Débora Vieira, da Chocolate LAB, veste-se com estampas de limão -  (crédito: Túlio Santos/EM/D.A Press)

Débora Vieira, da Chocolate LAB, veste-se com estampas de limão

crédito: Túlio Santos/EM/D.A Press

Moda e gastronomia estão sempre em transformação e se alimentam. O dólmã, roupa de chefs, confeiteiros e padeiros, sofre influências dos dois mundos e vem evoluindo ao longo do tempo. Foi modernizado tanto na parte estética quanto funcional. Modelos mais contemporâneos, coloridos, com estampas divertidas, customizados, com tecidos mais leves e tecnológicos, tudo ao gosto de cada chef e sua personalidade. Sem, claro, abrir mão do clássico modelo branco e, mais recentemente, o preto, que já é um clássico.


A chef Bárbara Coli, da Casa Coli, no Bairro Mangabeiras, espaço de confrarias e eventos intimistas, conta que “por ter um público mais feminino, quando uso o dólmã colorido, recebo elogios, comentários de como ele é bonito, diferente, mas também tenho a branca, básica, de algodão, que me proporciona conforto, faz menos calor. Tenho vários dólmãs, com destaque para os de estampa floral, tem o cor-de-rosa com laço no pescoço e a vinho com bolinhas pretas e laço na cintura. Quanto às cores, defino de acordo com a identidade da marca. Meu logo é bordô, por isso o vinho em um dos modelos e o rosa está na paleta, é feminino e dá mais leveza ao uniforme, já que tem origem militar, mais rígida”.


Bárbara destaca que seus dólmãs são feitos sob medida, ela escolhe o tecido e pesquisa referências. E tem detalhes que são importantes, os compartimentos. Geralmente, bolsos no braço e no peito: “São para colocar as pinças, ferramentas para finalizar os pratos, fica bem mais prático na hora de empratar”.

Cardápio diversificado: Wallace Amaral, da WA Dolmas, trabalha com tecidos e modelagens para todos os estilos

Cardápio diversificado: Wallace Amaral, da WA Dolmas, trabalha com tecidos e modelagens para todos os estilos

Leandro Couri/EM/D.A Press


A chef explica que o principal é que o dólmã seja uma extensão da “identidade do chef. Tenho uma roupa para cada ocasião. Com grupos mais masculinos, opto pela branca, se é feminino, o modelo mais colorido. O dólmã compõe a característica de cada cozinheiro e nos dá liberdade para escolher aquele que, no fim, é uma maneira de expressão da cozinha que criamos. Cada chef define o seu, depende do restaurante, se é um ambiente mais informal, de cozinha aberta, enfim, critérios variados. Há chefs que usam o chapéu, para marcar a hierarquia, outros não; os auxiliares, pessoal da lavação, galera de bares podem optar pela bandana. A estética é importante na cozinha. Na minha, uso dólmã e os funcionários uniforme com avental. E, quanto ao cabelo, dispenso touca, mas ele está sempre preso, em rabo de cavalo ou coque, e sempre alinhado”.

Cores dos restaurantes


Já o chef Gabriel Trillo, que comanda duas casas – Omília, Pátria Cozinha do Brasil e Clari – confessa que é mais prático quanto à escolha de seus dólmãs: “Não abro mão do conforto, preciso ter liberdade, mexer os braços. Demorei para encontrar, mas há seis anos uso os modelos da marca francesa Bragard. Como sei que essa é de qualidade, é perfeita para mim, é de pronta-entrega e não sob medida. Uso mais a de manga curta e, se escolho a longa, dobro para ficar ¾ na cozinha. Tenho branco, preto e marrom, cores que fazem referência aos meus três restaurantes”.


Vale registrar que a Bragard Uniformes começou sua história em 1933, quando Henri Bragard criou o primeiro uniforme para um colega pintor. Mas foi em 1976 que Gilles Bragard desenhou e lançou a famosa dólmã grand chef, com a colaboração do renomado chef francês Paul Bocuse. A dólmã grand chef é considerada símbolo de excelência na gastronomia e a marca se tornou uma das mais conhecidas entre os profissionais da cozinha.


Gabriel destaca que não está mais diariamente na cozinha, assumiu outras tarefas, como palestras, eventos e cozinha ao vivo e, por isso, usa o dólmã “somente em ocasiões especiais e por poucas horas, já que não tenho a rotina dentro da cozinha. Então, se no dia a dia ele precisa ser de tecido mais leve, não me importo se é mais encorpado ou quente, faço barreira com uma camisa de algodão e tudo certo. Não tem bordado, nem meu nome. Na verdade, meu dólmã é a minha roupa de super-herói, tiro do compartimento, que não é tão secreto assim, faço o que é preciso e depois guardo”.

Estampa de limão


A chef Débora Vieira, da confeiteira Chocolate LAB – Confeitaria Vegana, Inclusiva e Saudável, no Bairro Floresta, especializada em confeitaria sem ingredientes de origem animal, feita à base de plantas (plant based) e segura para pessoas com restrições alimentares, com intolerâncias e alergias, destaca que “em primeiro lugar, prezo pelo meu conforto e, em segundo, a apresentação. Antes, privilegiava avental e camiseta, mais práticos, mas passei a adotar o dólmã pela imagem, porque transmite profissionalismo, cuidado e respeito pelo trabalho e comunica algo, é um aliado”.

Do branco básico aos coloridos, o guarda-roupa de trabalho da chef Bárbara Coli tem de tudo; ela define o que vai usar de acordo com a ocasião

Do branco básico aos coloridos, o guarda-roupa de trabalho da chef Bárbara Coli tem de tudo; ela define o que vai usar de acordo com a ocasião

Janaína Damasceno/Divulgação


Débora conta que fez uma pesquisa por referências e encontrou alguém especial para seus dólmãs sob medida: “Busquei por um fornecedor menor, pequeno empreendedor, de criação artesanal, como minha marca, e fui encontrar a Pozza Atelier, em Goiânia. Assim, escolho minhas peças em tons de verde e com estampas, com destaque para as florais. Mas, como a criação é livre, fui mais ousada em um modelo e pedi para desenvolver um com estampa de limões. Divertida, moderna. Não gosto de dólmãs com frufrus, que são mais típicos da confeitaria”.


Além da loja, Débora ministra cursos presenciais no seu ateliê, faz parte da equipe de culinaristas da Maria Chocolate e tem cursos lançados no universo on-line, para os quais abre vagas duas vezes por semestre. E tem o dólmã certo para cada ocasião: “Praticidade é regra. Gosto de botões, são mais fáceis de desabotoar, puxo e logo abre tudo. Como os dólmãs são verdes e com estampas, nos aventais gosto de cores lisas, na paleta da logo, marrom e cinza, para ficar harmônico e combinar. E tenho o logo e meu nome bordados”.


Criação sob medida

O clássico dólmã branco nunca perde a majestade, mas passou a conviver com outros modelos mais ousados, diferentes e que acompanham as transformações dos cozinheiros e suas cozinhas. O desenvolvimento de trajes sob medida, com caimento perfeito na silhueta do chef, impecável, tem atraído cada vez mais adeptos.


Em Belo Horizonte, a Blade Alfaiataria, que tem origem na antiga Hermano Alfaiataria, fundada em 1965, com o patriarca Hermano do Carmo, é referência na vestimenta para os culinaristas.


Marcelo Blade, um dos mais requisitados alfaiates da cidade, e o seu filho Matheus, diretor-administrativo do negócio de família, mergulharam no mundo da cozinha com um convite para participar de uma edição do Festival de Gastronomia de Tiradentes. Criaram um avental e um colete-avental gourmet e, a partir daí, entraram para o universo dos dólmãs sob medida, com modelos customizados. Destaque para um modelo que Marcelo criou com uma pintura especial, cortes diferenciados, botões personalizados e uniformes de alfaiataria para restaurantes mais finos, de alta gastronomia.

Marcelo e Matheus Blade, da Blade Alfaiataria, contam que os dólmãs ficaram mais curtos, justos ao corpo e coloridos

Marcelo e Matheus Blade, da Blade Alfaiataria, contam que os dólmãs ficaram mais curtos, justos ao corpo e coloridos

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press


“O dólmã evoluiu com a moda. Há 20 anos, era um único padrão, o modelo branco. E ainda tem o preto, agora já um clássico. Mas foi sendo estilizado, ficou mais curto e slim, justo ao corpo, assim como a manga e a gola também mais ajustadas. Também houve mudança nas cores. Agora, estão coloridos. Antes no branco se aceitava no máximo um bordado com o nome do chef, do restaurante e a bandeira da nacionalidade. Hoje, permite-se brincar. Há modelos com manga, gola e punhos coloridos, botões estampados, peças com bolso, lenço e bordados diferenciados”, destaca Matheus.


Quanto ao tecido, Matheus explica que segue fiel pela exigência, não só de qualidade, mas segurança: “O tipo de tecido segue o mesmo, tem de ser aprovado para o uso na cozinha industrial quente, ou seja, ser antichamas, mas resistente a corte e intempéries do dia a dia da cozinha. Geralmente, é uma mistura de material sintético com tricoline. Mas no mercado há várias linhas de materiais, boas e ruins, nacional e importada, como o italiano, que é o mais nobre. O que influencia no preço final. Se um dólmã de pronta-entrega sai entre R$ 200 e R$ 300 com tecido nacional, o sob medida varia de R$ 3 mil a R$ 5 mil com tecido importado, valor que engloba matéria-prima de primeira associada à mão de obra de um alfaiate”.
Matheus diz que os chefs, jovens ou mais velhos, gostam da nova proposta de estilo nos dólmãs: “Gostam da liberdade para criar o modelo que se sente bem, inovam nas cores, mudam botões, estampas, buscam remeter ao logo de suas cozinhas e tem o modelo do dia a dia e o das datas marcantes. E é importante para eles, porque o dólmã casa com o estilo do chef, da comida e do próprio restaurante.”


Vale dizer, para os leigos, que o kit oferece dólmã (jaleco), calça, avental e chapéu, que muitos substituem por touca ou gorro. E tem ainda a bandana, usada mais por quem não está na linha de frente da preparação da comida.

Fisgado pela gastronomia


Há oito anos, Wallace Amaral fundou a WA Dolmas, inspirado em programas de gastronomia. Já fazia uniformes e, inebriado por este universo, interessou-se pelo modelo diferente do dólmã e, incentivado por um vizinho chef, entrou no mundo da cozinha, criando modelos sob encomenda: “Passei a desenvolver um produto que me dá prazer, gosto de comer e de vestir os chefs. O primeiro foi o César Faeda, que me orientou e foi um professor-cliente. O produto foi aprovado e agora mergulhei nesta área. Temos tecidos para todos os estilos, à escolha dos chefs, e desenvolvemos o que eles pedem”.


Wallace destaca que seu cardápio de dólmãs é diversificado. Ele tanto desenvolve modelos a partir das referências que chegam por pesquisas quanto faz o imaginado pelos chefs.

Branco, preto e marrom: o chef Gabriel Trillo usa cores que fazem referência aos seus três restaurantes

Branco, preto e marrom: o chef Gabriel Trillo usa cores que fazem referência aos seus três restaurantes

Bruno Werneck/Divulgação


“Sempre fazemos o branco e o preto, mas a moda realmente invadiu o guarda-roupa dos chefs. Então, criamos também os coloridos, estampados, principalmente, floral, os de tom pastel e um que tem feito muito sucesso é o modelo jeans. Quanto às cores, há tonalidades fortes como o verde-militar, amarelo-ouro, laranja, que estão em evidência. A confeitaria é diferente da cozinha quente, já pede mais dólmã divertidas, lúdicas, com mais mistura de estampa. Na quente, investem em uma pegada mais moderna, saem do trivial, porém, em cores lisas”.


As chefs de cozinhas procuram dólmãs femininos com cortes acinturados que valorizam a silhueta e detalhes mais ousados e os chefs confeiteiros usam jaquetas com cores mais vibrantes e modelagem mais moderna. A verdade é que os uniformes foram sendo adaptados às necessidades dos chefs, seus gostos, estilos, apresentando detalhes e cortes que se ajustam melhor ao corpo. E tecidos mais leves para lidarem melhor com a pesada jornada de trabalho.


Origem militar


A palavra dólmã vem do termo turco “dólman”, que significa túnica. Mais conhecida hoje em dia como a roupa de chefs, confeiteiros e padeiros, a inspiração para o desenho do uniforme — com as duas linhas de botões no peito — tem origem nos jalecos dos militares do exército. Mas foi o chef francês Marie-Antoine Carême que popularizou seu uso. Ele queria criar uma forma de vestir que acompanhasse a sua “alta culinária”. Em 1822, Carême lançou “Le Maitre d’Hotel Francais”, que exibia um esboço com dois chefs usando jaqueta transpassada, toque (o chapéu de chef), calça e avental. Assim, o uniforme ganhou status na cozinha e também se transformou em um equipamento de proteção e segurança, um EPI mesmo, cuidando dos cozinheiros e seus auxiliares. Aliás, a criação de Carême foi inspiração para o também renomado chef francês Auguste Escoffier criar o conceito de “brigada de cozinha”, as funções da equipe no ambiente que é o coração dos restaurantes. Escoffier fez uma revolução ao padronizar o dólmã como estilo de uniforme em cozinhas de toda a França, transformando o mundo da culinária.


A dólmã e suas funcionalidades


1 – Proteção contra o calor: de tecido 100% algodão, serve para proteger os profissionais da cozinha do calor excessivo;
2 – Equipamento de Proteção Individual (EPI): os profissionais da cozinha estão expostos às chamas de fogões, óleo quente, chapas e fornos com altas temperaturas, então, o risco de queimaduras é constante e a proteção é essencial. O algodão é um tecido que absorve líquidos quentes, retardando os efeitos nocivos, e permite que o cozinheiro o remova em caso de necessidade;
3 – Botões para rápida remoção: são feitos de tal forma para tirá-lo rapidamente em emergência, no caso de cair óleo quente sobre a pele, por exemplo;
4 – Reversível: feito para que se possa vesti-lo do avesso. O chef vai da cozinha para o salão do restaurante com a vestimenta impecável, limpo, sem nenhum respingo que revele a batalha travada na cozinha;
5 – Marca do chef e estética: sob medida, o chef pode escolher cor, estampa, compartimentos, como bolsa para pinças e canetas, laços, tipo de gola, bordar o nome, a bandeira do país de origem, a logo do restaurante e o que mais achar necessário, funcional e, claro, na moda, com apelo estético, com estilo.