'The mastermind' traz Josh O'Connor como ladrão amador de museu
Filme da diretora Kelly Reichardt, destaque do cinema independente dos EUA, retrata a desilusão da classe média com o sonho americano
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Alguns homens invadem e roubam um museu durante o dia. Poderia ser o saque de joias ocorrido no Louvre há alguns dias, mas é a trama de “The mastermind”, filme em que Josh O'Connor interpreta o jovem frustrado de classe média que surrupia quadros do modernista Arthur Dove de um modesto museu no interior de Massachusetts, estado americano onde mora.
O novo filme de Kelly Reichardt, nome proeminente do cinema americano independente, faz um comentário espirituoso sobre a desilusão da classe média com o sonho americano enquanto acompanha o passo a passo do crime de James e sua fuga.
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A trama se passa nos anos 1970. A matança da Guerra do Vietnã é transmitida na televisão e protestos eclodem nas ruas dos Estados Unidos, mas James, personagem de O'Connor, não se importa. Estudante de arte frustrado e com filho para criar, ele está desempregado e é rechaçado pelo pai, que trabalha na prefeitura da cidade e tem uma casa espaçosa e confortável, onde James cresceu.
“Era um momento interessante. A América estava chocada por descobrir que entrou na guerra (do Vietnã) por uma mentira. E depois acontece o Watergate”, diz Kelly Reichardt.
“Era a perda de inocência de um país. É difícil convencer uma pessoa jovem sobre isso. Meus alunos só se tornaram politicamente conscientes após Donald Trump”, afirma.
Diretora de filmes celebrados no circuito independente, como “Certas mulheres” e “First cow: A primeira vaca da América”, Reichardt dá aula na universidade de Bard College, em Nova York.
Suas narrativas costumam ser mais contemplativas, com diálogos simples e protagonizados por personagens comuns, que no geral estão às margens das histórias. Em “First cow”, um chinês e um cozinheiro que procuram oportunidades no Oeste americano, em 1820, se tornam amigos e enfrentam perrengues de faroeste juntos.
Rancor e frustração
Já James, de “Mastermind”, é o clássico homem branco de classe média frustrado. Ele parece consciente disso, o que alimenta uma espécie de rancor em relação a tudo e todos ao seu redor.
Este ano, em Cannes, o filme gerou burburinho por ser protagonizado por O'Connor, que desfilou no tapete vermelho também com o longa “A história do som”, em que vive um romance gay com Paul Mescal.
O ator britânico já tinha sido aplaudido antes na Croisette em 2023, quando estrelou o drama italiano de Alice Rohrwacher, “La chimera”, ao lado de Carol Duarte. Foi pela atriz brasileira, O'Connor conta, que ele conheceu Reichardt. Duarte o apresentou a Karim Aïnouz, que o aproximou da diretora americana.
“Estou interessado nesses grandes momentos da vida, que talvez não identificamos quando os vivemos. Trabalho tentando entender a condição humana”, diz O'Connor. Em “The mastermind”, ele se interessou pela masculinidade frágil de seu personagem, sustentado pela esposa trabalhadora.
“O que isso causa em um homem que cresceu acreditando que o pai é um vencedor enquanto a esposa fica em casa cuidando da casa? Isso afeta seu ego de alguma forma. Em um passado não tão distante, homens que iam para a guerra eram considerados heróis”, comenta.
Durante as gravações de “The mastermind”, ele lembra, foi a situação política nos Estados Unidos que mais o impactou. Parte das filmagens aconteceram em Ohio, estado com forte base trumpista e território eleitoral de J.D. Vance, vice-presidente dos Estados Unidos.
Trump
“Nem sei como chegamos aqui. Estou muito confusa sobre o momento em que vivemos. Sabia que seria ruim, mas não sabia que seria tão ruim e tão rápido”, afirma a diretora Kelly Reichardt.
Apesar do perigo que as artes enfrentam diante da ofensiva de Donald Trump para controlar o setor cultural, ela diz que a ameaça a cineastas sem o apoio de grandes estúdios bilionários não é novidade.
“As pessoas dizem que é o fim do cinema independente desde que eu tinha vinte anos. De alguma forma, isso me empoderou”, brinca a diretora. Kelly Reichardt.
“THE MASTERMIND”
EUA, 2025, 110 min. De Kelly Reichardt. Com Josh O'Connor, Alana Haim e John Magaro. Nesta terça (28/10), às 18h10, na Sala 2 do Centro Cultural Unimed-BH Minas.