Oriental, exótico, diferente, anormal, estrangeiro, coreano. Na adolescência, o paulistano André Hayato Saito, de 41 anos, da terceira geração de uma família de imigrantes japoneses, foi chamado por um rosário de denominações – todas recheadas de preconceito. Durante muito tempo, ele agora entende, vivia em um “entre lugar”. Se sentia japonês demais para ser brasileiro ou brasileiro demais para ser japonês.
“Amarela”, filme de Saito que está entre os 15 títulos (de 207 elegíveis) pré-selecionados para o Oscar 2026 de Curta de Ficção, parte da própria vivência do realizador. Mas não é autobiográfico, pois busca atingir outras “camadas de opressão”, ele diz. “Não é só sobre o racismo recreativo, mas também sobre machismo e xenofobia”, acrescenta.
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A história acompanha um momento crucial da vida da adolescente Erika Oguihara (a estreante Melissa Uehara, que tinha 13 anos quando o curta foi rodado). Fanática pela Seleção Brasileira, ela se prepara para acompanhar a final Brasil X França na Copa do Mundo de 1998.
Filha caçula, cabe a ela ajudar a mãe nas tarefas domésticas, o que inclui cuidar também de sua avó e da loja que sustenta a família. O irmão mais velho vai levar a nova namorada para os pais conhecerem, essa é a grande novidade da família Uehara.
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Para Erika, a cabeça está longe, em especial no que o ídolo Ronaldo pode fazer no Stade de France. A partida, todos sabemos, foi um fracasso para a seleção do capitão Dunga. Em meio à tensão do jogo, que ouvimos pela narração ao fundo, Erika sofre com a violência de outros torcedores tão jovens quanto ela.
A pré-seleção para o Oscar é considerada “a cereja da cereja do bolo”, diz Saito. No início de sua trajetória, “Amarela” passou por um funil muito mais apertado do que o da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. A première do filme foi no Festival de Cannes de 2024, quando o curta concorreu à Palma de Ouro – foi uma das 11 produções selecionadas entre 4,4 mil inscritos.
Já exibido em mais de 100 festivais em mais de 35 países, “Amarela” poderá se tornar o segundo curta brasileiro indicado ao Oscar. A produção anterior foi “Uma história de futebol” (2001), de Paulo Machline. As nomeações das 24 categorias serão anunciadas em 22 de janeiro – a 98ª cerimônia será em 15 de março.
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“Amarela” será lançado pelo Canal Brasil, em data ainda a ser anunciada. Neste momento, a produtora MyMama Entertainment, que assina a produção em associação com Fernanda Takai e a Sato Company, tenta fechar com alguma plataforma de streaming. Caso a negociação seja rápida, há alguma possibilidade de o curta chegar ao público antes mesmo do anúncio dos indicados.
O curta encerra o que Saito chama de “trilogia da ancestralidade”. “É um processo artístico do resgate das minhas origens, que já neguei por muito tempo”, comenta o realizador, que tem 15 anos de carreira. O ponto de partida foi uma viagem que Saito fez ao Japão em 2017, acompanhando os pais, numa incursão em busca de parentes distantes.
“Não foi fácil, até que descobrimos uma senhora que era muito amiga da minha avó japonesa (a paterna). Ela ficou contando histórias de mãos dadas comigo. Falava sem parar até que alguém disse que eu não falava japonês. Daí ela apontou no coração dela e no meu, fazendo o número 1”, conta. Assim nasceu o curta “Kokoro to Kokoro” (2022), que em bom português significa “de coração para coração”. Saito filmou 10 horas desta senhora falando – e só descobriu o que ela falava quando foi feita a tradução.
DOCUMENTÁRIO E FICÇÃO
Depois deste primeiro filme, ele resolveu fazer um curta para celebrar sua avó materna. “Vento dourado” (2024) trata da relação de cuidado “muito visceral que a minha mãe teve durante 18 anos com a mãe dela”. Misto de documentário e ficção, foi rodado numa fazenda do Paraná. “’Raptei’ minha família para o interior no que chamamos de retiro cinematográfico, convidei uma diretora de arte e uma diretora de fotografia nipo-brasileiras e fiz o filme.”
Antes destes dois curtas, Saito já preparava o roteiro de seu primeiro longa, “Crisântemo amarelo”. “Eu vi que precisava fazer um protótipo antes de filmar o longa, que é 100% ficção, escrito por mim e minha esposa (Tatiana Wan). Pegamos alguns personagens do longa e adaptamos para o curta. Nunca poderia imaginar que um protótipo voaria tão longe”, comenta ele a respeito de “Amarela”.
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O processo para o curta não foi fácil. “A Fernanda Takai entrou no momento em que a gente estava quase desistindo. Foi a primeira pessoa de fora que apoiou o projeto”, conta Saito. “Senti exatamente o que as pessoas falam sobre cinema. Tem que ter muita gente, não é barato e, às vezes, as pessoas tentam verba de lei e é difícil as coisas saírem na mesma hora”, comenta a cantora e compositora a respeito de sua primeira incursão no cinema. A equipe de “Amarela” é eminentemente formada por profissionais nipo-brasileiros.
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Saito espera que a visibilidade do curta ajude na produção do longa. “Crisântemo amarelo” parte do luto diante de uma tragédia familiar. A personagem Erika também faz parte da história e ele espera filmar rápido, ainda em 2026. Caso tudo ocorra bem, Melissa Uehara, hoje com 16 anos, poderá voltar a interpretar a garota. O longa será uma coprodução Brasil, Japão, Alemanha e França. “Estamos com 50% do financiamento captado. Agora está faltando o dinheiro do Brasil”, finaliza Saito.
