das outorgas
A crise hídrica que atinge o Rio Paraopeba expõe falhas antigas na forma como o uso da água é regulado, avalia o presidente do CBH Paraopeba. Heleno Maia atribui parte do problema à falta de revisão das outorgas – as autorizações para captação – muitas delas concedidas há mais de uma década, com validade de até 30 anos.
“Algo que foi liberado lá atrás, há 10 anos, está refletido agora. Naquela época, por exemplo, o Paraopeba ainda não havia sofrido o impacto do rompimento da barragem (da mina Córrego do Feijão) em Brumadinho”, diz Maia, ao afirmar que, embora as condições ambientais tenham mudado, os parâmetros usados para conceder as outorgas permanecem os mesmos. “Isso acaba atrapalhando. Nós estamos na luta para reduzir esse tempo de outorga, porque assim a gente consegue controlar mais as vazões”, completa.
Essa redução, de 30 para 5 anos, já estava prevista no Plano Diretor da Bacia Hidrográfica do Paraopeba, finalizado em 2019. A proposta chegou a ser levada ao plenário do comitê no mesmo dia em que a barragem da mina Córrego do Feijão se rompeu, em 25 de janeiro daquele ano. “A data que nós íamos aprovar em plenário foi a data exata do rompimento da barragem. Tínhamos um plano pronto. Com o rompimento, tudo mudou. Passamos a lidar com uma bacia impactada, e o plano precisou ser refeito do zero”, relata.
Reservatórios da Grande BH
Questionada pela reportagem, a Copasa informou que os reservatórios que integram o Sistema Paraopeba, composto pelas represas de Rio Manso, Serra Azul e Vargem das Flores, estão operando dentro dos níveis esperados para o período de estiagem. Segundo a companhia, não há, até o momento, “risco de impacto no abastecimento da Grande Belo Horizonte”.
Em entrevista concedida ao Estado de Minas em março deste ano, o presidente da Copasa, Fernando Passalio, foi categórico ao garantir o fornecimento de água nos próximos dois anos. "A menos que haja algum advento natural, imprevisível e de alto impacto”, afirmou. Segundo ele, o cenário permanece sob controle mesmo diante de ondas de calor, desde que em condições dentro do padrão observado nos últimos anos.
Adicionalmente, a Copasa trabalha em planos de contingência para eventuais colapsos. Estão em andamento melhorias no reservatório Rio Manso, financiadas em parte pelo acordo do rompimento da barragem de Brumadinho, e que, segundo Passalio, vão permitir maior sinergia entre os sistemas na distribuição de água e assegurar que, caso um sistema falhe, o outro possa assumir a demanda. “Essas obras são justamente para que a gente tenha adutoras que possam ser acionadas, caso algum reservatório tenha problema de abastecimento, para entregar essa segurança a mais, principalmente à Região Metropolitana”, explicou Passalio.
O pacote de investimentos ultrapassa R$ 3 bilhões e inclui a construção de uma adutora que ligará os sistemas Paraopeba e Rio das Velhas, além da ampliação da capacidade do Sistema Rio Manso. A expectativa é elevar a vazão média de 5,8 m³/s para 9,0 m³/s. “Com a obra pronta, praticamente a gente afasta essa possibilidade de vez”, reforça o presidente da Copasa.
Os dados mais recentes do Sistema Paraopeba indicam uma queda no volume dos reservatórios ao longo do período seco. Em apenas três meses, o sistema perdeu cerca de 10,6% de sua capacidade total, recuando de 88,4% em 1º de maio para 77,8% nesta sexta-feira (25/7).
A tendência é de que os níveis continuem em declínio, já que julho tem baixo volume de chuvas. Até o momento, choveu menos de 1 milímetro, frente a uma média histórica de apenas 6,8 milímetros para o mês. O cenário mais delicado é o da represa de Vargem das Flores, em Betim, que chegou a 68,2% da capacidade, ante 73,5% no início de julho e 85,6% em maio. No mesmo período de 2024, o volume era ainda mais baixo: 64,2%.
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O reservatório de Serra Azul, em Juatuba, opera com 65,2% da capacidade, ante 71,1% em 25 de junho e 79,1% em maio. No mesmo período do ano passado, o índice era consideravelmente mais alto, com 85,6%. Já o reservatório de Rio Manso, em Brumadinho, o maior dos três, apresenta a situação mais confortável, com 84,7% de volume armazenado ontem (25/7). Ainda assim, a queda em um mês foi de 6,3 pontos percentuais, era 91% no fim de junho.