Apaixonado por futebol, Heitor Felipe queria ser jogador profissional. Estudiosa, Laysa Emanuele vislumbrava um futuro como advogada. Felipe Moreira, que já vinha recebendo ameaças, foi atingido por 12 tiros -  (crédito: Fotos: Redes sociais/Divulgação)

Apaixonado por futebol, Heitor Felipe queria ser jogador profissional. Estudiosa, Laysa Emanuele vislumbrava um futuro como advogada. Felipe Moreira, que já vinha recebendo ameaças, foi atingido por 12 tiros

crédito: Fotos: Redes sociais/Divulgação

Os sonhos de ao menos duas crianças se perderam na noite de quinta-feira (24/5), durante uma festa de aniversário no Bairro Areias de Baixo, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Heitor Felipe Moreira de Oliveira, de 9 anos, e Laysa Emanuele, de 11, foram baleados por dois homens armados que invadiram a comemoração. O mais novo queria ser jogador de futebol e tinha começado a trilhar seu sonho no Atlético Mineiro. A mais velha queria ser advogada. Além das crianças, o pai do menino também morreu e outras três pessoas ficaram feridas. Reconhecido por testemunhas como um dos autores, um homem foi preso, e outro estava foragido até o fechamento desta edição. Os corpos das vítimas serão sepultados hoje (25/5), no Cemitério Bela Vista, em Santa Luzia, também na Grande BH.


Em suas redes sociais, Heitor Felipe compartilhava sua trajetória no esporte e afirmava que não desistiria do sonho de ser atleta. Ao Estado de Minas, Tamyres Moreira, tia do menino, contou que, como a maioria da família, ele era cruzeirense, mas vestia a camisa alvinegra para jogar “com amor e orgulho”. “Nós sempre brincávamos com ele com essa diferença dos times, de torcer para o rival do que estava jogando, mas ele sempre respondia que era ‘trabalho'.”


Além de apaixonado por futebol, Heitor amava a família. Com carinho, a tia conta que, se fosse por ele, o menino levantava às 5h para ir treinar e que sempre beijava as mãos dos familiares ao pedir-lhes a bênção. “Ele não tinha preguiça, o negócio dele era a bola desde que se entendia por gente. Ele nunca brincou de outra coisa. Não é por ser meu sobrinho, mas era uma criança iluminada. Um menino educado”, recorda.


Assim como o primo mais novo, Laysa Emanuele também tinha um sonho de carreira e queria ser advogada. Segundo a tia Luna Milla, a menina era estudiosa e “nunca dava trabalho”. O irmão de Laysa também estava na festa no momento do atentado e teria corrido para um banheiro para se proteger. “Ela era uma menina boa, alegre e extrovertida. Perdeu a vida muito cedo, ninguém esperava uma tragédia dessa acontecer.”

 


O crime

A chacina aconteceu no fim da festa de aniversário de Heitor Felipe e de sua irmã. Izaltina Luciana Moreira, mãe de Felipe e avó de Heitor, conta que dois homens aproveitaram que o portão do sítio estava aberto e entraram no local, já disparando as armas, “sem olhar em quem estavam atirando”. De acordo com o boletim de ocorrência, o alvo do ataque era Felipe Moreira Lima, de 26, pai dos aniversariantes, que tinha envolvimento com o tráfico de drogas na região do Bairro Morro Alto, em Vespasiano, também na Grande BH.


Felipe foi atingido por ao menos 12 disparos e morreu no local. Ainda conforme o registro, ele estava em disputa com traficantes do Bairro Bela Vista, em Santa Luzia, que queriam que a vítima passasse a comercializar os entorpecentes fornecidos por eles. O homem e a família já estavam recebendo ameaças de morte havia alguns meses.


Além de Felipe, Heitor e Laysa, três pessoas foram baleadas e encaminhadas a uma unidade de saúde: uma adolescente, de 13, atingida na canela, uma jovem de 19, ferida nas nádegas, e uma mulher de 41, baleada nas costas e cintura. Durante o ataque, Izaldina e outras duas mulheres entraram em luta corporal com um dos atiradores, posteriormente identificado como um homem de 23 anos, para tentar impedir que mais vítimas fossem atingidas. A mulher narrou para a Polícia Militar (PM) que durante o embate o segundo homem começou a disparar contra elas.


Prisão

Horas depois do crime, o homem de 23 anos, reconhecido pelas testemunhas como um dos agressores, deu entrada em uma Unidade de Pronto Atendimento, em Contagem, com ferimentos de disparos de arma de fogo no joelho, tórax e quadril. A polícia acredita que o suspeito tenha sido atingido pelo próprio comparsa durante a luta corporal com as mulheres que tentaram impedir o ataque.


O suspeito foi transferido para o Hospital Municipal de Contagem, onde seguia internado ontem sob escolta policial. O segundo homem, de 26, apontado como autor dos disparos, não havia sido localizado até o fechamento desta edição.


Luto e busca por justiça

 

Felipe e a família já estavam recebendo ameaças de morte havia alguns meses. Conforme familiares, além do ataque na festa dos filhos, em ao menos outras duas ocasiões houve tentativas de atingir o homem. Em uma das vezes, a casa de uma tia de Felipe foi alvo de disparos de arma de fogo, que atingiram um primo dele. Na segunda tentativa, um grupo teria planejado uma emboscada, mas a ação foi interceptada pela Polícia Militar.


“Ele já estava sofrendo ameaças. Tanto que a festa não teve pessoas de fora, foram só parentes e alguns amigos do Heitor, justamente para evitar qualquer represália. Estamos sofrendo pelo meu irmão, mas estamos sofrendo mais ainda pelo meu sobrinho. Ele só tinha 9 anos. A pessoa que fez isso é um monstro, não tem justificativa”, lamenta Tamyres Moreira.


A morte das crianças e o ataque a uma festa infantil comoveu não só os vizinhos mas também outras regiões. A perda dos sonhos e do futuro das vítimas aumenta a revolta das famílias e a busca por justiça. Em um vídeo que circula nas redes sociais, a mãe de Heitor Felipe aparece desolada ao lado do corpo do filho. Com alguém no celular, a mulher, de 27, diz: “Acabaram com a minha vida. Mataram o meu filho, minha sobrinha”.


“Meu irmão era uma pessoa que sempre se preocupou e cuidou da família, porque ele era o mais velho de quatro filhos. Os problemas todos ele pegava para resolver. Ontem eu fiquei o dia inteiro com ele, curtindo a festa. Independentemente de qualquer coisa errada, ele era meu irmão, ele era pai, um filho”, lamenta a irmã de Felipe.


Os perfis oficiais do Atlético e do Galo na Base se manifestaram nas redes sociais sobre a chacina. “É com muita dor que todos no Galo lamentam profundamente a perda trágica de Heitor Felipe, aos 9 anos, na noite de ontem (23/5), em Ribeirão das Neves, na Grande BH, vítima de homicídio durante a festa de seu aniversário. O jovem foi atleta do Clube na iniciação (categorias abaixo de 14 anos), era acompanhado e participava de treinos mensais. Nossos sinceros sentimentos aos familiares e amigos. Descanse em paz, Heitor”, diz mensagem no Instagram.